Hotel Nacional

Há muitas cápsulas de tempo em Havana. Os bólides americanos dos anos 1950, as fachadas dos prédios, o sorriso das pessoas. Mas a maior delas é a própria cidade em si. Mesmo quem nunca viajou até à capital cubana, sabe que o passado aqui não é passado – é presente. Depois, há ainda uma experiência mais intemporal: o Hotel Nacional, um sumptuoso cinco estrelas, propriedade do governo, e que tem o título de monumento nacional. Aconteça o que acontecer – e muita coisa vai acontecer a este país nos próximos meses –, o tempo não passa por aqui. Essa é a ideia de um hotel impecavelmente conservado e que poderá igualmente ser uma pista de uma atitude cubana para o futuro: o orgulho.

Olhar para este edifício e absorver os seus valores simbólicos tem de ser cuidadosamente contextualizado. A melhor notícia é que já não é o recreio dos ricos em Havana, a sua aura vai muito para além disso. Talvez seja antes uma espécie de sala de visitas pública. Um local onde a tradição cubana encontra uma espécie de El Dorado não cumprido. O efeito pode ser desconcertante, um pouco como paradoxo de dois tempos que se cruzam, mas acaba por fazer sentido, não é ficção científica nem um grão na engrenagem do cosmos. Basta chegar à entrada e ser bem recebido pelos porteiros, tão cavalheiros como castiços, e percebemos que a partir desse momento o clima é outro. Entramos numa outra dimensão.

O charme do Hotel Nacional vê-se nas pequenas grandes coisas. Como no mojito que se pode beber na esplanada sobre o Malecón.

Antes da visita ou do check-in, o melhor é seguir em frente para o pátio. Aí está um pedaço de paraíso. Paraíso eterno para os que não estão com horas contadas e podem espojar-se naqueles sofás a céu descoberto e olhar para a baía. Lá à frente, à direita, está o Malecón, a marginal, e Havana Vieja. O tal paraíso eterno também reivindica um rum velho, apenas com duas pedras de gelo. Só isso e o mar à frente. Não vale fechar os olhos nem olhar para o lado, onde está sempre uma banda de salsa com uma menina ao lado a cantar o Guantanamera. Isso são distrações… Como também o gringo de charuto na boca que está no sofá ao lado e mete conversa com teorias acerca do estado de Fidel Castro. Nessa altura, os olhos fechados podem resultar. No break musical da banda residente avançamos até à falésia chamada Monte Vedado, onde se estendem os limites do hotel, mesmo por cima do paredão junto ao mar. É daqueles lugares que parecem feitos para um suspiro forte ou um acentuado respirar fundo. Ao fim da tarde, com aquele sorriso malandro do sol a pôr-se, a paisagem de Havana a falar com o mar deixa-nos a pensar numa beleza de um outro tempo, mas nesta altura já se percebeu que o tempo é equação irresolúvel. Nessa pequena ravina há uma tabuleta a avisar de perigo para o hóspede que queira testar os limites íngremes. Por acaso, é daqueles locais que nos faz pensar que nada ali é perigoso. Perder o medo com o fôlego da paisagem.

Leia a reportagem completa na edição de setembro.
Disponível em banca.

Texto de Rui Pedro Tendinha
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