Passageiro Frequente

Em Tóquio, no bairro de Meguro, o Museu dos Ofícios Populares do Japão tem uma coleção de mais de dezassete mil peças. Essa é uma das informações que constam no folheto que é entregue quando se compra bilhete. Também nesse papel pode ler-se que o museu tem apenas a informação mais elementar sobre as peças expostas, de modo que o visitante possa apreciar a beleza e a relevância da peça, sem o «ruído» do contexto. Nunca tinha estado num museu com esta preocupação.
Yanagi Soetsu foi o fundador do museu e do movimento Mingei, que defende a procura de beleza em objetos utilitários, criados por artesãos anónimos. Com raízes cravadas na tradição espiritual e filosófica do Japão, esta forma de olhar subverte a habitual experiência que um museu proporciona. Na falta de informações, aquilo com que podemos contar é a nossa avaliação pessoal da peça. Ao longo da exposição, com frequência, dei comigo a olhar para objetos simples e a tentar perceber porque estavam ali. Ao fazê-lo, estava efetivamente a vê-los, não há outra forma de fazer essa observação.
Naquela tranquilidade, a madeira do chão a ranger debaixo dos meus pés descalços, não me foi difícil constatar as diferenças em relação à experiência de visitar a maioria dos grandes museus do mundo.

Naquela tranquilidade, a madeira do chão a ranger debaixo dos meus pés descalços, não me foi difícil constatar as diferenças em relação à (…) maioria dos grandes museus do mundo.

Louvre, Metropolitan, Prado, Uffizi. Nestes há salas seguidas, obras sonantes em todas as paredes, incandescentes. No museu daquela rua residencial de Tóquio há objetos sóbrios, arrumados, cada um é estrela do lugar onde está. No primeiro caso, o exagero desgasta o olhar; no segundo caso, a frugalidade aguça esse mesmo olhar. Não creio que este conceito deva ser exportado para todos os museus, monumentos e espaços de visita, mas suscita uma reflexão que, parece-me, merece ser seguida. No turismo e num certo consumo de arte, são frequentes os casos em que o excesso de informação desfigura aquilo que se está a ver. Muitas vezes, faz falta um regresso ao essencial e, antes de qualquer coisa, apreciar aquilo que temos diante de nós, com tempo se possível. Depois, em muitos casos, a contextualização história e cultural ajuda a que se distinga aquilo que ficou por ver. A informação é necessária, mas o olhar e a atenção são imprescindíveis.
É possível dirigir o rosto para um objeto, estar de olhos abertos e não o ver. Acontece mais do que a maioria das pessoas está disponível para admitir.
No folheto que é distribuído à entrada do Museu dos Ofícios Populares do Japão também está escrito que a coleção é composta por peças «novas e velhas, feitas no Japão e também em vários países». Nas diversas salas, olhando para os objetos, estas são questões com que nos entretemos. Esse é o nosso envolvimento com o objeto exposto, questionámo-lo e tentámos que respondesse. Sem palavras, houve um diálogo, uma troca. Será novo ou velho? Será feito no Japão ou noutro país? No final, podemos não ter a certeza acerca desses detalhes, mas não há dúvida de que aprendemos alguma coisa, experimentámo-la.

Texto de José Luís Peixoto
Crónica da edição de março 2015 - n.º 245
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