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Cargo cults – Pacífico Sul

Estranhos cultos na Melanésia

Cargo cults são práticas religiosas da Melanésia focadas na obtenção da riqueza material do mundo ocidental através de magia, rituais religiosos e práticas diversas. Os seguidores deste culto acreditam que os seus antepassados destinaram-lhes o «Cargo», esses bens, mas que os engenhosos povos ocidentais ficaram injustamente com o legado. Na primeira metade do século xx, os seguidores de muitos destes cultos da Melanésia construíram aviões em madeira, pistas de aterragem e torres de controlo em bambu, duplicando alguns dos «rituais dos homens brancos» na esperança de atrair aviões reais com bens para as suas ilhas. Hoje, essa tradição já não existe, mas os antigos seguidores de alguns destes cultos ainda recordam os velhos tempos, quando imitavam o comportamento dos soldados norte-americanos que observaram durante a Segunda Guerra Mundial.

A Melanésia é uma sub-região da Oceânia que inclui as ilhas Molucas, Papua Nova-Guiné, Salomão, Vanuatu, Nova Caledónia e Fiji. Estes territórios são povoados há pelo menos 40 mil anos.

Na ilha de Tanna, em Vanuatu, as pessoas acreditam num homem mitológico chamado John Frum, que surgiu por ali em 1937. Ele disse aos habitantes da ilha para voltarem às suas antigas tradições e começarem a viver de acordo com elas. Em troca desta opção, todos os nativos iriam receber as tais mercadorias, o «cargo». Todos os dias na aldeia de Lamakara, seguidores do culto içam a bandeira dos EUA, que simboliza o poder e a riqueza material, ainda na posse dos ocidentais (segundo a lenda, John era da América e «Frum» pode ser uma distorção da palavra inglesa from, oriundo de). Antecipando a chegada de John, que, de acordo com a mitologia local, deverá estar de volta com mercadorias a 15 de fevereiro, nesse dia, todos os anos, o povo de Lamakara veste uniformes militares dos EUA, oferecidos por turistas norte-americanos. Muitos dos habitantes locais pintam a sigla USA no peito e nas costas e marcham com espingardas de bambu ao estilo da Marinha americana.

Esta é a área do planeta com maior densidade linguística. Estima-se que mais de 1300 idiomas e dialetos sejam falados pelos povos da Melanésia, um por cada 700 quilómetros quadrados.

Os europeus chegaram no século xvi, mas só no século XIX se pode falar de colonização. Nas décadas de 1970 e 1980 todos os Estados, com exceção da Nova Caledónia, alcançaram a Independência.

A participação dos Aliados na II Guerra Mundial estendeu-se a esta região e deu origem a alguns dos cultos. Mas já desde o final do século XIX as tribos da Melanésia veneram o «poderio»que vem de fora.

Os seguidores de outro culto de Tanna – Movimento Princípe Filipe –, da aldeia de Yaohnanen, não se deslocam a Lamakara para as celebrações do dia de John Frum. Acreditam que existe outro Messias, o princípe Filipe, duque de Edimburgo, que é venerado como um ser divino. A lenda diz que o príncipe deixou uma vez a ilha e viajou para um país distante, onde se casou com uma mulher poderosa. Em breve ele regressará a Tanna, trazendo à sua «pátria» todo o poder e toda a riqueza da coroa britânica.

Na Papua Nova-Guiné, na remota ilha de Bougainville, na aldeia de Mewau, existe um cargo cult da Cobra Toki, o chamado culto 666. Os nativos creem que a ilha está interligada com uma gigantesca cobra-deusa Toki. Quando a cobra se mexe provoca terramotos em Bougainville. Após a guerra civil (1988-1998), o Sul da ilha continuou sob controlo dos «rebeldes» liderados pelo rei David Peii II. Os membros deste culto apoiam a ideia de um reino em Bougainville e acreditam que, rezando à sua deusa Toki, irão ajudar a alcançar a independência da Papua Nova-Guiné e, com isso, trazer a riqueza. Os habitantes de Mewau proibiram o consumo de álcool e de noz de bétel (um estimulante vegetal), mas todos eles, incluindo as crianças, fumam tabaco.

Estes cultos estão a morrer rapidamente e hoje já não é possível encontrar gente a adorar aviões de madeira. No entanto, algumas tribos da Papua Nova-Guiné continuam a construir protótipos de aviões, helicópteros ou automóveis em madeira, utilizando-os durante as eleições ou em eventos especiais quando os políticos locais visitam a sua província. As pessoas acreditam que se puserem um homem rico e poderoso dentro de um veículo de madeira – ou um avião – e o carregarem pelas redondezas, todo o seu poder e riqueza ficarão na aldeia e com os seus habitantes. Durante eventos deste tipo, algumas das tribos vestem roupas militares e marcham com armas de madeira, «guardando» os helicópteros e os aviões dos políticos.


Este mês connosco
Vlad Sokhin – fotógrafo
Nasceu na Rússia, em 1981, mas foi em Portugal que se tornou fotógrafo, quando veio para cá por se ter apaixonado por uma engenheira portuguesa, na Mongólia. Por cá para pouco – é fotógrafo internacional sempre em viagens para vários meios e organizações humanitárias. A última reportagem publicada na VM foi sobre Sydney. A sua especialidade é o Sudeste Asiático.

Texto e Fotografias de Vlad Sokhin
Reportagem da edição de julho 2015 - n.º 249
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