Filipe Morato Gomes, aqui no Lago Bunyonyi (Uganda), criou o blogue "Alma de Viajante" (Foto: Filipe Morato Gomes)

Filipe Morato Gomes tornou-se profissional da escrita de viagem porque a vida lhe ofereceu um despedimento precoce. Juntou à pena a fotografia e tornou-se num pioneiro dos blogues de viagens com o seu “Alma de Viajante”, que assinala este dia 25 de fevereiro 20 anos de histórias. No dia em que Filipe soma 50 de vida e no mês em que é o autor da capa da sua “Volta ao Mundo” de março. A assinalar a data, este eterno viajante fala-nos do Mundo num evento em direto no Facebook do blogue, a partir das 21 horas de quinta-feira.

Zanzibar, Tanzânia (Filipe Morato Gomes)

Por que começou a escrever as suas viagens? E, antes disso, o que lançou o Filipe para uma vida de viagens?

Julgo que tudo terá começado com as férias de campismo selvagem na Serra do Soajo, no tempo em que isso era normal e permitido. Semanas de descoberta em que, com a ajuda de um tio escuteiro, criávamos “luxuosos” acampamentos com cozinhas completas usando galhos, folhas e estrume de vaca. Ou as intermináveis jornadas de VW Carocha de Vila Nova de Famalicão para Vila Real de Santo António, onde desfrutávamos dos areais das praias algarvias, apanhávamos conquilhas e lingueirão para o almoço e transformávamo-nos em índios ferozes com creme Nívea. E as viagens com os meus pais para Espanha e sul de França, sempre a acampar que o dinheiro não dava para mais. E depois, as histórias de viagem que ouvia da boca do meu avô, episódios do transiberiano, das estepes mongóis, da Amazónia brasileira, enfim, dos quatro cantos do Mundo.

À medida que fui viajando de forma mais independente e sendo eu apaixonado pelo jornalismo, pela fotografia e por todo o mundo ligado à comunicação, foi de forma natural que fui escrevendo relatos das viagens e tentando vender reportagens a algumas revistas. Algumas vezes consegui; outras não. Curiosamente, uma das “negas” que tive nesse anos iniciais foi do Luís Filipe Catarino, grande fotógrafo, fundador da agência 4SEE e, em tempos, editor de fotografia da “Volta ao Mundo”, pessoa que muito admiro e de quem, posteriormente, me tornei amigo.

Ou seja, não foi nada premeditado e, na verdade, só decidi dedicar-me de corpo e alma à escrita de viagens depois de perder um emprego na área do multimedia (ser despedido foi uma das melhores coisas que me aconteceu na vida!) e ter feito uma volta ao mundo em 14 meses, corriam os anos de 2004 e 2005. Foi nesse ano, após o regresso dessa grande viagem e já com 34 anos de idade que decidi que, enquanto fosse possível, queria viver das viagens, da escrita e da fotografia. Até hoje.

Bacuit, Filipinas (Filipe Morato Gomes)

É possível viver da escrita de viagens num blogue?

Sim, é possível, e eu sou a prova disso mesmo. A verdade, no entanto, é que gerir o meu blogue de viagens tem sido um percurso difícil, desafiador e imprevisível, tendo já tido muitos altos e baixos ao longo de todos estes anos. Não é anormal ter períodos de grande euforia seguidos de anos de enorme frustração e pouco rendimento. Até porque o sucesso depende de fatores muito variados, alguns dos quais impossíveis de controlar totalmente.

Ou seja, para quem prefere o conforto de saber exatamente quanto ganha ao final do mês, este não é seguramente o trabalho mais indicado. Eu, pessoalmente, não trocaria a liberdade e o estilo de vida que o blogue me permite por nada deste mundo – pelo menos enquanto me der prazer e for financeiramente sustentável.

Bagan, Myanmar (Filipe Morato Gomes)

Tem livros publicados. Surgiram do blogue? São a continuação do projeto ou são um respiro à parte?

Tenho apenas um livro de viagens, chamado precisamente “Alma de Viajante”, editado depois do regresso da minha primeira volta ao mundo. Trata-se de uma compilação de crónicas publicadas na revista “Fugas” durante essa viagem, mais um ou outro texto inédito.

Na verdade, eu nem queria editar, porque achava que não acrescentava muito (os textos já tinham sido publicados), mas um editor amigo de uma amiga convenceu-me que valia a pena. E ainda bem que o fez.

Hoje em dia, sinto que não investir mais tempo a escrever livros de viagens tem sido um dos meus maiores erros. Mas acabo sempre por protelar a ideia, muito por culpa de saber exatamente, há muito tempo, qual quereria que fosse o meu segundo livro: uma viagem terrestre do Cairo à Cidade do Cabo, pela costa leste de África, seguindo os passos de Paul Theroux no seu “Viagem por África”. É um projeto eternamente adiado, mas quem sabe um dia…

Além disso, tenho participado nas edições colaborativas da ABVP – Associação de Bloggers de Viagem Portugueses: o primeiro livro da série saiu no ano passado e incluía uma crónica da minha autoria sobre as mulheres de Ghardaia, na Argélia; o segundo será publicado ainda este ano.

Islândia (Filipe Morato Gomes)

E agora a pergunta que mata qualquer viajante: tire-nos lá do baú a estória mais memorável destes 20 anos…

Com toda a honestidade, não sei dizer. Da Mongólia ao Irão (dois dos meus grandes amores), passando por locais tão remotos como Vanuatu ou a Amazónia brasileira, já vivi experiências incríveis, quase sempre relacionadas com o contacto humano (as pessoas são, quase sempre, o que mais me fascina em viagem). Mas depois há momentos em que a Natureza te emociona e, de repente, tens lágrimas nos olhos por causa de uma paisagem. Aconteceu-me num trekking em Tenerife, em pleno Parque Nacional do Teide. Ou nos Kaluts iranianos. Não consigo mesmo eleger um só momento!

Edge of the World, Arábia Saudita (Filipe Morato Gomes)

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