Foi quando esteve na Indonésia pela primeira vez que Fábio Inácio teve uma epifania: ia viajar pelo mundo a fotografar. Deixou a zona de conforto e passou ano e meio a explorar, sempre com a câmara ao peito.

Texto de Bárbara Cruz

Artigo publicado originalmente na edição de janeiro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 291.

Fábio Inácio, de 33 anos, vive em Maceira, Torres Vedras. Um «sítio pequenino», onde os dias se sucedem com rotina e sem grande novidade. Não é de estranhar, por isso, que quando Fábio regressou à terra depois de uma viagem de 18 meses pelo mundo tenha sido o assunto de todas as conversas. Até quando entrava no autocarro: o motorista chegou a perguntar-lhe se era ele o célebre Fábio, aquele de quem todos falavam durante o percurso de Maceira a Torres Vedras. «Dizem que vens muito diferente, que já andas por aí descalço e tudo», conta Fábio a rir-se. «Tudo porque não gosto de conduzir de chinelos e houve um dia em que fui buscar o meu sobrinho à escola e acabei por sair do carro descalço para cumprimentar pessoas», recorda, sem controlar as gargalhadas.

Porém, seja em Maceira ou em qualquer outro lugar do mundo, a viagem de Fábio seria sempre digna de nota: saiu de casa em fevereiro de 2014 e regressou no final de 2015. Passou por 16 países, fez grande parte do percurso em transportes terrestres – também por culpa de uma viagem de avião atribulada da Tailândia para a Índia – e fez amigos em todo o mundo. Se repetia a empreitada hoje? «Nem pensar, está fora de questão». A ausência prolongada não foi fácil para ele mas sobretudo para a família – a mãe diz que perdeu «anos de vida» por sabê-lo tão longe e incontactável durante longos períodos. Isso não significa que tenha deixado de viajar: hoje é fotógrafo viajante e passa grande parte do ano a saltar fronteiras; a diferença é que está mais vezes em casa.

Fábio nunca fez muitas viagens em família e a primeira vez que saiu do país tinha 14 anos: foi conhecer Amesterdão com um amigo. Em 2009 começou a fotografar, sobretudo surf e bodyboard, desportos que também pratica, e em 2010 um grupo de amigos convidou-o para ir à Indonésia fotografá-los a surfar. «Para azar deles, as ondas não estavam muito boas, então acabei por passar o tempo a explorar a ilha de Sumatra, nos mercados, nas casas das pessoas, a fotografar e a conviver. Foi o clique, decidi fazer daquilo a minha vida». Regressou a Portugal, inscreveu-se num curso de fotografia para evoluir e decidiu que no prazo de três ou quatro anos faria uma grande viagem. Em 2012 fez dois InterRail pela Europa, para se testar nas viagens a solo, e em 2013 trabalhou «de manhã à noite» na restauração para angariar dinheiro antes da partida.

Para a viagem tinha um percurso idealizado, que mudou completamente ao fim de dois meses. Queria fazer Ásia, Austrália e América do Sul, mas percebeu que por não ter frequentado o ensino superior não conseguia o visto que lhe permitiria viajar e trabalhar em solo australiano durante um ano, até ter dinheiro suficiente para seguir para as Américas. Saiu de Portugal para Istambul e voou depois para o Irão, onde passou um mês. Foi ao Curdistão e esteve três dias numa vila onde ninguém falava inglês mas queriam fazer tudo por ele. A hospitalidade iraniana é uma das recordações mais fortes que traz, em contraste com a chegada à Índia: «As primeiras 12 horas em Nova Deli foram o maior choque da minha vida. No Irão queriam dar-me tudo, na Índia queriam tirar-me tudo», conta a rir-se. Dali seguiu para a Indonésia e chegou a conviver com a tribo que vive nas Ilhas Mentawai. Novo choque: «uma senhora de idade da tribo tinha uma camisola do Real Madrid». Fez Malásia, Tailândia e regressou à Índia, onde fez trekking nos Himalaia e teve a experiência de viajar 20 horas de carrinha «numa das estradas mais perigosas do mundo», serpenteando por entre precipícios a alta velocidade.

Fez trekking nos Himalaias e teve a experiência de viajar 20 horas de carrinha, numa das estradas mais perigosas do mundo.

Passou para o Nepal e ficou fascinado com Katmandu. Moveu mundos e fundos para encontrar os Raute, uma tribo nómada que vive da venda de utensílios em madeira. Conseguiu fotografá-los, comeu com eles, viu-os caçar macacos. «Foi brutal». Regressou novamente à Índia para viver em Goa a experiência mais estranha da viagem: travou conhecimento com um rapaz que o quis levar a conhecer «o chefe». E este queria convencê-lo a alinhar num esquema de tráfico de joias a troco de seis mil dólares. Cercado por um grupo de homens, teve medo enquanto repetia que não faria nada do que lhe pediam. Acabaram por deixá-lo ir embora, ileso. A tempo de contactar um taxista goês com ascendência portuguesa que conhecera no Facebook e que o levou a conhecer a cidade, e de quem ficou amigo.

Ainda passou por Myanmar, antiga Birmânia, Vietname e passou o Natal no Laos, a fazer voluntariado com crianças. Na Austrália, ficou quatro meses em casa de uma timorense que foi secretária de Salazar e foi praticamente adotado pela comunidade. Regressou à Indonésia em período de Ramadão, foi para a Malásia, voou para a China e apanhou o transmongoliano. Passou pela Sibéria e apanhou o transiberiano para São Petersburgo, foi para a Estónia, seguiu-se a Polónia e depois o Reino Unido. Em Londres, apanhou um avião para Marrocos e ligou à mãe a dizer que ia continuar a descer África, mas apanhou um autocarro para Sevilha e daí foi até Lisboa, surpreender a irmã ao trabalho, antes de ir para Maceira ver os pais. «A minha mãe chorou durante meia hora quando cheguei».

Durante todo o percurso foi fotografando, por lazer ou em trabalho para agências. Tem uma particularidade, só fotografa a preto e branco, porque é nesses tons que imagina as imagens. E tem cuidados antes de disparar: tenta aprender algumas palavras na língua local para pedir autorização, por respeito por quem está à frente da lente. «Já perdi fotos incríveis por isso, mas eu não gosto que me tirem fotografias, portanto não o faço aos outros», sublinha. Desde que regressou tem dado palestras, já publicou um livro, Walking Around, sobre a odisseia que viveu e continua dedicado às viagens e fotografia: foi convidado para ser líder de viagem e entretanto regressou a alguns destinos que lhe ficaram no coração. Também fez voluntariado no Quénia, no projeto From Kibera With Love, da portuguesa Marta Baeta, e quer muito conhecer a América do Sul.«Um dos meus grandes objetivos é fazer uma exposição daqui a dez, 15 anos, de fotos mesmo boas», diz decidido.

Imagem de destaque: Direitos Reservados

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