Reconhecida pela gastronomia, a terceira maior cidade francesa não conquista apenas pelo estômago: oferece experiências muito diversificadas e um invejável dinamismo cultural. Lyon é corpo e mente.

Texto de Teresa Frederico
Fotografias Direitos Reservados

Seja o que for que se deseje encontrar numa cidade, a capital de Rhône‑Alpes tem – património UNESCO, arquitetura moderna, interessantes museus, excelentes restaurantes (incluindo 18 com estrelas Michelin), lojas únicas, noites animadas e festivais a não perder.

Com bairros de identidades muito próprias, bastante diferentes entre si, difícil é escolher o que explorar numa escapadinha de um par de dias e, por isso, convém optar por uma estada mais longa, única forma de regressar sem aquela terrível sensação de que «ficou tanto por ver e fazer». Também não é fácil decidir onde iniciar a visita, portanto o melhor é começar pelo princípio – a colina de Fourvière.

Reza a história que Munatius Plancus, antigo tenente do imperador romano Júlio César, aqui fundou uma colónia em 43 a.C. Chamou‑lhe Lugdunum, designação que associa o nome de um deus gaulês e a palavra «fortaleza». Ainda no século I a.C. seria edificado um teatro romano com dez mil lugares, construção que integra um parque arqueológico mais amplo e está longe de parado no tempo: todos os verões serve de cenário ao Nuits de Fourvière, reputado festival cuja programação abrange ópera, teatro, dança e música e conta com atuações de vedetas internacionais.

Outra estrela desta colina é a Capela Sainte Marie, ou da Virgem, que remonta ao século XII. À santa é atribuída a salvação da cidade aquando da epidemia de peste do século XVII, feito ainda hoje agradecido numa romaria, em setembro, com a participação dos responsáveis municipais. A proteção aquando da invasão da Prússia, no século XIX, também faz parte das alegadas atribuições da Virgem.

Lyon era a principal cidade da Gália. Foi fundada no ano 43 a.C., tem cerca de meio milhão de habitantes e fica a 470 quilómetros de Paris.

Lyon, França
Tem 18 restaurantes com estrela Michelin, mais de dois mil anos de história, uma festa conhecida à escala mundial e 500 hectares de Património da Humanidade. Lyon faz parte da alma francesa e mostra‑a no dia-a-dia.

Desta última graça concedida resultaria a construção da impressionante Basílica de Notre-Dame de Fourvière, obra do arquiteto Pierre Bossan, que, para este projeto, se inspirou nas igrejas sicilianas. Daí a sua originalidade. É aqui que tem origem o maior evento de Lyon, a Fête des Lumières (ou Festa das Luzes), a 8 de dezembro, assinalando a inauguração da estátua dourada da Virgem em 1852: a cidade ilumina‑se durante quatro dias graças a dezenas de instalações e às inúmeras velas com que a população ornamenta as janelas, num acontecimento que atrai milhões de pessoas.

Do miradouro vizinho vislumbram‑se, muito ao longe e quando o tempo ajuda, os Alpes; o novo estádio de futebol (onde Portugal venceu Gales no Campeonato da Europa do verão passado); edifícios renascentistas mas também a Ópera, reconstruida em 1993 pelo célebre arquiteto Jean Nouvel; e modernas torres de escritórios que inesperadamente despontam da elegante silhueta urbana.

O novo Hotel Fourvière constitui mais uma razão para subir a colina. Instalado num convento do século XIX (outro projeto de Bossan, o arquiteto responsável pela basílica), distingue‑se pela tranquilidade. A velha capela deu lugar à receção e as antigas celas foram transformadas em 78 quartos, cada um dedicado a uma figura ilustre de Lyon, como Antoine de Saint‑Exupéry – esse, o de Principezinho –, aqui nascido em 1900.

Neste pequeno passeio inicial evidenciam‑se duas das principais caraterísticas da cidade: os muitos eventos que a animam ao longo do ano, tornando cada visita numa experiência especial, e a sua monumentalidade, justamente reconhecida pela UNESCO: uma área de 500 hectares consta da lista do Património Mundial desde 1998.

Lyon

 

 

O funicular desce em poucos minutos de Fourvière até Vieux Lyon, uma das maiores áreas renascentistas da Europa. Pelos quarteirões de Saint Paul, Saint Jean e Saint Georges encontram‑se belos palacetes mandados construir por banqueiros italianos que aqui se estabeleceram nos séculos XV e XVI; importante património religioso, como a gótica Catedral de Saint Jean ou a Igreja de Saint Georges, mais uma obra do arquiteto Bossan; e traboules, passagens que permitem ir de uma rua a outra pelo interior dos prédios. Muitas escondem‑se por detrás de portas comuns, sendo dificilmente identificáveis, pelo que é conveniente ter o mapa turístico à mão (ou usar um guia em forma de aplicação para iPhone). Basta atravessar uma ponte para chegar a outro dos nove arrondissements, ou bairros, de Lyon: a Presqu’Île, que é como quem diz «quase ilha», banhada pelos rios Saône e Ródano.

É o centro oficial da cidade, onde se situam instituições financeiras mas também a pitoresca Rue Mercière, que em tempos concentrava tipografias e livreiros. Também lá estão múltiplas fontes, como a Des Jacobins, na praça homónima, e a que faz lembrar a romana Fontana di Trevi. A Rue de la République, a das lojas de luxo, à noite costuma ser escolhida para exibições de malabaristas e bailes de lindy hop. Por aqui também está a Place Bellecour, a terceira maior praça de França.

No coração da cidade vemos também os principais museus, nomeadamente o de Belas-Artes, conhecido como «pequeno Louvre». Instalado numa antiga abadia beneditina, possui uma das mais importantes coleções europeias, apresentando nas suas setenta salas obras do Antigo Egito até arte moderna. Já o claustro revela‑se um ótimo poiso para descansar das caminhadas enquanto se apreciam esculturas de bronze originais, entre elas de Rodin, ou moldes de estátuas célebres, como a de Apolo.

Os Museus Gadagne ocupam um edifício renascentista muito bem recuperado. São dois, o Museu de História de Lyon, que como o nome sugere permite aprender mais sobre a cidade; e o Museu de Marionetas do Mundo, único do género do país. No terraço, o café homónimo é um espaço muito agradável para tomar uma bebida ou fazer uma refeição ligeira. Curioso é o Museu das Miniaturas e do Cinema, que reúne trabalhos de vários miniaturistas, bem como maquetas, cenários e guarda‑roupa usados em filmes famosos como O Último Imperador.

A vida de rua faz parte da cultura lionesa. As esplanadas são a face visível do apego às atividades ao ar livre.

Vedetas do cinema e de outras artes fazem parte da lista de hóspedes do Carlton Lyon, elegante hotel num edifício de 1894 da Presqu’Île. Após uma longa remodelação que preservou o espírito art déco, reabriu há três anos e conta com oitenta quartos acessíveis através de um vistoso – e algo caprichoso – elevador dos anos 1930, centro de bem‑estar e um bar com lustres e sofás de veludo.

Lyon, França
A gastronomia é a principal bandeira da cidade. A fama veio da seda, mas é hoje no prato que se sente o poderio da capital gastronómica francesa.

Nas imediações, o recente Café Terroir é uma boa alternativa para uma apetitosa refeição bistronomique, ou seja, baseada nos melhores produtos da região e da época, confecionada com criatividade e servida a bom preço. Junto à Place Bellecour fica um dos restaurantes de Paul Bocuse, nome incontornável da gastronomia mundial e recordista por manter três estrelas Michelin há meio século, atribuídas ao seu L’Auberge du Pont de Collonges, na vizinhança de Lyon. Na brasserie Sud (há mais três, também com nomes de pontos cardeais) a comida é outra, mais simples mas muito saborosa, ou não fosse a qualidade garantida pelo chef que, apesar dos seus 90 anos, visita o espaço regularmente.

Lyon

 

 

Tem uma identidade muito própria, de tal forma que os residentes se apresentam como sendo da Croix-Rousse e só depois como habitantes de Lyon. É uma espécie de vila dentro da cidade, com tudo o que é necessário à vida do dia-a-dia, cheia de charme e associada às artes. No planalto, a Maison des Canuts constitui paragem obrigatória para descobrir outra importante faceta local: o passado ligado à seda. Canuts designa os mestres que, em fábricas‑casas (trabalhavam e moravam no mesmo espaço), se dedicavam à produção dos tecidos. E na Maison, a funcionar na sede do sindicato destes trabalhadores no século XIX, aprende‑se muito sobre o tema, das condições de vida ao processo de fabrico. Quem diria que são necessárias oito horas de trabalho para fazer apenas 35 centímetros?

Lyon, França

Além de centro de demonstração e loja, a Maison dedica‑se ao restauro. Na zona persistem casas reputadas, como a Prelle e a Tassinari & Chatel, que produzem sobretudo para clientes particulares – e abastados, dados os preços elevadíssimos que um mero metro de tecido pode atingir.

Espaços verdes, música pelas ruas, comércio tradicional, restaurantes de sonho. Como um bairro pode ser a alma de uma cidade.

A Croix‑Rousse é igualmente um bom local para conhecer os bouchons, restaurantes tradicionais com origem nas tabernas de albergues onde paravam as carruagens da mala-posta. Constituem mais uma instituição lionesa, existindo até uma associação que atesta a sua autenticidade (lesbouchonslyonnais.org).

O Daniel & Denise, dirigido pelo chefe Joseph Viola, é considerado um dos melhores. De ambiente descontraído e algo barulhento, como manda a tradição, pelas suas mesas, tipicamente enfeitadas com toalhas aos quadradinhos, passam quenelles, cervelle de canuts e tarte à la praline.

Joseph Viola, chef executivo do restaurante Daniel et Denise.

No topo da colina, de vista ampla, músicos de rua tocam temas conhecidos. Segue‑se uma escadaria envolta em espaços verdes, usados para piqueniques sempre que o tempo o permite, que conduz ao centro da cidade, num caminho repleto de lojas tentadoras. São os casos de La Fabric (projeto de cinco artesãs que criam objetos decorativos, colares, brincos e outros acessórios à vista do cliente), da Rootsabaga, atelier‑boutique onde Mathilde Arnaud também cria acessórios mas usando apenas materiais naturais, ou do espaço de restauro e produção de vitrais de Maryline Monel. Mas há mais, muito mais a descobrir na Montée de la Grand Côte e vizinhança, desde lojas de instrumentos musicais ou de vinhos a livrarias e cafés simpáticos.

Perto do final da descida, a Passage Thiaffait – traboule que liga a Rue René Leynaud à Rue Burdeau – acolhe a Village des Créateurs, projeto criado em 2001 para divulgar novos talentos nas áreas da moda e design da região. Ao todo compreende uma dúzia de espaços incontornáveis para quem queira comprar peças únicas de criadores emergentes.

Lyon

 

 

 

Quase na extremidade da península formada pelos rios Saône e Ródano, está o Musée des Confluences. Foi inaugurado há cerca de ano e meio e rapidamente se revelou um sucesso pelo arrojado edifício, assinado pela Coop Himmelblau Wolf D. Prix & Partner, e pela exposição permanente. Quem somos, como nos relacionamos com as outras espécies, como nos organizamos em sociedade e para onde vamos são algumas das questões colocadas, excelentes motes para aprender e refletir. Numa das salas surgem exemplares de seres extintos, como o dinossauro ou o mamute, noutra há arte fúnebre de origens diversas, do Egito ao Peru, revelando a eterna esperança numa existência após a morte.

Seguindo pela margem do Saône descobre‑se uma nova Lyon feita de modernos e vistosos edifícios, entre eles a sede da estação de televisão Euronews, e antigas construções recuperadas como a La Sucrière, fábrica de açúcar convertida em espaço de eventos e exposições. É lá que tem lugar, por exemplo, a Bienal de Arte Contemporânea (a próxima acontece de 20 de setembro a 31 de dezembro 2017).

A renovação da cidade estende‑se a áreas como Part‑Dieu, zona de escritórios na margem direita do Ródano, cujo projeto de desenvolvimento decorre até 2030. No entretanto, vale a pena ir até lá para conhecer o mercado coberto Halles de Lyon Paul Bocuse, verdadeiro templo gastronómico onde se podem comprar – e provar, pois também possui espaços de restauração – os melhores produtos locais, dos queijos da famosa Mère Richard aos igualmente afamados enchidos de Mère Sibilia. É aqui que os chefs se abastecem.

Opéra de Lyon
Opéra de Lyon

E este não é o único templo neste lado do rio, há outro, dedicado a outra arte, a sétima. É o Musée Lumière e revela como os irmãos, Auguste e Louis, misto de engenheiros e artistas, inventaram o cinematógrafo. Exibe os seus primeiros filmes e dispõe de uma moderna sala de cinema com programação ao longo de todo o ano. É, portanto, obrigatório para cinéfilos, tal como o Festival Lumière, que decorre normalmente em outubro. Na edição passada a homenageada foi a atriz Catherine Deneuve, depois de Tarantino, Almodóvar e Scorsese, galardoados com o Prix nas últimas três edições.

Chamam‑lhe berço do cinema e capital gastronómica. Também é divertida, como comprovam as noites animadas ou hotéis como o Mamma Shelter, onde design, sentido de humor, diversão e muito profissionalismo encaixam na perfeição. Conclusão? Lyon é um amor à primeira vista visita, uma cidade deliciosa por todos os motivos e mais alguns.

Nota: a Embaixada de França em Lisboa abre as portas para dar a conhecer a gastronomia de Lyon através de uma conferência intitulada de “Trésors Gastronomiques de la Région Lyonnaise: Quelques exemples à (re)découvir et à deguster”.

Agradecimentos


Guia de viagem

Documentos: Cartão de cidadão ou passaporte
Moeda: Euro
Fuso horário: GMT +1 hora
Idioma: Francês

Ir

A Transavia (transavia.com) voa para Lyon à partida do Porto (ida desde € 31), de Lisboa (€ 35), de Faro (€ 39) e do Funchal (via Porto, desde € 82).

Sair

O Lyon City Card dá acesso gratuito aos transportes públicos, museus e exposições temporárias, inclui uma visita guiada a pé (mediante reserva e disponibilidade) e descontos em lojas. Custa € 21,90 (um dia), € 29,90 (dois dias) ou € 37,90 (três dias), preços reduzidos apenas disponíveis no site. lyoncitycard.com

Dormir

Hotel Carlton Lyon
Fica bem no centro da cidade, a cinco minutos da estação de metro Bellecour, e foi totalmente remodelado em 2013. Conta com 80 quartos, centro de bem‑estar
Cinq Mondes e um convidativo bar.
4 Rue Jussieu
Tel.: 0033 478 425 651
Quatro duplo a partir de 215 euros por noite
accorhotels.com

Fourvière Hotel
A poucos metros da Basílica, é um dos mais recentes hotéis de Lyon. Instalado num convento do século XIX, cujas celas deram lugar a 78 quartos, possui piscina, jardins e restaurantes com vista para o claustro.
23 Rue Roger Radisson
Tel.: 0033 474 700 700
Quatro duplo a partir de 140 euros por noite.
fourviere-hotel.com

Mama Shelter Lyon
Com design do afamado Philippe Starck, possui centena e meia de quartos, restaurante e um bar bastante concorrido, animado por bandas ou DJ. Boias de praia penduradas no teto constituem um dos pormenores divertidos, a que se juntam, nos quartos, os dísticos «Por favor não incomode» com a mensagem escrita sobre uma foto de lingerie sexy… E há muitos outros motivos para sorrir neste hotel que prima pelo atendimento, caloroso e competente.
13, Rue Domer
Tel.: 0033 478 025 800
Quatro duplo a partir de 188 euros.
mamasherlter.com

Comer

Café Terroir
Restaurante pequenino e acolhedor e uma boa opção para conhecer o conceito bistronomique: cozinha criativa confecionada com os melhores produtos da região e da época, servida a bom preço. O preço é realmente bom (menus de almoço desde € 21) e a refeição também.
14 Rue D’Amboise
Tel.: 0033 953 360 811
cafeterroir.fr

Daniel & Denise
Considerado um dos melhores bouchons da cidade, é o lugar indicado para provar iguarias como quenelles, cervelle de canuts e a incontornável tarte à la praline. Há três em Lyon: Créqui, Saint‑Jean e Croix Rousse. O preço da refeição é superior ao praticado noutros estabelecimentos congéneres (o menu de almoço ronda os € 30; noutros bouchons pode custar cerca de € 20) mas o investimento vale a pena. O espaço da Croix Rousse é bastante agradável.
8 Rue Cuire
Tel.: 0033 478 282 744
danieletdenise.fr

Le Sud
É uma das quatro brasseries do reconhecidíssimo chef Paul Bocuse, uma verdadeira estrela da cidade – e com três estrelas Michelin há meio século atribuídas a L’Auberge du Pont de Collonges, na vizinhança de Lyon, onde um menu clássico custa € 165. Aqui há menus de dois pratos a € 22,90 e de três a € 26,60.
11 Place Antonin Poncet
Tel.: 0033 472 778 000
nordsudbrasseries.com

Vieille Canaille
Restaurante perto do hotel Mama Shelter, bastante concorrido ao jantar pelo que convém reservar. O nome homenageia Serge Gainsbourg, compositor, cantor e autor do conhecido, e polémico, tema Je t’Aime… Moi Non Plus. O ambiente é agradável, a comida saborosa e o atendimento impecável. Entrada e prato custam € 17,5, com sobremesa € 20,5.
14 Rue Saint-Jerome
Tel.: 0033 472 714 712
facebook.com/restaurant.vielle.canaille

Visitar

A lista de locais a visitar poderia ser interminável, por isso aqui ficam alguns dos principais e respetivos endereços online para verificar localizações e horários:

Maison des Canuts
maisondescanuts.fr

Museu de Belas Artes
mba-lyon.fr

Museus Gadagne
gadagne.musees.lyon.fr

Museu das Miniaturas e Cinema
museeminiatureetcinema.fr

Museu Confluences
museedesconfluences.fr

Consultar

lyon-france.com


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