Em cantos opostos, nos intervalos entre rounds, colocavam-se bancos velhos de pau para os lutadores. Esses bancos eram pousados dentro de uma grande tina de alumínio. Os lutadores respiravam sôfregos. Enquanto o mestre lhes gritava para o centro do rosto, havia um homem que mergulhava um pano num balde de água e lho passava pelos músculos do peito, pelo pescoço ou pelo rosto ensanguentado. Quando soava o sino para recomeçar o combate, os bancos eram retirados à pressa. A tina era puxada com cuidado para não entornar a mistura de água, sangue e suor.

Recomeçava a Sarama — música tradicional que é tocada sem parar durante os combates de muay thai. O pi java é uma espécie de corneta, fonte de uma nota contínua que ia evoluindo, subindo e descendo – serpentina a desenrolar-se, a contorcer-se no ar, sem se interromper nunca, como se o músico não precisasse de respirar. O mong kong e os klog kaak são tambores. Os ching são pequenos pratos metálicos.

Os primeiros golpes depois dos intervalos – murros, joelhadas, pontapés – sacudiam a água nos corpos dos lutadores – faziam com que deslizasse na pele oleada, atiravam-na em jorros. Algumas dessas gotas chegavam à segunda fila e acertavam-me.

O Estádio Ratchadamnoen estava cheio de homens – bancadas com milhares de homens. Durante as lutas, gritavam um emaranhado de vozes, como um rugido de tempestade. Durante os intervalos, gritavam ainda mais, agitavam os braços e acenavam números com os dedos – apostavam com urgência.

Os lutadores eram jovens. Depois dos rituais, depois de honrarem os mestres passados e presentes, depois do entusiasmo dos primeiros rounds, o combate aproximava-se do fim quando as pernas lhes começavam a tremer, quando começavam a cair com mais facilidade. Esses últimos golpes eram acompanhados pelo coro dos homens que assistiam, como se acertassem em cada um deles.

Os pontapés eram sempre de canela contra canela – osso contra osso. O árbitro escolhia os momentos em que os separava, protegia com zelo aquele que caísse.

Apesar dos gritos exteriores, parecia que tudo acontecia dentro de mim – era uma inquietação minha, um nervosismo que me mantinha alerta. Talvez o Estádio Ratchadamnoen estivesse em silêncio, talvez aquela multidão fosse um enxame que revoava no meu interior – os tambores a serem o meu coração demasiado rápido, a estridência da corneta a entontecer-me e, sem descanso, aqueles corpos magros, de músculos tensos, a agredirem-se dentro de mim em choques secos.

O Estádio Ratchadamnoen fica no centro de Banguecoque, não muito longe do Grande Palácio e do templo Wat Pho. Depois de vários combates seguidos, quando cheguei à rua, a cidade continuava emaranhada na sua velocidade. O lume das botijas de gás aquecia frigideiras enormes, como se aquecesse a própria noite, como se aquele ar espesso fosse misturado com os rebentos de soja e os cubos de tofu que eram remexidos nessas chapas de metal. Não escolhi um caminho, apenas avancei pelo passeio. Em Banguecoque, todas as direções estão certas.


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