Não é preciso ser entendido em latim ou versado em botânica para perceber que há qualquer coisa que nos soa a familiar na palavra Saccharum. Ainda assim, dita à queima‑roupa, ela provoca estranheza e há na ilha quem não a consiga pronunciar à primeira. Nem localizar. Para uns já fica na Calheta; para outros está ainda em Arco da Calheta.

Precisões logísticas à parte, para quem vem de fora, importa saber que a Calheta se encontra na costa sul da ilha, a cerca de vinte minutos de carro do Funchal, e que se mantém como um dos poucos concelhos onde persiste uma fábrica de transformação da cana-de-açúcar em mel e aguardente. Este último dado é mais do que um pormenor, pois, além do nome, a cultura serviu de mote à construção e ao layout do hotel, que é também resort urbano e spa.

Por todo o lado imperam os tons térreos, em sintonia com a montanha. A piscina de rebordo infinito, essa parece fundir-se com o Atlântico.

À chegada, impressiona o tamanho do complexo, a segunda propriedade do grupo AFA, que já detinha o Hotel Calheta Beach e investiu cerca de 16 milhões de euros para criar uma alternativa de peso aos hotéis mais centrais. A arquitetura é da dupla Roberto Castro e Hugo Jesus (do atelier RH+), que criou um edifício tridimensional e modular, acoplado a um dos flancos da montanha e de frente para a marina. O empreendimento levou três anos a sair do papel e, já na parte final, foi fundamental a intervenção da designer de interiores Nini Andrade Silva.

Natural da Madeira, mas com obra feita e reconhecida quer no continente quer no estrangeiro, Nini tem um estilo muito marcado, pautado quase sempre por cores mais escuras que enaltecem a paisagem, e por gostar de desenvolver os seus projetos em torno de um tema. Neste caso, tinha a cultura sacarina, com tudo a ela associado, e cuja história é contada nesta unidade em modo de instalação, quase um museu, para tirar da cartola uma paleta de tons (verde-seco, castanhos, púrpura) em concordância e para introduzir elementos associados ao seu ciclo de produção sempre que possível – como aconteceu na decoração dos três restaurantes, não por acaso batizados de Alambique (à la carte), Engenho (buffet) e Trapiche (saladas e snacks). A carga dramática, uma outra caraterística cénica da designer, está muito presente no lobby, onde uma escadaria teatral domina o imenso pé-direito.

O Saccharum Hotel Resort & Spa fica a 20 minutos de carro do Funchal. Além das três piscinas e do spa com uma área invejável, as vistas do hotel são deslumbrantes.

No Alambique, um dos três restaurantes do hotel, o chef Vítor Costa (em cima) junta cozinha madeirense e internacional. A reinvenção do tradicional espada com banana é uma das propostas.

Nos quartos e nos apartamentos (181 e 62, respetivamente), a decoradora não deixou cair a temática, mas são referências e apontamentos mais subtis, como as imagens macro das canas sacarinas que fazem as vezes de espaldares nas camas. Privilegiou-se o desafogo e o conforto, que passa igualmente por incluir sempre varandas e, na maioria dos casos, pelo menos, vista de mar.
Entre as mordomias disponíveis, e que valem bem trocar alguns passeios por umas horas a mais no hotel, estão as piscinas e o spa. Piscinas são três, todas exteriores (duas para adultos e uma para crianças), mas a que enche mais as medidas, em tamanho e potencial, fica no terraço superior. Mais uma vez, imperam os tons térreos, em sintonia com a montanha, mas a fusão com a paisagem aumenta à medida que adentramos na água – se for ao pôr do Sol, tanto melhor. O rebordo infinito ajuda a criar a ilusão de que, por momentos, piscina e mar são um só.

A história da cultura sacarina é contada em modo de instalação, pela decoração com assinatura de Nini Andrade Silva.

Já o spa, como tudo o resto nesta propriedade, não regateia espaço e tem uma área invejável para desfrutar de diversos tratamentos e de zonas de relaxamento – há, inclusive, mais uma piscina, esta interior. Duches sensoriais com cromoterapia ou pedras de sal aquecidas para ajudar a respirar melhor estão entre os serviços menos usuais e são gratuitos para quem está hospedado nos quartos premium e suites (os restantes hóspedes têm acesso ao spa desde que marquem um tratamento). É desta forma que um nome – e um projeto – que primeiro se estranha, aos poucos se entranha no roteiro de boa vida da ilha.


Breve história do «ouro branco»

A cultura da cana do açúcar foi introduzida na ilha no século xv, a mando do infante D. Henrique e logo se adaptou e entrou nos hábitos locais. Passou por altos e baixos e várias vezes esteve por um fio no século XIX, mas a partir de 1890 entrou novamente num período de expansão graças à indústria açucareira e, sobretudo, à proliferação de fábricas de aguardente de cana em quase todas as localidades da Madeira. Durante o século XX, a área de cultivo e a produção foram encolhendo até que, na década de 1980, e já com a maioria das fábricas encerrada, entrou em colapso. Subsiste, em cerca de 135 hectares, com uma média inferior a 6 toneladas ao ano, em concelhos como Calheta, Machico, Ponta do Sol ou Ribeira Brava.


A casa

Saccharum Hotel Resort & Spa
Rua Serra de Água, 1, Arco da Calheta (Calheta)
Tel.: 291280800
Web: saccharumhotel.com
Preço: Quarto duplo a partir de 180 euros por noite (com pequeno-almoço)

Para lá da Calheta

O hotel dispõe de uma série de atividades, mas vale a pena o hóspede considerar alguns passeios por sua «conta e risco».

Ponta do Sol
A oeste da Calheta, encanta pelo seu promontório e pelo casario pitoresco que ladeia a marginal. No verão, a praia é bastante concorrida e na estrada de acesso há uma queda de água que se desmancha no asfalto e faz as delícias de quem passa.

Mercado dos Lavradores
Verdadeiro cartão postal funchalense – pela arquitetura e pela enorme variedade de produtos locais, das frutas às flores, sem esquecer os peixes.  Largo dos Lavradores, Funchal; Horário: Das 08h00 às 19h00 (sexta, até às 20h00; sábado, só manhã). Encerra ao domingo.

Ponta de São Lourenço
Trata-se da ponta mais a leste da ilha e de uma  reserva natural com formações rochosas particularmente bonitas e vistas inesquecíveis do Atlântico.

Fajã dos Padres
Uma língua de terra assente sob a falésia no fundo do cabo Girão. Até 1998 o acesso só se fazia por mar, mas agora há um elevador, e a propriedade, que tem um restaurante, está aberta para visitas. Há uma praia de calhau e vários tipos de cultura.
Estrada Padre António Dinis Henriques, 1, Quinta Grande (Câmara de Lobos); Tel.: 291944538/964782895;
Web: fajadospadres.com; Horário: Das 10h00 às 18h00. Não encerra; Preço médio (rest.): 20 euros

Texto de João Miguel Simões - Fotografias de Gonçalo Villaverde/Global Imagens
Artigo da revista evasões semanal n.º 20 - grátis à sexta-feira com o Diário de Notícias e Jornal de Notícias
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