No primeiro trabalho que teve depois da faculdade, e apesar de se ter licenciado em Comunicação Social, Gabriel Soeiro Mendes foi trabalhar em cartografia. Ou, como o próprio explica, foi pôr o país no mapa. Depois de um estágio em jornalismo – e de muitas voltas pela Europa Central durante um semestre de Erasmus na Bélgica, além do InterRail na costa do Adriático – durante quase três anos dedicou-se à árdua tarefa de desenhar todas as estradas de Portugal continental e ilhas.

Começou em 2007: ao mesmo tempo que ia assinalando coordenadas de GPS, acrescentava os pontos de interesse com uma fotografia e um pequeno texto. «Tirava fotografias de coisas muito entediantes, como portas de restaurante, mas também fotografei as praias do Algarve e dos Açores», recorda. Aos mapas e à geografia de que tanto gostava – resultado do fascínio por viagens – aliava outros dois grandes interesses: a fotografia e a produção de conteúdos. Por isso, não o incomodou muito o estilo de vida a que era obrigado pelo emprego. Ao longo desses quase três anos, não teve uma casa. Dormia em hotéis, vivia na estrada, não tinha um carro próprio, não ia ao ginásio, «não tinha um armário sequer». Na altura, lembra, «foi divertido». Uma preparação intensiva para as viagens que haviam de se seguir, e mesmo para as que fazia naquela época sempre que tinha uma pausa da vida na estrada.

Em 2008, comprou a primeira máquina fotográfica, uma reflex. Acordava às cinco da manhã e ia para a rua fotografar. «Estava na altura da descoberta. Marquei inclusive uma viagem para Inglaterra, onde estive uma semana sozinho, só para experimentar a câmara». Aproveitou o início das low cost e comprou a viagem em promoção: pagou um cêntimo, mais dez euros pelas taxas do cartão de crédito.

Quando sentiu que a Europa estava quase toda «dominada», quis ir mais longe: em 2010 passou um mês no Sudeste Asiático e andou pelo Sul da China, Vietname, Camboja, Tailândia. Decidiu que iria fazer uma grande viagem de dois em dois anos, e outras mais curtas nesse intervalo.

Em 2010 passou um mês no Sudeste Asiático e andou pelo Sul da China, Vietname, Camboja, Tailândia.

Em 2012 foi para o Rajastão, na Índia. Uma viagem marcante, reconhece, daí que se prepare para regressar ao país este ano, ainda que para uma região diferente. «Nem sempre precisamos de ir para um sítio completamente novo, às vezes podemosvoltar para onde fomos felizes, apesar do cliché», diz a rir. Chegou a ter planeado um roteiro africano, mas decidiu adiar para outro ano a descoberta da vida
selvagem.

Da Índia, recorda vários episódios caricatos que o incentivam a regressar, apesar de ter apanhado uma espécie de fauna insalubre nos comboios em que viajou. Em Jodepur, por exemplo, meteu-se pelo meio de um bairro «extremamente fotogénico», onde as casas eram todas azuis. Estava com uma amiga e, de repente, foram convidados a entrar por uma menina que veio à janela, e lhes quis apresentar a casa e a família. «Foi um pouco esquisito para os padrões ocidentais», reconhece. Acabaram por aceitar o convite e, apesar da barreira linguística, ficaram toda a tarde com os desconhecidos, a comer e a dançar ao som da banda sonora de um filme de Bollywood que passava na televisão.

Ignora olimpicamente as grandes metrópoles, porque prefere conhecer os locais menos confusos, mais autênticos e naturais. No ano passado esteve no Peru e aterrou em Lima mas não chegou a conhecer a cidade. Foi para a Amazónia, viu a cordilheira dos Andes e passou pelo deserto. «Os grandes conglomerados servem para dormir no dia da chegada», sublinha. E partir, de preferência de comboio: detesta andar de avião, apesar de já conhecer cerca de trinta países, e viaja sempre de mochila às costas, mesmo que cerca de metade da bagagem seja material fotográfico.

Em 2013, reunira já um acervo significativo de fotografias e experiências no estrangeiro, que decidiu colocar online: abriu o blogue ‘Uma Foto, Uma História’ (gabrielsoeiromendes.com) e meses depois foi premiado nos Blogger Travel Awards atribuídos pela Bolsa de Turismo de Lisboa, com a distinção na categoria de melhor blogue de fotografia de viagens. O prémio repetiu-se em 2015 (e em 2016, na última edição da BTL, que decorreu depois da entrevista ter sido feita) e abriu-lhe as portas para mais viagens, projetos e fotografias, apesar de ainda não ser um «viajante profissional». Para lá caminhará, se tudo correr bem, admite. Continua a escolher os destinos conforme a vontade, mas ter o blogue trouxe-lhe maiores responsabilidades no que à fotografia diz respeito. Mesmo que antes já fizesse todos os sacrifícios possíveis por uma boa foto: em Praga, chegou a saltar da cama de madrugada para ir fotografar a Ponte Carlos sem ninguém a atravessá-la e teve a sorte de apanhar um «nevoeiro belíssimo».

A experiência ganha no terreno já lhe valeu convites para orientar grupos em países estrangeiros e dar workshops, nomeadamentesobre a arte de fotografar em viagem e lidar com os eventuais modelos retratados. Quando à frente da objetiva estão pessoas e não paisagens, existe uma estratégia essencial para evitar a animosidade daqueles que se apanham de improviso, explica. «Primeiro, sorrir. Esse é o passo número um. O número dois é pedir permissão, não ser um paparazzo.» Se tem resultado? «95% das vezes as pessoas aceitam», garante.

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Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
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