Cuba Libre

O que muda, o que fica, o que visitar em Cuba depois do fim do embargo.

Havana não tem, por norma, um trânsito caótico, mas hoje é um dia especial. François Hollande está na cidade, a primeira visita de um chefe de Estado gaulês a Cuba. Há ruas cortadas, ouvem-se algumas buzinadelas, sobretudo vindas do nosso taxista. «Um rei dentro do carro e mesmo assim não nos deixam passar?» atira Juan Carlos. A capital está momentaneamente sitiada porque Cuba está em movimento. Já o Presidente francês tinha levantado voo em direção à ilha e ainda Raúl Castro andava a espalhar charme por esse mundo fora. Juan Carlos vai ao tablier buscar um exemplar do jornal Granma, órgão oficial do comité central do Partico Comunista de Cuba, para que fiquemos a par das notícias. Dois exemplares. Num deles Raúl aparece a cumprimentar o líder da Igreja Ortodoxa russa, lado a lado com presidente da Sérvia e ainda com um alto represente do regime nortecoreano.

«Se ele continuar assim voltarei a rezar e retorno à Igreja», disse Raúl Castro sobre o Papa Francisco. O chefe de Estado do Vaticano visita Cuba de 19 a 22 de setembro.

Encontros mantidos durante uma visita à Rússia, onde também se reuniu com Vladimir Putin. No outro exemplar está já em Itália, primeiro com Matteo Renzi, líder do executivo transalpino, depois a apertar a mão ao camarada Francisco. «Se ele continuar assim voltarei a rezar e retorno à Igreja», afirmou após o encontro com o Papa. Agradeceu-lhe pessoalmente o apoio dado na aproximação com os Estados Unidos e acertaram pormenores referentes à visita do Sumo Pontífice ao país, que se realiza este mês de setembro. Visita que passará posteriormente por Washington, Nova Iorque e Filadélfia. «Isto está mesmo a mudar, não está?», pergunto a Juan Carlos. «Está, mas não há nada a temer. Somos um povo abençoado», responde-me de imediato, humor cubano na ponta da língua.

Havana está diferente, Cuba está diferente, mesmo para quem, como eu, nunca tenha cá estado. Há qualquer coisa no ar, um futuro que ainda ninguém consegue agarrar e definir. Será o fim de uma era? A queda do regime? Ou «apenas» o progresso? A capital parada no tempo, cidade Património Mundial da Mundial pela UNESCO, museu a céu aberto com tanto de belo como de decadente, começa, pouco a pouco, a recuperar o tempo perdido; veem-se edifícios a ser reabilitados, ruas repavimentadas, o parque automóvel moderniza-se, a língua dos cubanos solta‑se. Pelo menos a de Juan Carlos. «O mundo mudou, temos de mudar também. Não podes abrir a iniciativa privada (o governo permitiu a criação de negócios próprios no final de 2010) e depois proibir que comprem um carro ou um telemóvel melhor».

Colombo chegou a Cuba em 1492. Reclamou o território para o reino de Espanha e assim foi até 1898.

Ele que trabalhou década e meia na Força Aérea – se bem que nunca tenha conseguido ser piloto de aviões, tal como sonhara – até ter percebido que ser taxista era o caminho mais direto para a felicidade. Está a juntar dinheiro para um táxi novo, um daqueles Chevrolet dos anos 1950 que fazem as delícias dos turistas. Um clássico, digo. «Não, não, não», corrige-me. «Para vocês são clássicos, para nós são velhos. Não é que não tenhamos orgulho neles, mas se ainda hoje existem foi por necessidade e não por prazer.» Automóveis que apesar de não possuírem os motores originais – na sua maioria substituídos por motorizações Kia ou Hyundai a gasóleo – podem chegar aos 25 mil dólares. «Somos tão bons mecânicos como dançarinos», diz, antes de inventar um buraco no trânsito que nos levaria ao coração da cidade.

Volta a Cuba em oito dias. Pouco mais de 24 horas foi o tempo que estivemos em Havana, quase sempre guiados por Juan Carlos. Uma semana, o tempo total que estivemos em território cubano. Sete dias passados dentro de um autocarro, integrados na FITCUBA (Feira Internacional de Turismo de Cuba), juntamente com 137 jornalistas oriundos de trinta países, que este ano se realizou em Cayo Coco. Tempo manifestamente curto para fazermos um retrato fiel de Cuba, sobretudo num momento histórico como este que se vive, ainda assim mais do que suficiente para perceber a real dimensão deste país.

Cuba é a maior ilha das Caraíbas e está apenas a 150 quilómetros de distância dos EUA. Havana, a capital, tem uma população de pouco mais de dois milhões de pessoas.

A feira cumpriu a sua 35ª edição, mas nunca a aposta no turismo terá sido tão forte como agora. Se o mundo está curioso com o que se passa em Cuba, as autoridades querem aproveitar a oportunidade para dar a conhecer as diferentes Cubas ao mundo. Mostrar que o país não é só Havana e Varadero, política e praia, ditadura ou democracia, uma espécie de resort socialista que todos querem ver antes que acabe. Afinal trata-se da maior ilha do Caribe, a décima sétima maior do planeta, com 110 861 km2, à frente da Islândia ou da Irlanda. Um país maior que Portugal. Daí terem «metido» os jornalistas em vários autocarros, uma bus trip de norte a sul do território. Uma viagem de Havana a Cayo Coco, ilha ligada ao continente por uma estrada de 27 km e parte integrante do arquipélago de Jardines del Rey, imortalizado na literatura por Ernest Hemingway no seu romance Ilhas na Corrente; de Cayo Coco a Santa Lucía, na província de Camagüey, praia com 21 km, areia branca e águas azul-turquesa protegidas por um longo recife de coral; de Santa Lucía a Guardalavaca, já no Sul da ilha, na província de Holguín, mais uma zona com vários resorts all inclusive que tenta também o seu lugar ao sol; pelo meio, uma antiga exploração de café e dois passeios de barco – um deles de catamarã, no mar, com direito a lagosta, música e animação quanto baste, o outro a bordo de uma lancha rápida, na Laguna La Redonda, a abrir caminho por entre fauna e flora tropical ao melhor estilo da Jamaica.

O turismo de natureza e náutico são duas das novas apostas. Há oito marinas internacionais, 40 centros de mergulho, 200 baías, 600 quilómetros de praias, 850 de barreiras de coral e, e, e… toda uma riqueza que os números dificilmente conseguirão mostrar. Nem numa viagem de autocarro.

A independência de Cuba deu-se em 1902. Meio século depois começou o período de ditadura com Fulgencio Batista.

Aqui e ali houve jornalistas incomodados, «não é assim, que se conhece um país» protestavam alguns, protestávamos também nós, perante os milhares de quilómetros realizados em tão poucos dias. Mais do que o cansaço acumulado era a impossibilidade de agarrar tantas paisagens, tantas histórias, que nos acicatava a curiosidade e alimentava o mau humor. Mais histórias como a de Juan Carlos e a de Reinier (Negro para os amigos e para os negócios), um agora pequeno empresário que conhecemos na praia de Guardalavaca, na província de Holguín. Ele que passou de táxi para cavalo. Assim que o país se abriu à iniciativa privada abandonou as bandeiradas e começou a dar aulas de equitação e a fazer passeios pela região. Também ele não se esquiva ao assunto do ano. «Ainda há pouco tive aqui um casal suíço que estava muito preocupado com o nosso futuro. Como vai ser quando os americanos chegarem? perguntavam-me. Vocês ainda estão mais ansiosos do que nós. Vamos recebê- ‑los como recebemos toda a gente. Com um sorriso. E muita música», conclui.

Texto de João Ferreira Oliveira - Fotografias de Jorge Amaral/Global Imagens
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