Talin

Com um território que é cerca de metade de Portugal, uma população oito vezes menor e um produto interno bruto per capita igual ao dos portugueses, a Estónia tem argumentos para uma curta viagem. 3 dias bastam para conhecer o rico Património Cultural e uma paisagem natural admirável.


Esta foi a beleza que o antigo domínio soviético tentou manter secreta, proibindo a entrada na ilha de Saaremaa e limitando o acesso aos pântanos, como o de Marimetsa, a determinados dias do ano. Se acrescentarmos a tudo isso o dinamismo visível nas diversas áreas de atividade económica – por todo o lado carros de gama alta com matrículas recentes –, torna-se fácil concluir que estamos perante uma comunidade desejosa de agarrar o futuro sem perder a âncora de um passado que assume orgulhosamente a herança nórdica. Virada sem hesitações para o mar Báltico que serve de elo de ligação às vizinhas Finlândia e Suécia (Talin fica a 82 quilómetros de Helsínquia e a 380 de Estocolmo), a Estónia tornou-se independente da URSS em 1991 e desde então aderiu à NATO e à União Europeia.

Dia 1

Torres e muralhas
Qualquer viajante em Talin deve começar-se pelo ex-líbris da capital: a muralha medieval pontuada por 26 torres (das 46 originais) que rodeia a Cidade Velha. Foi classificada em 1997 pela UNESCO e recorda a cruzada contra os últimos pagãos da Europa. Foi ali, na colina Toompea, onde hoje se erguem o Parlamento e a sede do Governo – com um miradouro a oferecer uma panorâmica da cidade até às margens do Báltico – que, segundo a lenda, o rei dinamarquês Valdemar II viu aparecer no céu uma bandeira com uma cruz branca em fundo vermelho. O monarca rezava antes do combate decisivo, em 1219. Os invasores ganharam a batalha e o estandarte tornou-se a bandeira da Dinamarca.

Em compensação, deram aos estonianos o nome da capital – Talin deriva de Taani linna, isto é, «o castelo dos dinamarqueses». Por toda a Cidade Velha há igrejas que merecem visita, sobretudo luteranas, como a de São Nicolau e a de Santo Olavo (a torre desta, com 159 metros, chegou a ser o edifício mais alto do mundo, nos séculos XV e XVI). Também as há ortodoxas, como a Catedral de Santo Alexandre Nevski. A profusão de locais de culto não impede que os estonianos sejam considerados o povo menos religioso do mundo.

Se a parte alta da Cidade Velha testemunha o poder dos nobres medievais, com destaque para os cavaleiros teutónicos (alemães) que dominaram os países bálticos até ao fim da Idade Média, a parte baixa, incluindo a Praça do Município (Raekoja), mostra a riqueza dos mercadores da Liga Hanseática, que se prolongou até ao Renascimento. As grandes casas com portas em ogiva, a fazer lembrar as das catedrais góticas, que serviam de residência e armazém aos comerciantes (parceiros de negócio, entre outros, dos portugueses, através de quem recebiam pimenta e outras especiarias do Oriente), estão hoje quase todas transformadas em restaurantes.

As casas da parte baixa da capital preservam a memória do tempo dos ricos mercadores da Liga Hanseática, numa cidade marcada pelo Báltico.

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12h00

Compras para todos
As lojas de marcas internacionais e de artesanato local de qualidade, bem como os principais centros comerciais, concentram-se nas ruas Viru e Müürivahe, na zona mais cosmopolita da Cidade Velha. Há camisolas de lã com padrões típicos do folclore local, toalhas de linho bordadas e cobertores também bordados, além de peças em âmbar.

13h00

Sois servidos?
No restaurante Olde Hansa, os pratos são inspirados em receitas do século XV. Prova-se a caça (javali ou salsichas de alce), acompanhada por gengibre, cebola caramelizada, lentilhas e cevada cozida, tudo regado com uma cerveja artesanal aromatizada com ervas, mel ou canela. Os empregados, vestidos à época, encorajam os comensais a escolher um representante, o «mestre da mesa», que se encarrega de transmitir pedidos, queixas e elogios. Um banquete de degustação ronda os 25 euros por pessoa.

15h00

Heróis do mar…
A curta distância do centro, numa reentrância do Báltico, fica o antigo porto de hidroaviões, hoje Museu Marítimo da Estónia Lennusadam. Abrigada pelos gigantescos hangares está uma impressionante coleção que conta a história das façanhas navais dos estonianos, com destaque para o submarino Lembit e para um hidroavião Short 184. O mais divertido é que os visitantes podem descer pela escotilha do submarino e percorrê-lo em toda a sua extensão (até mexer nos botões de lançamento dos torpedos ou sentar-se nos confortáveis bancos forrados de veludo vermelho nos aposentos dos oficiais, em contraste com os apertados beliches da restante tripulação).

Também é possível exercitar a perícia como piloto de hidroavião num simulador de voo, testar a pontaria como artilheiro no simulador de um canhão antiaéreo e experimentar fardas da marinha estoniana desde a época dos czares até aos tempos mais recentes (bilhete de adulto a 10 euros, criança a 5 euros. Mais informações em www.seaplaneharbour.com).

17h00

O Parque do Czar
No início do século XVIII, o czar Pedro, o Grande, mandou construir em Talin um palácio rodeado por um imenso parque. O resultado foi o maior espaço verde da capital, o parque Kadriorg, espalhado por 70 hectares. Além do palácio original, hoje museu, situa-se ali outro, mais pequeno, que serve de residência oficial ao Presidente da República, e também os museus Mikkeli e KUMU, o Museu de Arte da Estónia. O parque inclui ainda um lago, tendo no meio uma ilha artificial, toda ela um coreto.

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18h00

O festival é do povo
Um dos monumentos mais grandiosos de Talin é o anfiteatro que serve de palco a um acontecimento que faz parar a Estónia de cinco em cinco anos: o Festival da Canção (nada que ver com festivais da Eurovisão e quejandos…). Num país durante muitos séculos ocupado por estrangeiros – depois dos dinamarqueses e dos cavaleiros teutónicos vieram os suecos e os russos –, a música tornou-se um dos pilares da identidade nacional. Os festivais de música tradicional iniciaram-se em meados do século XIX e desempenharam um papel importante na tomada de consciência que conduziu à independência da Estónia em 1918.

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19h00

Memória da Guerra Fria
A não perder. O Museu do KGB é a prova de que os estonianos têm uma relação descomplexada com o passado, mas não esquecem os 50 anos de ditadura comunista. Para recordar esse passado existe no 23º andar do Sokos Hotel Viru o Museu do KGB, uma das mais recentes atrações de Talin. É uma história que merece ser contada. No início dos anos 1970, no âmbito da política de «coexistência pacífica» (e perante a necessidade desesperada de moeda estrangeira), a URSS decidiu encorajar o turismo vindo do Ocidente. Em 1972, a empresa estatal Intourist inaugurou em Talin o luxuoso Hotel Viru para servir de cartão-de-visita das maravilhas da «pátria do socialismo».

20h00

O busto de Sean Connery
As alternativas para jantar são múltiplas, mas se a aposta é na gastronomia local, «com alma», feita com produtos da região – sopa de peixe, bochecha de porco com puré de batata, cerveja de fabrico local, licor caseiro –, uma boa escolha é o Leib Resto ja Aed (www.leibresto.ee).

A entrada para a esplanada reserva uma surpresa: um busto de Sean Connery, o escocês que deu a cara a James Bond no cinema entre 1962 e 1971. Explicação: o edifício foi em tempos um clube de admiradores da Escócia (refeição por cerca de 15 euros).

Dia 2

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11h00

Memória Olímpica
Com vista para a zona ribeirinha de Talin, a baía de Pirita foi o cenário das provas de vela dos Jogos Olímpicos de 1980, efeméride devidamente assinalada pelo clube de regatas local. Em instalações mais modestas, o clube de surf marca presença junto à marina. A praia fica a dois passos e, no verão, as águas calmas desta zona do Báltico conquistam moradores e visitantes. Na primavera convém levar um agasalho e uma proteção para a chuva miudinha que, por vezes, vem dar um ar da sua graça.

12h00

Bom gosto, bela vista
Um espaço amplo, arejado e luminoso, com um design moderno e paredes de vidro com visão panorâmica do mar Báltico com o skyline de Talin ao fundo, no lado oposto da baía: é o restaurante Noa. A cozinha é assumidamente gourmet. Refeição-tipo: beringela grelhada com queijo de cabra e molho de tomate (12 euros), peixe cozido ao vapor com ovas de salmão e puré de batata (18 euros), Surf & turf, que é como quem diz salada de carne de porco com pepino (12 euros) e cheesecake de limão ou gelado de manjericão (6 euros). O menu de degustação oscila entre os 50 euros (quatro pratos) e os 60 euros (seis pratos). Vale a pena.

Os moinhos de Angla mostram como vivia a população rural até ao século XX. Uma casa típica da ilha de Saaremaa. Ao lado, em cima, um passeio no pântano de Marimesta, paraíso da biodiversidade, e o Noa, uma experiência gastronómica com panorâmica sobre o Báltico.

15h00

Caminho sobre as águas
A Estónia não tem autoestradas, mas as estradas são boas e o trânsito calmo e respeitador dos limites de velocidade, à boa maneira nórdica. O território tem 55% de florestas e 22% de pântanos – e a cerca de hora e meia de carro da capital em direção a sudoeste fica o paul de Marimetsa. Nesta vasta área alagada, o último grito para os amantes da natureza são as caminhadas pelo pântano em raquetas de neve, o que dá a sensação de caminhar sobre uma imensa esponja encharcada (www.ee/en/bogshoeing). As raquetas e as indispensáveis botas altas de borracha são fornecidas pela empresa que organiza os passeios.

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A guia, Triin Ivandi, conduz os viajantes por uma cobertura vegetal saturada de água cristalina (95% a 98%), enquanto revela os segredos dos musgos – que, pela capacidade de reterem ar e água podem ser usados como ligaduras ou até fraldas –, da turfa, das infusões de rosmaninho selvagem e das saborosas e energéticas bagas de espinheiro marítimo. O resultado é uma experiência de imersão num património natural cuidadosamente preservado (33 euros por pessoa).

18h00

Ilhas, moinhos e crateras
A estrada acaba em Virtsu, na costa ocidental, onde um ferry faz a travessia para a ilha de Muhu em 25 minutos. A ligação à vizinha Saaremaa, a maior ilha da Estónia, é feita através de uma ponte que leva o viajante à vila de Orissaare, onde há um curioso mercado semanal de produtos locais – desde brinquedos de verga a hortaliças, passando por peixe e enguias.Durante o período soviético, Saaremaa estava interdita ao cidadão comum que não fosse natural da ilha. Era considerada um posto avançado da URSS no Báltico, a curta distância da Finlândia e da Suécia. A proibição destinava-se a impedir os estonianos de caírem na tentação de desertar para o Ocidente.

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Na capital da ilha, Kuressaare, merece visita o castelo do bispo, do século XIV, e a fachada de uma mansão construída para a muito esperada visita do czar Alexandre I, em 1812 – que acabou por não se realizar porque o imperador foi obrigado a fazer meia volta ao ser avisado de que Napoleão acabara de invadir a Rússia.

As principais atrações de Saaremaa (além do vodca que pôs o nome da ilha no mapa dos apreciadores da bebida) são os moinhos de Angla, onde ficamos a saber como viviam os habitantes da ilha até ao início do século XX, e as crateras de Kaali, causadas pela queda de meteoritos há cerca de 7500 anos. Além da cratera maior, com 110 metros de diâmetro e 22 metros de profundidade, há ainda oito mais pequenas.

21h00

O restaurante mais premiado
É no grande salão da casa senhorial de Pädaste, decorado com temas alusivos à gastronomia e iluminado por um candelabro monumental feito com utensílios de cozinha (talheres, pratos, garrafas…), que funciona o restaurante Alexander, classificado pelo quarto ano consecutivo como o melhor da Estónia. A cozinha assume-se tipicamente nórdica, inspirada nas tradições culinárias do Báltico e confecionada a partir de produtos do terroir da ilha.

Sugestão para o jantar: entrada de ovos de codorniz com vinagre balsâmico, seguida de pato curado e kohlrabi (uma espécie de nabo) acompanhado por um vinho branco chileno, coelho com espargos, regado com um tinto argentino e, para terminar, a sobremesa muhu apurokk, um pudim à base de ruibarbo e seiva de bétula caramelizada (de 25 a 100 euros). Uma experiência que deixa saudades.

Dia 3

10h00

Spa e lama milagrosa
De novo no continente, a próxima paragem é Pärnu, 118 quilómetros a sul de Talin, a mais procurada estância balnear do país desde finais do século XIX, ainda no tempo dos czares, também chamada a «capital de verão» da Estónia. Um passeio pela margem da baía explica porquê: extensos areais (areia branca e fina, como nas praias portuguesas), banhistas afoitos e praticantes de esqui aquático e kitesurf.

No verão, a cidade enche-se de famílias e grupos de jovens atraídos não só pela praia mas também pela animação: há festivais de arte e música para todos os gostos e idades, desde o rock ao jazz e à clássica. A moderníssima sala de concertos (Pärnu Concert Hall) é palco todos os nanos de uma série de espetáculos com a participação de grandes estrelas da música erudita de renome mundial, convidadas pessoalmente pelo maestro Neeme Järvi, filho querido da terra.

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Outra razão para visitar Pärnu são os spas que se multiplicaram nos últimos anos nesta cidade de grandes tradições termais. Os tratamentos à base de lama são muito procurados por razões de saúde e estéticas, designadamente por clientes finlandeses e suecos.

14h00

Tartu, Cidade Universitária
A segunda cidade da Estónia é a mais velha dos países bálticos, mencionada desde o século XI. A Universidade de Tartu é a mais antiga e prestigiada do país, atraindo estudantes de todo o mundo. Dos 100 mil habitantes da cidade, 22 mil são estudantes. Se dúvidas houvesse sobre a importância que lhes é concedida, bastava chegar à praça principal para se dissiparem: a estátua de bronze que domina o espaço representa um par de jovens num beijo. A imagem de marca local são os grupos de jovens universitários a namorar, a passear ou sentados a ler em qualquer recanto dos jardins espalhados pelas duas margens do rio Emajögi.

Centro Comercial Port Artur, onde as grandes marcas mundiais marcam presença em Pärnu, a principal estância de férias.

16h00

Ciência descomplicada
Uma das atrações mais populares de Tartu é o Centro de Ciência AHHAA (www.ahhaa.ee/en). De maneira simples e divertida, os visitantes são convidados a experimentar vários fenómenos, descobrindo segredos da física, da química, da eletricidade, da astronomia ou das ciências naturais. Não faltam as ilusões de ótica, a possibilidade de provocar alterações climáticas em laboratório – e verificar as respetivas consequências – e de «criar» montanhas e vales, rios e mares. Uma lição sobre como tornar aliciante a descoberta científica (bilhetes a 12 euros; 26 para famílias).

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18h00

Quinta gastronómica
Última etapa na viagem de regresso a Talin: a Quinta Gastronómica Ööbiku, em Kuimetsa, onde o chef Ants Uustalu, de 35 anos mas já veterano do Bocuse d’Or, prepara as refeições com aquilo que ele próprio cultiva, apanha, cria ou caça na floresta. A sobremesa é marcada pelo sabor inesperado do gelado fumado (!) de ruibarbo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se… com o estímulo do vodca caseiro de maçã com rebentos de pinheiro (menu de degustação: 33 euros). Terviseks!, que é como quem diz: Saúde!

Texto de Rosa Ferreira - Fotografias de Orlando Almeida/Global Imagens
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