O regresso às origens

Lagos fez história durante os Descobrimentos e ainda hoje conquista quem vem de fora pelo mar e pela praia. Há também quem se apaixone e fique, para fazer o caminho inverso: trazer os produtos da terra e a gente de lá para a linha da frente.

Texto de Marlene Rendeiro
Fotografias de Fernando Marques

A primeira imagem, quando se abre a porta do quarto, é esta: uma cama de rede na varanda, uma banheira oval a um canto peças de design aqui e ali e uma total ausência do ecrã do televisor. Apenas um branco imenso que nos afunda o olhar na cama e, numa mesa, a grossa revista que nos conta no artigo «Casa Mãe: A Viagem» como nasceu este lugar. Nessa reportagem, a parisiense Veronique Polaert conta como trocou o corre-corre de um emprego na banca, em Londres, pela calma algarvia depois de umas férias em Lagos. E de como, vinda de fora, quis olhar para dentro e descobrir artesãos e marcas portuguesas que trouxessem tradição ao seu boutique hotel.

Foi por isso que, quando a Casa Mãe abriu, em setembro do ano passado, os 22 quartos do edifício novo tinham já tapetes artesanais da Rug, de Via na do Castelo, ladrilhos de Santa Catarina no chão e potes de cerâmica no duche a guardar o champô. Aos 22 quartos juntaram-se, este ano, cinco suites na recuperada casa senhorial, encostada à antiga muralha da cidade, com vista para a piscina triangular e para o jardim. Aí chegaram também, há meses, três cabanas com terraço privativo, rodeadas pela horta.

A cidade de Lagos tem pouco menos de vinte mil habitantes. Foi fundada
no século XIII.

Desde o início que, muito do que é servido no Orta – o restaurante do hotel – vem da terra, embora não só do jardimquinta da Casa Mãe, que não era suficiente. Por isso, a jovem francesa vai a Algoz, a 50 quilómetros de Lagos, abastecer-se de legumes biológicos que depois o chef Bruno Senra leva aos pratos numa carta rotativa, que costuma incluir gaspacho de beterraba, amêijoas com batata doce, traduzindo a importância ali dada aos produtos regionais.

É assim mesmo, com os sabores algarvios na boca, que a viagem até ao centro histórico (e que se pode fazer de bicicleta ou mota alugadas) melhor sabe. Entre essas ruelas apertadas, passa-se pela Praça do Infante Dom Henrique, onde se encontra o núcleo museológico do Mercado dos Escravos, que terá sido o primeiro na Europa. Daí, segue-se caminho até um edifício antigo e recuperado, que já fio igreja e quartel, até à loja Mar d’Estórias. Célia Real e Luís Ledo transformaram a antiga igreja numa montra de produtos de várias regiões do Algarve e do país, podendo-se agora lá encontrar manteiga de amendoim da Alcagoita, uma reinterpretação dos capuzes das mulheres de Olhão pela Bioco Tradition, as bicicletas de madeira e malas da Mud e chocolate de alfarroba.

A arquitetura do edifício permitiu que a ideia inicial evoluísse e que, além de loja regional, o Mar d’Estórias passasse a ter livros e música, cerâmica, uma galeria de arte e um bar com petiscos, no antigo telhado, com vista para o casario e para o mar. Foi também criado um mezzanine para acolher um bistrô, onde a chef Megan Melling prepara diariamente pratos e menus de degustação com ingredientes algarvios.

A alma portuguesa sente-se no respeito pelo que vem da terra e do mar e é difícil resistir à sua gastronomia.

«Há umas décadas perdeu-se muito a entidade culinária em algumas zonas do país. E agora estamos a testemunhar um revalorização da cozinha tradicional», explica a chef, nascida no Iowa, Estados Unidos, mas a viver em Portugal desde criança.

A alma portuguesa sente-se no respeito pelo que vem da terra e é difícil resistir a combinações como pão de alfarroba e figo ou pudim de alfarroba com creme de limão, gaspacho com ovas secas de polvo e atum à algarvia, com cebolada e chips de batata doce. Há outra cara para conhecer ali perto, na Praça Luís de Camões por detrás de um balcão de um edifício forrado a azulejos verdes. É o italiano Luca Boschetti, que prepara a abertura de um restaurante de massas biológicas. Chegou ao Algarve há quatro anos com a mulher e o filho e acabou por comprar a loja Obrigado a outro conterrâneo. Manteve, por isso, os brinquedos italianos feitos à mão, como os peões e carrinhos de madeira. Mas reforçou o artesanato português, enchendo as prateleiras de cerâmica. E em Lagos, há um curioso regresso às origens portuguesas a ser feito pelo encantamento destes estrangeiros.


Guia de Lagos

Dormir
Casa Mãe
Rua do Jogo da Bola, 41
Tel.: 968369732
Web: casa-mae.com
Quarto duplo a partir de 135 euros (com pequeno almoço incluído).
Restaurante Orta: 32 euros

Comer
Camilo
Na estrada que segue até à Ponta da Piedade, vale a pena um desvio até à Praia do Camilo para um “mergulho” na cozinha tradicional algarvia do restaurante homónimo. Peixe com fartura e marisco é o que compõe a carta.
Estrada da Ponta da Piedade, Praia do Camilo
Tel.: 282763845
Web: restaurantecamilo.pt
Preço médio: 25 euros

Mar d’Estórias
Tel.:
282792165
Web: mardestorias.com
Das 10h00 às 10h00. Sexta e sábado, até às 22h00.
Preço médio: 22 euros

Comprar
Loja Obrigado
Praça Luís de Camões, 6 a 8
Tel.: 282767304
Das 10h00 às 00h00. Não encerra


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