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Contou uma vez que gravou o primeiro disco após um telefonema de Amália, mas o contacto com o fado aconteceu por acaso, durante a infância, quando descobriu a coleção de discos dos pais. Aos 11 anos participou pela primeira vez na Grande Noite do Fado e, dois anos depois, venceu e gravou um LP. Desde então, lançou muitos discos, participou noutros tantos, e arrecadou ainda mais prémios. A primeira atuação ao vivo foi no restaurante Cesária, em Alcântara. Seguiram-se palcos nacionais e no estrangeiro…e em dezembro regressa ao Coliseu de Lisboa na companhia de Mário Laginha.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

Lançou há poucos dias o seu último disco… para que destinos o vai levar desta vez?
Eu acho que para o mesmo destino de sempre: o fado. É um disco que tem uma sonoridade um pouco diferente, porque é acompanhado ao piano, pelo Mário Laginha. Começámos em Janeiro, na Casa da Música, no Porto. Já estivemos em vários países e vamos continuar a estar, embora com menos frequência, porque fizemos uns 25 concertos antes de gravar o disco. Temos concertos marcados para Bilbao, para Viena, para uma série de países. E Portugal também, claro.

As digressões têm-no levado a conhecer alguns dos mais emblemáticos palcos mundiais. Mas algum dia sonhou que iria tocar em sítios destes?
Não. Quer dizer, eu queria fazer aquilo que gostava. Mas não me passou pela cabeça começar a viajar tanto e fazer tantos palcos diferentes.

E a sala onde nunca cantou e gostaria de cantar?
Há várias. Como o Olimpia de Paris, porque é uma referência. Mas nem sequer sei como é a sala. Ou o Metropolitan, em Nova Iorque, apesar de ser uma sala de ópera.

Consegue conhecer os locais quando vai em digressão para o estrangeiro? Ou acaba por ser uma trilogia: aeroporto-hotel-palco?
Às vezes consigo, mas é muito pouco. Ou porque tenho uma tarde ou vou um dia antes… Também já estive várias vezes em Nova Iorque sem ser em trabalho. Normalmente eu regresso aos sítios depois. Ou vou antes. Lembro-me de há tempos ter estado em Buenos Aires e passados três meses fui lá cantar no Teatro Coliseu. Há dias tinha de fazer uma entrevista para a CNN e estava em Nova Iorque. Acabei por ficar mais três dias no hotel e deu para passear. Mas já conhecia Nova Iorque. Apanhei depois um avião porque tinha concertos em Vancouver e em Toronto, no Canadá. Foi curioso porque esperei aqueles três dias pela entrevista e o senhor que falou comigo – em castelhano – apresentou-me como «o fadista brasileiro Camané». Eu passei metade do tempo a explicar que não era brasileiro e que o fado era português.

Como é que se ouve o fado lá fora? Com tantos concertos fora de Portugal, nota diferença nos públicos?
Já notei mais. As palmas, por exemplo. Aqui as pessoas já conhecem. Mas lá fora, quando acabava o tema, muita gente esperava um bocadinho para aplaudir, para ter a certeza que acabou mesmo. Agora isso acontece menos. As pessoas já conhecem mais o fado lá fora e percebem a música e entendem-na melhor. Mas os públicos são diferentes, claro. Às vezes acontece não haver um português na sala.

Passando tanto tempo fora de casa, presumo que goste de regressar.
Sim, o regresso a casa, principalmente depois de viagens de trabalho, é fantástico. É a melhor coisa que existe. Quando vou de férias não. Apetece-me às vezes ficar. Já tenho estado em sítios fantásticos, onde vou pela segunda ou terceira vez mas com oportunidade de conhecer e estar, e nesses casos voltar a casa depois às vezes é difícil. Ainda por cima essas viagens que eu gostei muito de fazer foi com a minha mulher e às vezes queremos estar os dois lá.

Nas digressões que já fez até hoje, qual foi o maior período de tempo que esteve fora do país.
Já aconteceu várias vezes. Lembro-me de uma tournée nos EUA que durou imenso tempo. Lembro-me de outra na Holanda que também foi longa. Ficámos em Amesterdão num apartamento num canal, numa daquelas casas-barco, e como é um país pequeno, partíamos para todos os sítios e depois regressávamos – foram uns 17 concertos em salas diferentes durante uns vinte e tal dias.

Falou há pouco de Nova Iorque mas, curiosamente, um dos seus destinos de eleição é a Califórnia, do outro lados dos Estados Unidos. O que é que essa viagem teve de tão especial?
Eu tinha feito uma viagem fantástica à Argentina e Chile e a viagem seguinte foi à Califórnia. Chegámos a Los Angeles, alugámos um carro e fizemos quase trinta dias a percorrer a Califórnia toda. Viaja-se muito bem, as estradas são boas, fizemos a Ocean Pacific Road até São Francisco [Pacific Coast Highway]. Foi fantástico.

Tudo o que se diz é verdade?
Sim, sim. Tudo o que se diz é verdade. E há outra coisa muito interessante sobre a Califórnia: a música. Há música em todo o lado, espetáculos em todo o lado. Há imensas coisas para ver. Em São Francisco aconteceu uma coisa engraçada. Eu estava com a minha mulher à porta de um teatro onde tínhamos ido comprar bilhetes para ver um concerto do Brian Wilson, o vocalista dos Beach Boys. E eu tinha lá estado três meses antes a fazer um espetáculo. Ela estava a dizer para eu me colocar lá num sítio para me tirar uma fotografia, à porta do Centro Cultural de São Francisco. Eu não queria, estava com uma certa vergonha, e ela dizia: «Mas alguém te conhece aqui?» E de repente aparece um tipo, um técnico do teatro, que me conhece e me chamou. Foi engraçado.

A América do Sul – que é um destino muito amplo e com muitas geografias – é outro destino de que gosta muito.
Já visitei alguns países da América do Sul, mas houve uma viagem de que eu gostei muito: Argentina e Chile. Também em férias. Em vez de ir para o sul fui para o Norte. Passei aquela zona de Tucumán, depois Salta, daí a Quebrada de Humahuaca (o caminho dos espanhóis), depois passámos a fronteira para a zona de San Pedro de Atacama, uma espécie de oásis no deserto de Atacama, onde se come super bem e as pessoas são super simpáticas. Fizemos os lagos do Altiplano, foi incrível. Apanhámos um avião para Santiago do Chile e aí alugámos um carro e fomos para a zona de Valparaíso, Viña del Mar e aquela costa fantástica.

E qual é a viagem de sonho que ainda está por fazer?
A viagem de sonho é a Austrália. Também gostava de ir ao Japão, mas a Austrália é um verdadeiro continente que eu não conheço e gostava imenso de conhecer. Tem imensa coisa para se ver, é uma cultura que eu conheço pouco e gosto muito de viajar em países grandes. Mas é para ir de férias, para sair mesmo. Pode acontecer ir lá e cantar, claro, mas é para fazer de férias. Há tempos fui cantar a Timor, por exemplo. Demorei 36 horas para lá chegar e quando aterrei não tinha voz. A única coisa que sei da Austrália foi por ter ido a uma clínica australiana levar uma injeção de cortisona para conseguir cantar. Fazer aquela viagem toda e depois não conseguir fazer o concerto à noite era um bocado chato, por isso fui a esta clínica australiana em Timor para levar uma injeção.

Foi o mais perto que esteve da Austrália…
Sim (risos). Foi o mais perto que estive da Austrália.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF, a 19 de novembro de 2019


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