Passageiro Frequente

Em 1998, entrei com timidez num barbeiro do Plateau, na Cidade da Praia. As conversas pararam e todos os olhares se viraram na minha direção. Continuei a avançar e, logo depois, foram retomadas as frases interrompidas. Preparava-me para passar pelo menos um ano em Cabo Verde e tinha de cortar o cabelo.
Nesse tempo, a minha principal referência a esse nível era o barbeiro da vila onde cresci: calendários de mulheres nuas na parede, montes de cabelo no chão, o cheiro da água de colónia muito alcoólica, o som das vozes e das gargalhadas dos homens. Em Cabo Verde, o barbeiro tinha bastante semelhanças, com a exceção do som do crioulo, da luz que entrava pela porta sempre aberta ou do preçário para os diferentes cortes, no qual «cabelo fino» era tão caro como «panque mercano» («punk americano»). Este era um corte artístico, da moda, bastante punk e trabalhoso, e «cabelo fino», fiquei a saber, era o meu cabelo. Em Cabo Verde, eu que sempre achara que tinha cabelo grosso, encaracolado e rebelde, aprendi que, afinal, por comparação, tinha cabelo fino.
Depois, foi irreversível, fiquei desperto para esse prazer: sempre que posso, corto o cabelo em viagem. Esta talvez seja uma das sugestões turísticas mais excêntricas que costumo dar, no entanto, tenho já um pequeno grupo de amigos a seguirem-na e a concordarem comigo. Normalmente, os guias não incluem estas informações, o que obriga a perguntar aos locais e, quase sempre, a estabelecer uma comunicação efetiva: aconselhar um barbeiro é matéria sensível. Para além disso, trata-se de uma experiência de submersão na realidade mais genuína do país que se estiver a visitar. Os barbeiros e cabeleireiros não são um lugar onde normalmente se receba turistas.

Esta talvez seja uma das sugestões turísticas mais excêntricas que costumo dar, no entanto, tenho já um pequeno grupo de amigos a seguirem-na e a concordarem comigo.

É claro que é necessário algum desprendimento. Tem de se estar preparado para sair com um penteado bastante diferente daquele que se idealizou. As possibilidades desse desencontro tornam-se muito evidentes no momento de explicar a forma como se quer o corte. Em Nova Iorque, vou sempre a um barbeiro de chineses numa ruela da Chinatown. Apesar de estarem ali no coração de Manhattan, dá-me ideia de que não sabem mais de meia dúzia de palavras inglesas. Ainda assim, explicando-me por gestos, saio sempre satisfeito, convencido de que, por cinco dólares, seria impossível encontrar melhor.
Também tenho lugar certo onde costumo cortar o cabelo no Rio de Janeiro, em Paris e em Barcelona. De certa forma, é como ter um restaurante preferido numa determinada cidade e voltar lá. Além desses, vou colecionando outros à medida das ocasiões. No ano passado, por exemplo, dei por mim a cortar o cabelo em Baucau, Timor-Leste.
Mãos a mexerem-me na cabeça: é um momento de intimidade que fica marcado nas memórias e nas lições desses lugares. Viajar também pode ser isto, principalmente se procuramos conhecer o outro.
Escrevo estas palavras em São Tomé. Cheguei ontem, mas já andei a fazer perguntas. Falaram-me numa tal Dona Nanda. Amanhã ou depois, vou lá conhecê-la.

Texto de José Luís Peixoto
Crónica da edição de fevereiro 2015 - n.º 244
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