Na Catedral Sioni, a todas as horas, há um silêncio grave e há mulheres vestidas de negro a acenderem velas muito finas. A seriedade dessas orações e dessas pequenas chamas ajuda a iluminar as riquezas da igreja. As sombras dissipam-se um pouco sobre os frescos das paredes. Os ícones, de influência bizantina, sabem ouvir quem se aproxima a sussurrar preces.

A devoção na Igreja Ortodoxa Georgiana é solene e intensa. De regresso às ruas, tudo é novo. Há um instante de surpresa. A claridade ou os movimentos livres das pessoas fazem renascer o mundo.

A capital da Geórgia tem hoje mais de um milhão e cem mil habitantes. Sinto que, no Ocidente, sabemos pouco acerca das pessoas que caminham nos passeios destas avenidas. São gente de todas as idades, com vidas próprias e reais. Quinze séculos. É preciso contemplar estas palavras por um instante, só assim se começa a ter alguma consciência, ainda que mínima, do seu tamanho.

Quinze séculos, mil e quinhentos anos: essa é a extensão da história de Tbilisi. Ao longo deste tempo, a situação geográfica favoreceu o cruzamento de culturas e religiões nesta terra.

Como seria de prever, um bom lugar para saber mais sobre a cidade e o país é o Museu Nacional Georgiano. Ao longo de vários andares, esperam-nos objetos e marcas dessa história de séculos. No último andar, esclarece-se um dos equívocos mais comuns no Ocidente acerca da Geórgia.

Ao longo de vários andares, esperam-nos objetos e marcas dessa história de séculos. No último andar, esclarece-se um dos equívocos mais comuns no Ocidente acerca da Geórgia.

O Exército Vermelho ocupou Tbilisi pela força em 1921. Hoje, confundir a Geórgia e a Rússia é uma ofensa à memória dos muitos que morreram durante essa invasão e daqueles que resistiram durante todo o período soviético, presos, exilados ou mortos. Talvez o facto de Estaline ter nascido na Geórgia possa contribuir para esse erro, ainda que, de certa forma, ajude a agravá-lo.

A fronteira com a Rússia, a norte, é de difícil acesso devido à cordilheira do Cáucaso, com elevações que chegam a atingir os cinco mil metros de altitude. Mais desimpedida é a circulação a partir do Sul, nomeadamente do Azerbaijão, da Arménia ou da Turquia.

As culturas georgiana e russa têm diferenças consideráveis. A língua georgiana não é eslava, o seu alfabeto não é o cirílico. Em março de 1991, após o fim da União Soviética, foi feito um referendo acerca do futuro do país. A independência venceu com 99,5% dos votos.

A poucas centenas de metros do museu, descendo a avenida Shota Rustaveli, chega-se à Praça da Liberdade, palco de inúmeros acontecimentos de grande significado na história da Geórgia. Hoje, no meio dessa praça, chama a atenção o monumento com um São Jorge e um dragão dourados. Este é um excelente lugar para começar um passeio pela cidade antiga.

O centro histórico, com detalhes de várias épocas nas fachadas, transporta-nos no tempo. Especialmente interessantes são os caravançarais. Este era o nome dado aos albergues onde pernoitavam as caravanas que aqui passavam, mercadores que seguiam a rota da seda. Atualmente com outras funções, esses edifícios têm pátios interiores e varandas de madeira.

Estou tão longe de casa. Ainda assim, sei que existe, apesar de tão remota. Quando regressar a casa, Tbilisi será também assim, voltará a ser remota, mas a partir de agora saberei para sempre que existe.

Leia todas as crónicas de José Luís Peixoto aqui.