«O meu dia-a-dia passa-se aqui nesta receção. As pessoas aparecem não só com dúvidas, mas também com sugestões e por vezes reclamações. Até já fui insultado em chinês!», conta-nos sorrindo o português Nélson da Silva quando descobrimos falar a mesma língua. Sempre imaginou trabalhar e poder viajar. É o que tem feito durante o último ano, desde que chama ao maior cruzeiro do mundo a sua casa. Enquanto trocávamos dois dedos de conversa, continuava a dar apoio a quem aparecia com questões. E notava-se o entusiasmo ao fazê-lo, encaminhando os viajantes às moradas e avenidas que procuravam na cidade flutuante. «Viste? Gosto mesmo disto, tratar bem o cliente e fazê-lo sentir-se acompanhado. Sou muito brincalhão, mesmo quando vêm com algum aborrecimento, dou a volta à situação e saem daqui a rir.» Podíamos ter ficado mais tempo a ouvir as suas histórias, mas despede-com um «tenho de ir trabalhar», deixando-nos contagiados pela sua simpatia.

O Allure of the Seas partilhava o porto de Civitavecchia, Itália, com três outros navios de cruzeiro. Destacava-se ao longe pela dimensão gigantesca e impressionava até um habitué a hotéis desta categoria. A maior parte dos passageiros já vinha de Barcelona e aproveitava a escala para visitar Roma, a uma hora de transfer. Outra parte dividia-se entre os que abandonavam ali o navio, depois de terem passado por Palma de Maiorca, Marselha e La Spezia (perto de Florença e Pisa), e os que, como nós, ainda arregalavam os olhos ao entrar para a segunda metade do itinerário. Quem chega, tira fotografias do lado de fora, torce o pescoço para ver a altura do navio, sente um friozinho na barriga ao aproximar-se e deixa cair o queixo enquanto atravessa a ponte de acesso estendida desde o cais.

Durante o check-in, feito no exterior, tudo é muito prático e essa é uma das vantagens de viajar num cruzeiro: só se desfaz a mala uma vez. Todos os passageiros passam a ter um cartão único, que tanto serve para entrar no camarote como para eventuais gastos suplementares a bordo. Lá dentro perde-se a noção de estar num navio: os elevadores a subir e a descer os 16 andares, a colorida avenida das lojas de marca, os restaurantes e pubs, um jardim a céu aberto de nome Central Park, as slot machines frequentadas pelos mais velhos no casino, as máquinas de pinball no salão de jogos a entreter os mais novos e ainda falta ir ao piso superior. Deve estar toda a gente na piscina a apanhar sol. Já lá vamos.

Ao chegar ao quarto, no décimo andar, já lá estava a bagagem. Na classe Oasis a oferta varia entre lofts, suites e camarotes. Todas as tipologias podem ter varanda virada para o mar, para a Boardwalk, para o Central Park ou não ter vista, são os alojamentos interiores. Da varanda, a vista é ligeiramente industrial, para o porto e para os arredores. A brisa da tarde e a diferença de altura para o cais proporcionam um momento de contemplação. Lá fora é a azáfama que antecede a largada. No jornal de bordo deixado na secretária liam-se as últimas notícias deste hotel flutuante: o sol vai continuar a brilhar nos dias seguintes, estão programados espetáculos para todas as noites, o restaurante convida a experimentar a ementa do jantar e o navio parte às 20h00 rumo a Nápoles.

A bordo, os espetáculos acontecem todas as noites. De dia, também não falta animação.

No interior do navio há um mundo, nos pisos exteriores entra-se noutro. Não faltam opções para entreter o dia com atividades desportivas. Quando descobrimos o simulador de surf na popa já o sol ia baixo, mas nem se pensou duas vezes: uma queda, duas quedas e à terceira já deu para aguentar dez segundos em pé. O sol alaranjado começava a desaparecer e ficava cada vez mais frio. Por momentos parecíamos crianças a brincar.

À noite, no bar de música latina – na avenida das lojas – já se sentia o bom ambiente a bordo. Quem, como nós, se engana no piso do elevador, tem a possibilidade de recorrer aos ecrãs táteis, espalhados por todos os cantos, que mostram o mapa da «cidade». E enquanto bebíamos um copo de vinho num dos bares da avenida, começa a alinhar-se uma parada temática. A música sai das colunas, as luzes passam a modo discoteca e vão aparecendo «atores» famosos como o Shrek ou a vaidosa Cinderela. Ainda conseguimos ver o Gato das Botas e até o Pinóquio lá estava, entre muitos outros. Os miúdos, derretidos, tentavam cumprimentar com um high five os seus ídolos do cinema e os adultos não se mostravam indiferentes, gravando tudo e fazendo questão de fotografar cada disfarce. Quando terminou o espetáculo, o destino da maioria dos passageiros foi aceitar o convite do restaurante.

Pelo menos três dos pisos estavam completos, cheios de mesas redondas servidas por centenas de profissionais em
sintonia. A experiência é tão intensa que nem se dá por o navio largar amarras. De volta ao camarote e prontos parauma noite de sono, ainda há tempo para cinco minutos à varanda. O frio convida a ir para dentro, mas a sensação de estar a navegar é ótima. A vista industrial já tinha sido substituída pela lua cheia refletida no mar. Na manhã seguinte, esperar-nos-ia um outro cenário.

Também Nápoles estava a acordar quando o Allure of the Seas encostou ao cais. Pouco passava das seis da manhã e a terceira maior cidade de Itália ia sendo admirada e fotografada de todos os cantos por onde se podia espreitar. Os mais madrugadores tomavam o pequeno-almoço e apressavam-se para aproveitar as excursões. No outro canto da baía, algumas nuvens tapavam o topo do Vesúvio, um dos vulcões mais famosos do mundo, o tal cuja erupção destruiu Pompeia, antiga cidade do Império Romano, no ano 79 d.C.

Nápoles, a terceira maior cidade italiana, está ligada ao Vesúvio. Basta olhar para o outro lado da baía e lá está o famoso vulcão.

Um dia bem aproveitado pode ser suficiente para se conhecer o centro de Nápoles, mas há boas razões para sair e explorar a região da Campânia. A uma hora de carro está a costa amalfitana e a viagem até lá justifica a deslocação. Passa-se junto à base do Vesúvio, atravessam-se terriolas pitorescas, a meio caminho é possível visitar Pompeia e acabamos por ficar tontos com tanta curva no Parque Regional de Monti Lattari. Quando chegamos ao outro lado desta reserva natural, quase caímos ao mar. As estradas apertadas descem aos ziguezagues em declives acentuados cobertos de vinhas.

Fazemos uma curta paragem em Furore e continuamos até Amalfi. É hoje um dos pontos mais turísticos da região, ligeiramente massificada com os autocarros a deixar curiosos que insistem em registar tudo à sua volta com ou sem selfie sticks. Mas nem por isso deixa de ser interessante explorar o centro, subir a Via Lorenzo, visitar a Basílica do Crucifixo, descobrir cafés, pastelarias, geladarias e pizarias, lojas de artesanato e de produtos regionais a saber a limão. Para lá de sacos de quilo com rebuçados ou bolos caseiros, o que ganha são as garrafinhas de limoncello. O licor é servido frio e sabe muito bem depois da refeição – obviamente que não é uma novidade, mas estando na região de que é proveniente tem um gosto diferente.

O refresco também não faltou na mesa do restaurante onde almoçámos, a cinco quilómetros da vila. Instalado num penhasco em cima do mar, no Calajanara prova-se cozinha mediterrânica, especialmente as paste com marisco e a piza margarita inventada em Nápoles. Até podíamos ficar ali durante o resto da tarde na varanda – e vontade não faltava –, não fosse termos de voltar ao navio.

No centro de Amalfi, descubra a Via Lorenzo, a Basílica do Crucifixo e caia em pecado com o limoncello, produto desta região italiana.

Às 19h00 os mais de seis mil passageiros estavam de volta ao Allure of the Seas e consigo levavam saquinhos com recordações, sorrisos de um dia de passeio e mais umas centenas de fotografias nas máquinas. Enquanto o navio se afastava do porto, eram muitos os que, debruçados nas suas varandas ou no piso superior, se despediam de Nápoles ao lusco-fusco. Também toda a tripulação dizia adeus à cidade que fez parte deste circuito durante as últimas 26 semanas e ia dando como terminada a temporada no mar Mediterrâneo. Até à última paragem, em Barcelona, havia ainda um dia inteiro de navegação e a programação prometia.

Pouco passava das 09h00 e, nas espreguiçadeiras, já havia quem aproveitasse o dia de céu limpo e calor. A 20 nós de velocidade e com uma ilha de ambos os bordos, cruzávamos o mar que separa a Córsega da Sardenha. «Pode falar em português», respondeu sorridente e em sotaque brasileiro Delia Paradeira, a empregada do pequeno-almoço. A trabalhar há seis meses no maior cruzeiro do mundo, onde convivem pessoas de dezenas de nacionalidades, voltou a praticar a língua portuguesa enquanto conversávamos.

«Conheci o meu noivo quando trabalhámos noutra companhia e conseguirmos estar aqui juntos é muito bom.» Nos últimos dois anos, Delia bem tentou encaminhar a vida no seu país, mas o futuro não era promissor. Resolveu então voltar à rotina dos cruzeiros, culpa da qualidade que encontra: «O que ganhava num mês no Brasil, aqui consigo em quatro dias.»

E quando achávamos que não nos iríamos cruzar com mais ninguém que partilhasse a língua portuguesa, eis que, literalmente, tropeçamos em Rúben Pereira: 29 anos, responsável por toda a operação do teatro principal. Depois de ter estudado Som e Imagem e trabalhado vários anos em Portugal como freelancer, procurava uma situação mais estável até que encontrou um anúncio no centro de emprego. «Candidatei-me e já lá vão quatro anos na empresa.» Não se vê a regressar profissionalmente a Portugal tão cedo: «Neste momento estamos a preparar o rinque de patinagem no gelo para o espetáculo Ice Games!. Trato de toda a equipa técnica e dos patinadores», conta-nos, contente e apressado para ir ajudar os colegas. De quatro em quatro meses vai a casa: «Vai ser bom», comenta, denunciando a saudade.

Estava nos nossos planos ir assistir ao espetáculo no Studio B, mas mais ainda depois de o ter conhecido. Valeu a pena pelo profissionalismo dos patinadores e pelos temas encenados. De igual qualidade foram os outros dois eventos a que assistimos. Um no AquaTheater, com acrobatas aquáticos, e outro no Amber Theater, com o espetáculo Blue Planet. Por aqui também passa o musical Mamma Mia!, da Broadway.

O Allure of the Seas tem 362 metros de comprimento e pode receber até oito mil pessoas, entre hóspedes e tripulação.

O dia de navegação ia passando sem se dar conta das horas. Há sempre mais um corredor por conhecer, um restaurante para experimentar, uma perspetiva diferente para espreitar o horizonte, uma descida no mais alto slide em alto mar (da altura de dez decks) e uma «ondinha» para surfar. Mesmo quem entra a bordo a pensar que já não tem idade para estas aventuras, quando dá por si está rendido às diversões, a fazer um joguinho de minigolfe em família ou a relembrar os tempos do basquetebol.

A grande novidade da Royal Caribbean International – inauguração marcada para maio de 2016 – é o Harmony of the Seas. E traz ainda mais aventura, com novidades como três escorregas a uma altura de três decks, um novo parque aquático, o bar Bionic com «empregados» robóticos capazes de misturar qualquer tipo de cocktails, dos clássicos às especialidades (e também os sem álcool) e uma experiência gastronómica cheia de fantasia no restaurante Wonderland – um autêntico Alice no País das Maravilhas.

O Harmony of the Seas vai passar a ser o maior navio de cruzeiro do mundo, mas não se imagine que o gigante cresceu muito mais: a diferença para o Allure é apenas quanto à arqueação bruta e um centímetro a mais de comprimento. A classe Oasis vai passar a ter uma frota de três monstros, ou «Ferraris» como os caraterizou Johnny Faevelen, numa ida à ponte do comando. Se há pessoa que se vê gostar do que faz é este comandante, a trabalhar há 40 anos para a empresa e no Allure of the Seas desde que foi inaugurado – há seis. Cresceu no circulo polar ártico, na Noruega, num barco de pesca com o pai e aos 18 anos candidatou-se a um trabalho no mar. «E aqui estou, na mesma empresa», exclama, sorridente, segurando a caneca de café.

A vista da ponte é impressionante e todos os equipamentos eletrónicos dão uma noção do nível elevado do navio que tem nas mãos. Para Faevelen, a grande motivação de estar ali, a comandar uma tripulação, a assumir a responsabilidade de ter a bordo oito mil pessoas, é essa mesmo: as pessoas e zelar pela sua segurança, enquanto convive com os convidados, com a tripulação e vive o dia-a-dia vibrante de uma cidade flutuante. «Se trabalhasse num navio de carga, seria completamente diferente. Adoro estar com os passageiros e ao mesmo tempo desenvolver a minha profissão, como marinheiro. E posso fazer tanta coisa, desde ir ao ginásio ou ao teatro.»

Depois de Barcelona, este navio de cruzeiro rumou às Caraíbas. O comandante norueguês ansiava pelo calor.

Admitiu que estava ansioso por desembarcar em Barcelona e, de seguida, rumar para onde está sempre calor. «Agora são duas semanas a navegar apontados à Florida, que aqui já começa a estar frio», ria-se a pensar nas próximas temporadas com escalas nas Bahamas, ilhas Virgens Americanas, Jamaica, México… Pelo menos até 2017 é o que está programado. Ficou prometida uma ida a Lisboa, lembrando que a entrada na cidade é espetacular e nunca o fez com o Allure of the Seas. «Não tenho é a certeza se conseguiremos passar por baixo da ponte…»


A bordo
O tudo incluído a bordo inclui refeições, atividades, espetáculos e festas temáticas. Partilha-se o navio com outros 6410 hóspedes e mais 3394 membros da tripulação. Todos os dias há programação variada e atividades de lazer para todas as idades.

Ir
O Allure of the Seas vai navegar nas Caraíbas durante as próximas temporadas, mas este itinerário será feito pelo Harmony of the Seas – o maior do mundo a ser lançado ao mar já em abril. A viagem inaugural parte de Barcelona a 7 de junho e tem escalas em Roma e Nápoles, até regressar à Catalunha, num programa de seis dias (preço por dia desde 113 euros por pessoa, em ocupação dupla e em pensão completa, com taxas incluídas). O itinerário completo parte de Barcelona e faz escalas em Palma de Maiorca, Marselha, La Spezia (Florença), Cevitavecchia (Roma) e Nápoles, regressando a Barcelona após oito dias de viagem. Isto com partidas de 12 de junho a 16 de outubro (desde 144 euros por pessoa, em ocupação dupla e pensão completa, com taxas incluídas).
royalcaribbean.pt

Texto de Nuno Mota Gomes - Fotografias de Leonardo Negrão/Global Imagens
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