Ano de 1883. Julija Primic, jovem filha de uma família abastada, conhece o poeta France Prešeren que por todas as suas delicadezas cai de amores. Fá-la sua musa durante anos, mas são-lhe negados os pedidos de casamento. Primic cede ao poder do dinheiro sem nunca ter experimentado a paixão da poesia. Esta é uma história verdadeira, passada em Liubliana, igual a tantas outras de amores desencontrados. Mas lembrá-la enquanto se acompanha o rio Liublianica, que cruza a cidade, dá-lhe a intensidade histórica única.

O curso de água é a veia romântica de Liubliana: ele traça-lhe a expressão de sonhadora. Contudo, a Eslovénia, com cerca de dois milhões de habitantes, na Comunidade Europeia desde 2004, não escapa à fúria económica. Conversar sobre o futuro com a camada jovem é revisitar o discurso que tantas vezes se ouve em Portugal: falta trabalho, falta dinheiro. Ano de 2013. Cedemos à poesia de uma cidade, cujo pulsante coração nos cabe na palma de uma mão e bate mais forte do que o tilintar das moedas no bolso.

Seria mentira afirmar que as rotas turísticas ainda não passam por Liubliana. Passam. A cidade há muito foi descoberta, sobretudo por europeus, e é destino procurado para viagens curtas, de fim de semana. Há muitos turistas, mas a verdade é que mal se dá por eles. Porquê? Porque os habitantes parecem, eles próprios, visitantes. Vivem a cidade com o vagar e a boa disposição de quem está de férias, passeiam pelos parques, enchem as esplanadas, encontram-se nos bares… De início, é até estranho aos olhos, viciados de stress, de quem vive noutras capitais europeias, maiores e mais densas. Os cenários de descontração que se encontram pela cidade lançam ao cérebro a pergunta: «Mas as pessoas não trabalham?» São precisas umas horas de observação e meia dúzia de conversas para que a resposta surja clara. Sim, as pessoas trabalham, mas usufruem das horas livres na rua.

Como o rio Liublianica que divide a cidade – de um lado, a parte antiga e o acesso ao castelo, do outro a parte comercial e política – também elas parecem dividir lazer e trabalho, colocando cada um em margens opostas… e a isto se chama sabedoria! A esta natural forma de estar acresce o facto de Liubliana ser habitada por mais de cinquenta mil estudantes, ingrediente principal do seu elixir da juventude. Mas ninguém se atropela até porque comparada, por exemplo, com Lisboa, a capital da Eslovénia é três vezes maior, em área, mas tem metade da população.

Uma cidade fora do mainstream
Há o precioso espaço para admirar todas as diferenças que a sua alma de poeta consegue conciliar. Em torno da cidade, onde na Segunda Guerra Mundial se ergueu arame farpado, contam-se hoje milhares de árvores que demarcam um circuito com 33 quilómetros, onde se encontram painéis informativos, mapas e uma centena de memoriais, de pedra, colocados onde outrora estiveram bunkers. Por este Anel Verde (Zeleni Prstan), como é chamado, passeia-se de bicicleta e caminha-se de mãos dadas. A vontade de transformar um passado oprimido em presente libertador não é mera intenção.

No verão é comum o Liublianica ser utilizado pelos habitantes da capital para a prática de desporto. Os mais sedentários têm à sua disposição passeios turísticos de barco.

De facto, ela materializa-se em vários lugares da cidade. Se do arame farpado nasceram árvores, de quartéis nasceram espaços culturais; foi o que aconteceu com vários dos que existiam no centro. Verdade seja dita, este complexo artístico, de nome Metelkova, acabou por desenvolver-se à revelia das autoridades, mas com o apoio civil. A história é longa, mas resume-se assim: um grupo de cidadãos ocupou o espaço que compreende cerca de sete edifícios e criou uma comunidade alternativa que designa por Zona Autónoma de Cultura. Os edifícios foram encomendados para servir os desígnios do exército austro-húngaro, em 1882, mas só viriam a ser concluídos em 1911.

Deles serviram-se a Jugoslávia – em diferentes períodos entre o final da Primeira Grande Guerra e 1991 – e a Alemanha nazi. Conhecer a história e ver no que o lugar se tornou é como admirar um retrato do caráter de Liubliana. Hoje, além de um hostel, o Celica, instalado na antiga prisão, Metelkova reúne várias galerias, estúdios de artistas, espaços para música ao vivo e outras atividades, todas elas abertas ao público, instalações de ONG…
O antigo complexo militar é conhecido por «Bairro dos Museus». É uma espécie de cidade alternativa dentro da cidade capital. Mas a Zona Autónoma de Cultura não é a única opção ao mainstream. Desde 2003, depois de ter sido o primeiro cinema de Liubliana e posteriormente se ter direcionado para o cinema erótico, é inaugurado o Kinodvor; mantém-se na mesma área de atuação, mas agora apresenta cinema independente europeu reservando ainda espaço para exposições, um bistro e mediateca.

Uma lição sobre património
Se, por um lado, grupos de artistas tomam a iniciativa de agitar a cena cultural de Liubliana, abrindo as portas a festivais e performances dirigidos, muitos deles, a minorias, por outro, o poder político zela pelo edificado existente e tenta preservar a ala clássica da arte. No ano passado, foram investidos mais de quarenta milhões de euros no restauro do centenário Teatro Nacional, Ópera e Ballet; a programação não é muito variada, mas é assídua e os bilhetes podem ser comprados online em mojekarte.si a partir de dez euros. Não será excessivo dizer que em Liubliana a arte é democrática, o que dificilmente se verifica noutras capitais europeias onde o preço de um bilhete para teatro, ballet ou ópera equivale a uma machadada dolorosa no orçamento da viagem.

Jovem e descontraída, a capital eslovena renova-se a cada novo entardecer, altura em que as muitas esplanadas espalhadas pela cidade se enchem de locais e de visitantes, numa mistura que a faz pulsar de vida.

O mesmo acontece nos tantos museus da cidade, que mais do que exposições oferecem toda uma envolvente digna de visita. É o caso do Tivoli, um pulmão com cerca de cinco quilómetros quadrados bem cuidados, projetado em 1813 pelo francês Jean Blanchard. Trata-se do maior parque da capital, povoado de árvores frondosas, fontes, lago e monumentos, entre os quais o edifício, de 1755, do Museu Nacional de História Contemporânea que dá a conhecer parte do percurso da Eslovénia pertencente ao império austro-húngaro, os efeitos das duas Grandes Guerras sobre o país, os anos em que integrou a ex-Jugoslávia até à declaração da independência, em 1991, com a desintegração da Jugoslávia.

Ainda em Tivoli, surpreende a biblioteca pública que convida a leituras tranquilas, à sombra das árvores do parque, de livros, jornais e revistas de vários estilos sobre o país e a sua capital. Um dos ex-líbris do Tivoli, talvez dos mais afamados, é a Jakopič Promenade que atravessa o parque. É dos mais conhecidos não só pela sua beleza e função – uma espécie de galeria ao livre com exposições de fotografias de grande formato – mas porque foi desenhado por um dos mais queridos filhos da terra, Jože Plečnik Arquiteto nascido em Liubliana (1872-1957), deixou marcas por toda a cidade.

Viveu na Áustria – onde estudou com o professor Otto Wagner, considerado um dos arquitetos mais importantes do início do século XX –, e em Praga, onde assinou a renovação do castelo e jardins envolventes. Plečnik é um nome incontornável em qualquer visita guiada por Liubliana, não fossem de sua autoria vários dos principais pontos de interesse, como a Biblioteca Nacional, o mercado, as margens do Liublianica, a Ponte Triple… Na verdade, contas feitas, são três estruturas que unem o que o rio separa: a Praça (do poeta) Prešeren e a cidade velha onde se instala, no topo, o castelo. À ponte principal, o traço de Plečnik adicionou outras duas, pedestres, nas laterais.

Há uma parte da cidade interdita ao trânsito. Todos andam a pé, muitos sobre duas rodas, ao estilo de Amesterdão, outros preferem ver andar, admirar a vida acontecer como uma peça de teatro «e ficar olhando as saias de quem vive pelas praias, coloridas pelo sol». Esta frase da música de Chico Buarque (Com Açúcar, com Afeto) poderia passar como banda sonora. No verão, a inibição tem poucos metros de comprimento e largura: não são raras as vezes em que pelo rio planam pranchas de surf, como se fossem barcos de passeio, lideradas por jovens que as conduzem a remo…

A cidade é de quem a habita e para se sentir esta forma de estar em jeito de manifesto, para se viver esta atmosfera, descontraída mas ordenada, nada como intervalar os passeios com longas pausas nas esplanadas. Para uma ideia geral da cidade, há que subir ao castelo, onde dormiu Napoleão.
E de bar em bar, restaurante em restaurante, descobre-se que Liubliana também inova e se atualiza no mundo dos pratos e copos. Há vários produtores de vinhos na Eslovénia e todos podem ser testados nos bares da especialidade, como o Dvorni Bar (dvornibar.net), que fica mesmo na praça que lhe empresta o nome. Daqui, é partir à descoberta da gastronomia de um país que, apesar de muito influenciado pelos vizinhos italianos, austríacos, húngaros e croatas, apresenta doses de criatividade bem empratada.

Bled: o lago retirado de um romance
Entre as casas produtoras de vinho destaca-se a Guerila, cujo grito ecoa assim: «A nossa ambição não é governar o mundo (…) preferimos admirar o pôr do Sol.» Levando o mesmo desejo alcança-se um refrescante mergulho numa paisagem idílica, sobretudo se o Sol, antes de se pôr, brilhar vigoroso. O lago Bled fica apenas a uma hora de caminho (de autocarro) a partir de Liubliana. Vale muito a pena fazer uma pausa da capital se o destino for este espelho de água de cortar a respiração. Tendo em conta a curta distância, é possível ir e voltar no mesmo dia, mas para quem quiser estender o passeio há bons hotéis onde pernoitar. O site bled.si reúne grande parte da oferta de alojamento da região, disperso entre Bled e vilas e cidades próximas, desde hotéis a pequenas quintas no meio da natureza.

Fora de portas, o lago Bled merece ser incluído num roteiro de viagem por Liubliana.
Não só pela sua beleza e muito que fazer (e ver), mas também por se encontrar a apenas uma hora de carro da capital.

Todo o cenário parece tirado de um romance de época. A água reflete a imagem de um pequeno barco de madeira, ela sentada numa ponta, segurando a sua sombrinha rendilhada, e ele na outra, lendo em voz alta, provavelmente uma história de amor, enquanto os remos ficam largados libertando a embarcação de um qualquer destino. O tempo volta para trás. Ou pode mesmo parar!
Um cordão verde de pinheiros, abetos e salgueiros circunda o lago, habitat de pássaros e de uma igreja que flutua sobre a água. Bled tem ainda um castelo do século XI, mas é de facto o lago com a sua pequena ilha cristã que arrebata. E se nem toda a força de pernas ficou na capital, então avança-se para um passeio pelos trilhos da manta verde mesmo ali, à espera de serem calcorreados.

A não perder

Para passeios de bicicleta: ljubljanabiketour.com
Castelo de Liubliana: ljubljanskigrad.si
Zona Autónoma de Cultura: metelkovamesto.org
Teatro Nacional, Ópera e Ballet: opera.si
Museu Nacional de História Contemporânea: muzej-nz.si
Kinodvor (cinema independente): kinodvor.org
Biblioteca sob as árvores, ao ar livre, no Parque Tivoli: knjiznicapodkrosnjami.si
Para introdução aos vinhos: slovenianpremiumwines.com
Lago Bled: led.si

slovenia.info

Texto de Petra Alves - Fotografias de Constantino Leite
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