Global Imagens / André Glória nas escarpas em Sagres, no Algarve

Viajante Extraordinário

Vida de Nómada

Crescer a ver filmes do Indiana Jones a combater o mal poderá ser inócuo para alguns, mas no caso de André Glória parece ter tido algum tipo de repercussão. Aos 32 anos, dispensa o chicote e não está sequer à procura do Santo Graal – a vida já lhe trouxe a epifania de que precisava –, mas começou bem cedo a sentir a vontade de se lançar em aventuras.

Na adolescência foi escuteiro, acampou em Portugal, Espanha e Suíça. A primeira vez que viajou sozinho, em 2001, foi um teste: um InterRail de um mês – que acabaria por terminar com um amigo, com quem se encontrou antes do fim da viagem – mostrou-lhe que andar pela Europa sem o conforto de uma companhia podia ser uma ideia algo assustadora, mas, ao mesmo tempo, «era muito libertador». Logo no primeiro ano do curso de Turismo, ainda antes de se tornar instrutor de mergulho e escalada, decidiu fazer três meses de estágio num empreendimento hoteleiro na Grécia. No final, tirou três semanas para viajar à boleia pelo país. «Tive sorte, mas ainda experimentei boleias com uns fulanos duvidosos», recorda. A história de que se lembra sempre é a do motorista de um camião-cisterna, cujo sonho era substituir todas as peças da sua Harley Davidson pelas equivalentes em ouro. Ainda se ri das ambições do indivíduo, mas numa nota mais séria, «e sem querer parecer esotérico», diz que aprendeu uma lição valiosa: «Quando estamos sozinhos, abrimo-nos mais, estamos mais alerta para os estímulos do exterior. A energia com que nos ligamos acaba por fluir.»

Depois da Grécia, esteve mais «sitiado». As viagens foram mais pequenas, mais próximas de Faro, de onde é natural. Mas logo que terminou a formação universitária, pôs-se ao caminho. Quando um amigo o desafiou para se juntar a ele na Tailândia e fazer o curso de Instrutor de Mergulho, não pensou muito. «Arranquei com o equipamento novo em folha.» Durante um mês, envolveu-se nas atividades de um centro biológico de Phuket e aprendeu a verificar os recifes, teve formação em matérias ambientais e de sustentabilidade. No mergulho, começou bem à superfície. «Em seis meses, fui de não saber nada até me tornar guia de mergulho profissional.» Porque na Tailândia «só algumas cinco pessoas que trabalham na indústria do mergulho estão legais», quando o visto expira é preciso sair do país e voltar a entrar. Nessas ocasiões, aproveitou para conhecer os países mais próximos e foi na Malásia que primeiro sentiu a hostilidade contra os «caras pálidas». Como desportista que é, encara as ofensas com fair play. «Todas as experiências são boas se não forem traumatizantes.»

«Quando estamos sozinhos, abrimo-nos mais, estamos mais alerta para os estímulos do exterior.»

França

Tentou não mandar borda fora o respeito que tem pelas culturas diferentes, que se esforça por compreender e aceitar. Quando se mudou para o Egito, três anos depois de estar na Tailândia e começar a sentir a island sickness – preso às rotinas de uma ilha pequena –, chegou a inscrever-se em aulas de cultura egípcia. Foi expulso por fazer «perguntas irritantes».
Escolheu o Egito, onde ficou dois anos, pois «queria muito mergulhar no mar Vermelho». Para viajar e «ter a vida nómada» que queria, precisou de trabalhar. «Fiz algo que me dava muito prazer, trabalhava em mergulho e em escalada.» Nos tempos livres, explorava os territórios mais próximos. Fez turismo na Jordânia, em Israel, até na Síria. «São pessoas pobres mas muito generosas, apesar dos tabus em relação à igualdade do género e religião.»

A cultura é «limitativa», mas rejeita a ideia de que visitar o Médio Oriente seja desafiar o destino e passear entre «homens-bomba».
Depois do Egito, acedeu à vontade da namorada de então e mudou-se para Paris. «Ela mudou de vida para se juntar às minhas aventuras e queria muito voltar a França para acabar o curso.» Para André, há dois investimentos na vida que valem a pena: viagens e formação. Aceitou a mudança e absorveu o choque.
Chegou a Paris sem falar uma palavra de francês. Foi fazer formação na federação de escalada e, ao mesmo tempo, aprendia a língua intensivamente, a ler livros e a ver episódios de Tintim sem legendas. «Como tinha fundos limitados, tive de ser autodidata». Fez escalada nos Alpes, passou a dominar o idioma e foi contratado por uma empresa que oferecia percursos turísticos por Paris em bicicleta, a pé e de segway. Antes de voltar a Portugal, já era gestor.

Mar Vermelho de Sharm el-Sheikh, Egito

A última grande aventura foi o regresso ao Algarve, em novembro do ano passado. Veio de carro, um automóvel com mais de 30 anos, ao qual juntou um atrelado no qual carregou 18 bicicletas, equipamento de escalada e mergulho, até uma motorizada. Levou cinco ou seis dias a fazer o percurso. Na prática, juntou o útil ao agradável: «Trouxe as tralhas» sem deixar de explorar mais uns quilómetros de estrada.
Voltou para trabalhar naquela que sempre foi a sua área, o turismo, desta vez com projeto próprio: a Volta do Mar. Não é adepto do «turismo de Albufeira» e quer ir além da experiência do resort, levando pequenos grupos de turistas a beber medronho ou a escalar falésias. O trabalho, realça, vai ser sazonal. Conta ter nove meses com movimento e três mais parados. Esses, há de aproveitá-
-los para continuar a conhecer o mundo.

Texto de Bárbara Cruz
Viajante da edição de maio 2015 - n.º 247
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