Misturam-se cidades como Miami, Hong Kong, Dakar, Moscovo, Chiang Mai, Marraquexe, Díli, Joanesburgo, Xangai, Kuala Lumpur e muitas outras; também se misturam detalhes com origens que nem sempre consigo identificar imediatamente — onde aconteceu aquela história?, onde comi aquela comida?, onde conheci aquela pessoa? A minha memória deste tempo a escrever nas páginas da revista Volta ao Mundo é como um daqueles tesouros imensos que se imagina a partir de contos do Livro das Mil e Uma Noites. No entanto, em vez de joias, este é um tesouro composto por experiências que carrego comigo e que posso revisitar com ou sem nostalgia.

Nos anos 1990, quando comprei o primeiro número da revista numa banca de Coimbra, não imaginava que, quinze anos mais tarde, eu próprio escreveria nessas páginas. Ou seja, comecei a colaborar na Volta ao Mundo há dez anos. Fui convidado para escrever um artigo sobre Budapeste e, desde então, com maior ou menor regularidade, encontrei aqui uma casa.

A minha memória deste tempo a escrever nas páginas da revista Volta ao Mundo é como um daqueles tesouros imensos que se imagina a partir de contos do Livro das Mil e Uma Noites.

Esta é uma revista com duas faces, composta por dois tipos de materiais: de um lado, as palavras e as fotografias, a tentativa que umas e outras fazem para descrever; do outro lado, o mundo a rodear-nos em todas as direções, até ao horizonte e depois dele, transcendente. Ao longo destes dez anos, escrevi porque estava lá e, ao mesmo tempo, estava lá porque escrevia. Ao cumprir esse caminho, de escrita e de viagens, fui eu próprio que mudei, que cresci.

Um exemplo concreto: o trabalho na Volta ao Mundo levou-me à literatura de viagens — com livros publicados sobre a Coreia do Norte e a Tailândia até agora, mas contando já com os que estão para vir. Esse espaço nas prateleiras que os meus livros ocupam é um sinal da marca que esta experiência ocupa na definição de quem sou.

Escrever palavras como estas e saber que, através do trabalho de várias pessoas, chegam a quem as está a ler agora é um privilégio de que tenho consciência. Espero que a minha gratidão seja evidente, espero que baste olhar para mim para percebê-la, que cada uma destas linhas a repita mesmo quando parecem falar de outra coisa. Espero que a minha gratidão seja explícita e implícita.

Os dez anos que tenho passado na lista de colaboradores da revista quase corresponde a um quarto de toda a minha vida. A proporção ajuda a avaliar a sua real dimensão e importância. Misturam-se memórias do Bornéu, das Seychelles, da Gâmbia, de tantos outros lugares. Quantos anos viverei ainda? Esta é uma pergunta algo incómoda, traz a recordação de algo que preferimos ignorar, que parece tão antagónico a tudo isto e que, no entanto, toca exatamente o que mais importa em tudo isto. Por enquanto, não tenho resposta para esta pergunta, não sei qual a proporção em relação ao todo, mas esta pergunta dá-me uma consciência fundamental: ainda não acabou. Os aniversários são ocasiões privilegiadas para reconhecer e celebrar. Aqui se inicia o futuro, celebremos todas as viagens que aí vêm: a Volta ao Mundo continua.

Leia aqui todas as crónicas de José Luís Peixoto.


Crónica publicada originalmente na edição de novembro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 301.

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