Com o aproximar do final do ano, repete‑se o ritual. Todos os dias, pelo final da tarde, a população reúne‑se num grande armazém para preparar os enfeites que, durante cerca de um mês, irão transformar a pitoresca aldeia de Cabeça na capital do Natal serrano. Homens e mulheres, adultos e crianças, todos participam neste projeto comunitário que colocou a terra no mapa e, ano após ano, tem atraído um número crescente de visitantes.

Cabeça tornou‑se relativamente conhecida em todo o país há dois anos, quando se tornou a primeira «aldeia LED» do país, projeto pioneiro na aplicação de medidas de eficiência energética ao nível da iluminação pública. Este primeiro passo acabou por «despertar a consciência dos habitantes para uma maior responsabilidade ambiental » e, consequentemente, para «a promoção dos valores ligados à economia do baixo carbono», explica Célia Gonçalves, da Câmara Municipal de Seia. Foi assim que nesse ano, por iniciativa dos próprios habitantes, teve lugar a primeira edição da Aldeia‑Natal, em que os elementos de decoração natalícios são feitos apenas com recurso a materiais naturais – folhas, cascas de árvore, maçarocas e barbas de milho, vide, pinhas, musgo ou a tradicional lã da serra da Estrela –, entretanto transformados num emaranhado colorido de fitas, grinaldas, coroas e estrelas.

Foi um sucesso e passou a repetir‑se nos anos seguintes, numa festa que junta milhares de pessoas na aldeia, calorosamente recebidas pelos cerca de 200 habitantes nas suas casas, de portas sempre abertas por estes dias. É este Natal «verdadeiro e genuíno », como é apresentado pela comunidade, que os visitantes são convidados a vivenciar de 12 de dezembro a 6 de janeiro – e animação não falta, com ateliers criativos de decoração e ecodesign, exposição de presépios, oficinas de cozinha no forno comunitário, maratonas fotográficas, sessões de contos à volta da fogueira, concertos de Natal.

E, como é de esperar nesta época do ano, os mais novos também não foram esquecidos: aqui podem descobrir brinquedos tradicionais dos tempos dos seus avós, partir numa caça ao tesouro pelas ruas da aldeia, passear na «carroça encantada». Outro local igualmente concorrido é o Mercado de Natal, onde os visitantes podem comprar pinheiros verdadeiros, provenientes dos desbastes e desramações levados a cabo pelos serviços do Parque Natural da Serra da Estrela. E como no Natal a mesa se quer farta, há ainda os comes e bebes das Tasquinhas dos Sabores d’Aldeia, onde não faltam iguarias tão típicas destas montanhas como os enchidos, o queijo da Serra e o requeijão de Seia, as compotas, os licores e as aguardentes.

As decorações natalícias são feitas apenas com materiais naturais – folhas, cascas de árvore, maçarocas, vide, pinhas, musgo e a tradicional lã da serra da Estrela.

Pedro Granadeiro

Cabeça faz parte do concelho de Seia. E a cidade, pequena e acolhedora, mesmo no sopé da serra, apresenta‑se como o ponto de partida perfeito para qualquer incursão pela Estrela. Bem no centro, numa antiga quinta rodeada de um parque de dois hectares, está o Centro de Interpretação da Serra da Estrela, onde, para além de se obter a informação necessária para partir à descoberta do território, se pode também visitar uma exposição sobre fauna, flora e geologia, com retratos dos diferentes habitats da serra e outra, interativa, dedicada ao planeta, a Portugal e à serra da Estrela, com recurso a imagens de 360 graus.

As ruas de pedra da aldeia de Cabeça enchem‑se de espírito natalício por estes dias.

Uma das melhores formas de conhecer toda a zona é a Rota dos Caminhos de Montanha, composta por 14 percursos pedestres que se estendem por dezenas de quilómetros, ligando entre si um interessante conjunto de aldeias serranas no flanco sudoeste do Parque Natural e na encosta norte da serra do Açor. É o caso de Lapa dos Dinheiros, a pouco mais de dez quilómetros de Cabeça e a quase 900 metros de altitude, de onde, nos dias limpos, se avistam ao longe as silhuetas das vizinhas serras de Caramulo, Açor e Buçaco.

Ricardo Mendes

A aldeia merece visita só por si, com o seu labiríntico casario de xisto encavalitado na encosta, mas a joia da coroa é o Souto, que alberga um dos mais ricos ecossistemas do Parque Natural. Este bosque de castanheiros centenários prolonga‑se por alguns quilómetros, desde a aldeia até à praia fluvial da Ribeira da Caniça, de onde parte um pequeno percurso pedestre que conduz a uma queda de água com três cascatas consecutivas e ao Buraco da Moura, a maior gruta granítica da Península Ibérica.

Uma das melhores formas de conhecer a zona é a Rota dos Caminhos de Montanha, rede de percursos pedestres que liga um interessante conjunto de aldeias serranas.

Pedro Granadeiro

A igual distância de Cabeça, mas no sentido oposto, fica Barriosa, na freguesia de Vide. E a paisagem em redor deste lugar é também digna de se apreciar. Tal como o são os poços de broca, verdadeiros monumentos ao engenho do homem: construídas há centenas de anos, estas obras de hidráulica surgem como solução para a escassez de solo agrícola, assente no desvio do curso dos ribeiros, deixando os antigos leitos para cultivo. Aqui, devido ao desnível do terreno, a água desviada acabou por originar uma enorme cascata, que impressiona pela sua força. O Natal continua a ser quando e onde um homem quiser, mas aqui o chavão ganha outra força: por estes dias, e pelas ruas e caminhos destas aldeias, ele ganha encanto acrescido.

Onde comer

Taberna da Fonte

Pedro Ribeiro

Fica mesmo no centro de Seia e abriu há pouco mais de um mês, pela mão de Ricardo Ramos, filho da terra, oriundo de uma família com tradição nas áreas da hotelaria e restauração. O espaço recria o ambiente das antigas tabernas e, como seria de esperar, tem nos petiscos o principal trunfo, entre eles os queijos da Serra, os presuntos e os enchidos tradicionais, de preferência acompanhados de bom vinho do Dão. Para refeições mais substanciais há uma ementa de pratos do dia (que inclui chanfana, vitela, bacalhau) e, numa outra sala, integrada na taberna, está uma loja onde se pode comprar todos estes produtos.

Largo da Misericórdia, 1
Tel.: 238082304
Web: facebook.com/tabernadafonte
Horário: das 09h00 às 22h00; fim de semana, até às 00h00. Não encerra.
Preço médio: 15 euros

Senalonga

Abriu no início do ano e aposta numa cozinha de veia contemporânea, assumindo‑se como um bar de tapas onde os sabores tradicionais são reinventados de forma imaginativa – o queijo da Serra com nozes, mel e cogumelos, as bolinhas de alheira com espinafres e sementes de sésamo e a morcela de Seia com maçã caramelizada ficam de exemplo.

Esplanada Combatentes da Grande Guerra
Tel.: 918878883
Web: facebook.com/senalongacoffeebar
Horário: das 16h00 às 02h00. Não encerra.
Preço médio: 10 euros

Texto de Miguel Judas
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