O tronco do passageiro deve seguir o tronco do motorista. Quando este se inclina para um lado, o tronco do passageiro deve inclinar-se para o mesmo lado, formar o mesmo ângulo. Esse é o modo de se equilibrarem. No trânsito de Banguecoque, ao avançarem por um labirinto, ao contornarem carros, autocarros e tuk-tuks, os condutores de moto-táxis e os seus passageiros fazem uma espécie de bailado sincronizado.

Essa agilidade irá levá-los à primeira linha do semáforo, entre dezenas de outras motas. À sua frente, correrá um rio de trânsito, a avenida perpendicular. Quando esse fluxo se extinguir abruptamente, cortado por outro semáforo, todos os motoristas estarão fixos na mesma luz, assistirão ao instante da mudança de cor, e hão de acelerar de repente. Dentro de um enxame, haverá a capacidade de explosão de cada motor, a força com que conseguirem desenvolver a promessa inicial de velocidade.

Sigo na parte de trás de um desses moto-táxis, faço parte de uma dessas duplas: passageiro e motorista, dois desconhecidos, a comunicarem apenas muito precariamente e, no entanto, unidos neste instante, a partilharem direção e caminho. Vamos disparados por amplas avenidas de arranha-céus, o ar quente passa-nos pelo rosto, fumo ou humidade, transpiração na pele, o céu sobre as cabeças, quer usemos capacete ou não e, logo a seguir, à mesma velocidade por artérias escondidas, traseiras de habitações confusas, paredes sujas, gaiolas de pássaros, plantas selvagens, fios elétricos, gente de chinelos a caminhar aos ziguezagues.

Vamos disparados por amplas avenidades de arranha-céus, o ar quente passa-nos pelo rosto, fumo ou humidade, transpiração na pela, o céu sobre as cabeças…

Antes, encontrámo-nos num passeio, ele sentado entre condutores numa tábua de madeira. Alguns acabados de chegar, boca e nariz tapados por uma máscara de pano, abrigo contra a poluição, apenas os olhos descobertos, a verem tudo. Em Banguecoque, há as longas avenidas que estruturam a cidade e, depois, há as ruas que as atravessam e dividem. Chamam-se soi e, por serem numeradas, são também formas de medir distâncias.

Estávamos no soi 51 da Avenida Sukhumvit e eu queria ir para o soi 11 da Avenida Silom. O motorista escreveu um preço com o teclado do telemóvel, eu escrevi outro preço, contraproposta, trocámos expressões faciais e chegámos a um acordo. Subi para a mota. Também há aplicações de telemóvel para este serviço. No ecrã, fica-se à espera de um bonequinho que se aproxima no mapa e que, depois, se constata ser um estudante universitário, a ganhar algum dinheiro extra. Poupa-se alguns bahts tailandeses nessa transação, mas a emoção da condução é muito menor do que com os condutores a tempo inteiro, coletes cor de laranja, amuletos ao pescoço e no guiador.

Nesta viagem, por exemplo, finjo não me surpreender quando subimos para um passeio e atravessamos por um parque de estacionamento, atalho para outra estrada. Após minutos estamos ao lado do Parque Lumpini e, logo a seguir, triunfantes e magnânimos, entramos na Avenida Silom, paralelos, com a mesma inclinação. Daqui a minutos, voltaremos a perder-nos para sempre. Banguecoque é infinita.

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Crónica publicada na edição de janeiro de 2019 da revista Volta ao Mundo (número 291).

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