Olho para o mapa que está à minha frente enquanto me preparo para começar a escrever este texto sobre Marrocos. Tenho o caderno de apontamentos aberto sobre a mesa. Os panfletos, os cartões-de-visita, as brochuras de hotéis e as faturas de refeições, retirados do fundo da mala, estão espalhados à volta do computador. De caneta na mão – e tampa entre os dentes – vou marcando o percurso efetuado de Tânger a Fez e daí para Marraquexe, o itinerário desta reportagem. O olhar escapa-se para vários pontos do mapa. É um país com 446 mil quilómetros quadrados de área, uma costa atlântica de mais de 2500 quilómetros de extensão e trezentos quilómetros à beira do mar Mediterrâneo. E depois há uma mancha branca onde quase não há linhas de estrada – o deserto – até às fronteiras com a Argélia e a Mauritânia.

Os nomes das cidades trazem-me recordações, episódios inesquecíveis, rostos de pessoas com quem me cruzei. Estreei-me em Marrocos em 1998. E voltei sempre que pude, em trabalho ou em férias, mas sempre com prazer. No total, são doze vezes, doze experiências sempre diferentes. Além de Portugal, é o país que mais bem conheço e também aquele onde me sinto mais à vontade, mais em casa. É por isso que escrevo este texto na primeira pessoa, contra aquilo que defendem os puristas do jornalismo. Este é o relato de uma viagem de uma semana entre Tânger, Fez e Marraquexe – três das cidades mais visitadas de Marrocos – com influências e conhecimentos de outras experiências. Porque não podia ser de outra forma. A uma hora de avião de Portugal há um país que, de tão diferente do nosso, chega a ser absurdamente parecido. Ou, como me disse um dia um velhote num mercado de peixe na zona oriental do país, «nós e vocês somos os amigos mais antigos».

Separados à nascença
Em linha reta, a capital mais próxima de Rabat é Lisboa. Descobrir Marrocos é quase como descobrir aquele irmão mais velho que vive fora. É um regresso a casa, às memórias de outros tempos.

Muitas vezes vista apenas como um ponto de passagem, a cidade é uma boa surpresa. Tem o caos das grandes metrópoles, a vida tranquila junto ao mar e uma aura de mistério que não lhe sai da pele. A ver pela sua história, parece ter sete vidas.

Tânger nunca foi a minha primeira escolha para passar férias. Claramente por preconceito e por ter quase sempre outros objetivos em mente quando fiz a travessia de barco desde Tarifa ou Algeciras. Desta vez estava disposto a dar uma oportunidade à maior cidade do Norte de Marrocos. Afinal, alguma coisa de interessante deveria ter um aglomerado com cerca de um milhão de habitantes. E ainda bem que a reportagem começou por aqui.

Tânger tem uma aura de mistério que não vem de hoje. Desde o século v a.C. foram muitos os povos que deixaram as suas marcas neste ponto de entrada no Mediterrâneo, como cartagineses, romanos, portugueses ou espanhóis. Espanha está a catorze quilómetros de distância, separada pelo estreito de Gibraltar, e nos anos 1920 a cidade foi porto de abrigo – e protetorado internacional – para espiões, artistas, diplomatas ou negociantes das mais variadas áreas. No dia em que Paris foi ocupada pelo exército alemão (14 de junho de 1940), Espanha passou a tomar conta da cidade e só em 1956 Tânger – e Marrocos – conquistou a independência.

Seguindo os passos de Paul Bowles, Henri Matisse ou Alfred Hitchcock, descobrem-se as esplanadas dos cafés históricos, as vistas de mar, a medina ou o casario branco nas colinas.
Esta é uma boa cidade para nos perdermos.

E é seguindo os passos dos escritores Paul Bowles, Tennessee Williams e Jack Kerouac, dos pintores Henri Matisse e Eugène Delacroix, da atriz Rita Hayworth ou do realizador Alfred Hitchcock que vou descobrindo as esplanadas dos cafés históricos, as vistas de mar, a medina ou o inspirador casario branco nas colinas, hoje sobrelotadas. Esta é uma boa cidade para nos perdermos. E nos descobrirmos, por exemplo, na esplanada do Café Hafa. A vista para o estreito desde o penhasco é convidativa, como o chá quente de menta que está sempre presente por onde quer se que se ande. O café abriu em 1921, tem a entrada numa rua estreita que parece levar a lado algum, mas é pura ilusão. Leva-nos a momentos únicos de mar azul, vozes e odores fumados que chegam de outras mesas.

Nos jardins da Mendoubia, bem perto da tradicional área comercial, as famílias sentam-se na relva ou nos bancos de pedra. Esperam não se sabe bem o quê, aguardam pelo fim do dia, pelos filhos que saem da escola, por amigos que chegam ou deixam apenas o tempo correr. Têm por companhia cães vadios e lajes de mármore que cobrem corpos enterrados há muitas dezenas, mais de uma centena, de anos. É um velho cemitério no centro da cidade, com nomes estrangeiros entre os desaparecidos. Não é causa de espanto ou de repulsa, é a herança histórica da cidade que se vai mantendo enquanto alguns miúdos jogam à bola entre as árvores e os degraus de pedra que levam à paragem dos táxis.

Na Praça do Gran Socco está o mercado mais concorrido de Tânger, com tudo aquilo que pode ser necessário à vida quotidiana. É aqui também que se descobrem os artesãos do metal, as joias que não passam de moda, as especiarias ou as camisolas com os nomes dos jogadores de futebol mais famosos do planeta. Sim, Cristiano Ronaldo está entre os preferidos e é tema para quebrar qualquer gelo – pouco – que possa surgir.

Vida agitada
Ir às compras é uma experiência que vale a pena numa cidade como Tânger. Há de tudo, para todos, principalmente na Praça do Gran Socco. E há sempre tempo para um chá quente de menta numa qualquer esplanada.

À volta da cidade é impossível fugir ao cabo Espartel, o ponto mais a norte do continente africano. O farol que o domina não é uma obra de engenharia que me deixe de boca aberta, mas as grutas de Hércules, essas sim, já não me deixam indiferente. Na maior delas, o recorte da pedra deixa uma vista de mar que se assemelha ao mapa de África. Talvez uma recordação deixada pelo próprio Hércules, que, segundo a mitologia, terá aqui descansado depois de escavar o estreito de Gibraltar, onde hoje circulam mais de cinquenta mil embarcações por ano.

Com tal trabalho, bem mereceu o filho de Zeus um repouso que hoje dificilmente teria, tal a quantidade de vendedores ambulantes nas proximidades e no interior das próprias grutas. A praia de Achakar, mesmo ali ao lado, ajuda a completar um dia de visita que se revelou uma boa surpresa. Na próxima vez, Tânger não será apenas um ponto de passagem.

Hotel El Minzah
Construído em 1930, mantém a aura de outros tempos. Tem 140 quartos, um pátio interior acolhedor, área exterior convidativa e uma história de se lhe tirar o chapéu. Percorra os corredores e descubra fotografias dos famosos que aqui pernoitaram.
Rue de la Liberté, 85 I
Tel.: (+212) 539 333 444
Quarto duplo a partir de 100 euros por noite
elminzahleroyal.com

Acompanhe a continuação da viagem em
Chefchaouen e Fez

visitmorocco.com

Texto de Ricardo Santos - Fotografias de Adelino Meireles/Global Imagens
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