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Chega finalmente ao fim o primeiro dia de viagem: Lisboa-Amesterdão, Amesterdão-Nairobi. Três horas para a capital holandesa, oito para a capital queniana, nada de mais para desembarcar noutro mundo, o mundo dos safaris, um mundo que nenhum dos elementos desta equipa da Volta ao Mundo conhecia e que ambos queriam alcançar o mais rapidamente possível. É fundamental conservar uma certa dose de ansiedade e espanto, mesmo quando se faz da viagem profissão.

O cansaço não costuma entrar nestas reportagens. Editam-se ou suprimem-se os entretantos, os tempos mortos, e narra-se apenas o prazer. Mas é também a partir dessa zona cinzenta que muitos acontecimentos banais se transformam em momentos únicos. Se é que cruzarmo-nos com duas leoas, mesmo em África, possa ser considerado um acontecimento banal…

Foi assim que partimos rumo à Reserva Nacional de Samburu, onde passaríamos a noite. Mais de sete horas de viagem e um país que foi fazendo a sua apresentação pela janela do jipe, pelo canto do olho. Crianças a dizer olá, crianças a dizer adeus, crianças a jogar à bola, arrozais, plantações de café, bananeiras, mercados de rua, homens e mulheres a vender fruta aos carros que passam, a terra vermelha, a luz que nenhum filtro de Instagram conseguirá igualar, o caos e o charme africano em doses iguais. Pelo meio uma paragem rápida numa escola primária para deixar algumas mochilas e lápis de cor aos alunos, que toda a ajuda num sistema de ensino deficitário é bem-vinda.

Pouco depois das 22h00, e após uma autorização especial para entrar no parque – a partir das 18h00 não é permitida a entrada, por questões de segurança –, eis-nos, por fim, em Samburu. Percorremos apenas algumas centenas de metros da estrada de terra batida até que duas leoas, as tais duas leoas, se cruzam no nosso caminho. «Isto é algo muito raro», diz Richard, o nosso guia, surpreendido por a natureza africana se ter insinuado tão rapidamente a dois novatos que ainda agora chegaram.

Não houve muito tempo para recuperar. Os dias em África, sobretudo nos safaris, começam sempre cedo, normalmente a partir das seis da manhã, a hora ideal para se avistar animais e a melhor luz do dia para fotografar. E o primeiro animal que se deixa ver é um elefante, a passear pachorrento, junto às tendas. Não é de estranhar, até porque o Elephant Bedroom Camp, situado nas margens do rio Ewaso Nyiro, não possui qualquer cerca. Os seguranças já estão acostumados e acompanham-nos até

à entrada. Confirmam se fechamos a tenda. «Os babuínos não perdem uma oportunidade para vasculhar as malas. Em África todo o cuidado é pouco», diz-nos um deles, num inglês perfeito e com irrepreensível humor britânico. Richard já está no jipe a postos para o nosso primeiro dia de terreno – game drive é o nome técnico – numa pontualidade também ela britânica.

Tudo isto é um exercício de paciência, até porque, e ao contrário do que a nossa sorte de principiante possa ter deixado antever, nem todos os animais fazem questão de ver e ser vistos. Como o leopardo. Procurámo-lo no seu habitat, junto às rochas, mas não tivemos sorte, apesar de um casal francês com quem nos cruzamos garantir ter visto um. Quando se dá de caras com uma das espécies mais raras é comum avisar-se pelo rádio os outros carros, mas desta vez não houve tempo.

O Parque Nacional de Tarangire localiza-se a sudoeste de Arusha, Tanzânia. É atravessada pelo rio Tarangire, que é importante fonte de água para os animais durante a estação seca, de julho a outubro.

Não há, contudo, qualquer sensação de frustração. Bem pelo contrário. Antes que as luzes se apaguem – este alojamento funciona a gerador e tem eletricidade racionada, entre as 05h00 e as 07h00, as 13h00 e as 15h00 e as 18h00 e as 23h00 – faço uma espécie de resumo da matéria dada e enumero as espécies que observámos: elefante, babuíno, girafa, gazela, zebra, impala, dik-dik (um pequeno e monogâmico antílope que anda sempre acompanhado pelo parceiro), órix (um grande antílope africano), waterhog (familiar do javali), macaco-vervet (conhecido pelos seus testículos azuis), avestruz, kori bustard (a maior ave africana) e mais um sem-número de aves raras – cerca de 350 espécies de aves numa pequena reserva com 165 quilómetros quadrados.

Recordo também o momento do dia: pouco antes do pôr do Sol, já de regresso ao acampamento, vemos um grupo de dezenas de abutres. E onde há abutres, já se sabe, há carne. Houve caça. Alguns metros à frente uma leoa descansa à sombra de uma acácia, com a carcaça de órix ao lado. Talvez por ser o nosso primeiro safari, talvez por ser domingo, por momentos sentimo-nos dentro de um documentário.

Enquanto Richard falava para nos dar mais uma explicação não era a voz dele que ouvia, mas sim a de Eduardo Rêgo, o homem que, todos os fins de semana, há mais de duas décadas, narra a Vida Selvagem na televisão portuguesa.

Mudamos de parque, do mais pequeno e menos conhecido Samburu, para o incontornável e bem maior Masai Mara, com 1510 quilómetros quadrados de área. Mudamos também de guia: Simon. Vem buscar-nos à pista, ainda estamos a descer as escadas do avião. Há várias pistas de terra ao longo do parque, uma espécie de paragens de autocarro em que os pilotos da Air Kenya vão deixando os passageiros consoante os alojamentos a que se destinam. Os animais gostam de apanhar sol na pista, mas nunca há acidentes.

No nosso caso foi uma família de waterhogs que teve de fugir à última hora. «De onde são?», pergunta Simon assim que entramos no jipe. «Portugal», respondemos. Em viagem, a nossa nacionalidade é o nosso maior cartão-de-visita e, hoje em dia, na maior parte dos cartões tem escrito Cristiano Ronaldo. «A terra do Vasco da Gama», diz de imediato. O nosso preconceito é proporcional à sua cultura. Não foi o único. Alguns dias mais tarde, em Emali Town, numa loja de beira de estrada entre Nairobi e Amboseli, um homem (Sila) irá perguntar-nos de onde somos e começar a falar sobre Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e Fernão de Magalhães. Depois, sim, fala de Ronaldo, para dizer que gosta mais de Messi.

A área de conservação Ngorongoro é uma cratera a 2400 metros de altitude. Este fosso tem 260 km2 de diâmetro e 610 metros de profundidade. Abriga perto de 25 mil animais.

Mas não antecipemos o futuro. «O que querem fazer agora?», questiona logo de seguida. «Ver os big five», respondemos em coro. Vamos ao lodge (Governors ‘Il Moran) pousar as malas e almoçar – e regressamos à estrada. É difícil resistir à tentação, por mais que uma tenda de luxo e uma rede nos convide à sesta, sob o olhar atento dos hipopótamos e crocodilos, do outro lado do rio Mara; por mais que saibamos que ver os cinco grandes – elefante, búfalo, leão, leopardo e rinoceronte, assim designados por serem os animais mais difíceis de caçar pelo homem – seja um lugar-comum a que todos os turistas e jornalistas aspiram no seu primeiro safari.

Ainda não foi desta, contudo. Hoje, ao terceiro dia, além de grande parte das espécies que vimos em Samburu, mas em quantidades muito maiores, só vimos búfalos, hienas, chacais, hipopótamos, crocodilos, waterbucks, reedbucks, topis (todos eles antílopes), um grupo de duas leoas e quatro crias a beber água, uma manada com milhares de gnus, seis leões a comer um gnu e quatro chitas a descansar ao sol.

Foi só isto… Agora, ao jantar, uma família de elefantes decide interromper a nossa refeição para que possam, também eles, comer tudo o que lhes vai aparecendo pelo caminho. Herbívoros, têm um apetite insaciável, capaz de devorar cerca de 150 quilos de comida por dia. Apesar da presença de dois homens armados e dos pedidos de silêncio por parte dos empregados, ninguém parece especialmente assustado. «Isto é África», diz o casal da mesa ao lado, aproveitando a rede wifi para enviar algumas imagens para os filhos.

Acompanhe os restantes dias de safari em voltaaomundo.pt

 

topmic

Este safari preparado pela TopMic para a Volta ao Mundo é, à semelhança de tudo o que esta empresa faz, feito à medida – taylor made. O valor para cada viagem depende do que cada pessoa quer incluir no roteiro, quantos dias e orçamento disponíveis.
Mais informações em
topmicturismoportugal.com

Texto de João Ferreira Oliveira - Fotografias de Adelino Meireles/Global Imagens
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