uando era criança, Maria Ramos imaginava-se numa espécie de postal. «A minha vida ia ser a viajar, independentemente da profissão que tivesse. Sonhava alto, via a minha família toda a despedir-se de mim, a dizer adeus, e eu a ir embora», recorda a sorrir. Eram devaneios de infância, mas não estavam longe da verdade. Maria cresceu, estudou, tornou-se bailarina, coreógrafa, traçou projetos e colecionou destinos. As partidas e chegadas sucessivas acabaram por tornar-se parte do seu modo de vida e, na realidade, nunca lhe foram estranhas.

Nascida em Oeiras, cresceu no barlavento algarvio, para onde os pais se mudaram e onde se descobriu artista. «Queria estudar dança, mas interessava-me sobretudo a dança contemporânea e saber mais sobre composição coreográfica. Não queria ser só bailaria no sentido de repetir movimentos, o objetivo era aprofundar a parte criativa e explorativa da coreografia, da dança.» Foi estudar para Lisboa, mas acabaria por terminar a licenciatura na cidade holandesa de Arnhem. Mudou-se em 1997, quando já tinham passado dez anos do início do programa Erasmus. A opção de fazer o curso todo no estrangeiro causou estranheza: afinal, não ia passar só seis meses ou um ano fora de casa para depois regressar. Nem pensou em desistir. Mesmo que na altura as viagens fossem um investimento bem maior do que hoje, vinha a Portugal com regularidade. Em simultâneo, e porque o trabalho artístico exige digressões e colaborações muitas vezes internacionais, era constantemente empurrada para fora de casa.

Maria Ramos (Fotografia de Leonardo Negrão/Global Imagens)

Passou quase dez anos na Holanda, sempre de malas feitas. Primeiro a estudar, depois a trabalhar, fez questão de conhecer o país que a acolheu, apreciar «a engenharia incrível que é roubar a terra ao mar», mas estava constantemente em viagem para dançar e coreografar noutras paragens. «Costumo dizer que vivi uma parte da minha vida ao longo do rio Reno», explica, porque foi nos países que o rio atravessa que desenvolveu a sua atividade, sem descurar as escapadinhas de lazer que conseguia quando a dança lhe dava margem.

«Costumo dizer que vivi uma parte da minha vida ao longo do rio Reno», explica Maria Ramos.

Passou pela Áustria, Suíça, Alemanha, França, mas também pela Bélgica, Eslováquia, Inglaterra, Escócia ou País de Gales. «Viajar aos fins de semana, entre trabalhos, para mim era fundamental.» Afinal, viria mais tarde a descobrir, era da natureza que lhe vinha a inspiração mais forte. Viajar em trabalho era exigência, mas soube transformar a obrigação em prazer e, ao longo dos anos, ir conciliando as artes com a descoberta de novos percursos, cidades diferentes e paisagens por explorar.

No Parque Nacional de Yosemite, nos EUA, onde Maria se rendeu às sequoias gigantes.

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Em 2002, lembra-se, teve a «sorte construída» de trabalhar com um coreógrafo cujo projeto a levou durante três meses para São Francisco, nos EUA. Ficou a viver na zona de Berkeley, numa espécie de turismo disfarçado que a fazia trabalhar com os locais durante a semana e apreciar-lhes a vida e os hábitos nos dias de folga. Como sempre, não quis ficar só na cidade – onde chegou a alugar uma bicicleta que pouco a ajudou nas subidas a pique das colinas urbanas, lembra a rir-se – e foi ao parque natural de Yosemite ver as sequoias gigantes. São Francisco deu-lhe saudades das colinas lisboetas, mas só regressou definitivamente a Portugal em 2009. Deixou a Holanda, onde volta pontualmente para dar aulas na escola onde estudou, fixou-se em Lisboa e continuou a viajar para trabalhar.

A primeira viagem em que conseguiu contornar o trabalho para ir apenas em missão turística foi à Islândia. Esteve na ilha com a mãe, que a desafiou dizendo que «precisava muito de ver um glaciar». Ao longo de 15 dias, exploraram os parques naturais e testemunharam a «imobilidade móvel» das enormes massas geladas. «Ao longe, parecem parados. À medida que nos aproximamos, começamos a ouvir os pedaços de gelo a caírem, percebemos que os glaciares não estão imóveis, estão em constante movimento.» A viagem marcou-a profundamente, mas só se apercebeu quando começou a trabalhar num novo projeto coreográfico e decidiu explorar o jogo dos corpos que parecem fixos mas se movem. Estava em residência artística em Buenos Aires, nova deslocação de trabalho com paragens para lazer.

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Na capital argentina, instalou-se por mais de um mês e aproveitou os fins de semana livres para calcorrear a cidade, com a ajuda de um mapa que ainda hoje guarda. Todos os dias ia a pé para a escola de artes que a recebeu, e na primeira semana todos os dias se perdia. «Parece ridículo, porque toda a gente me dizia que era fácil, por ser tudo tão plano. Comecei a achar que me perdia precisamente por causa disso, porque não tinha aquele castelo lá em cima ou a igreja lá em baixo. Era tudo igual!», desabafa. Porque, mais uma vez, estava em trabalho, não conseguiu visitar todos os pontos que lhe interessavam em solo argentino, mas já jurou que vai voltar e sem agenda profissional, para passar pela Patagónia.

As coreografias são paisagens em movimento e é da natureza, garante, que continua a retirar a inspiração: em setembro, começou a trabalhar na peça Árida, inspirada na sua visão do Mediterrâneo.

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Texto de Bárbara Cruz
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