Gisela é uma mulher cuja idade ronda os 70 anos. Transporta no seu olhar, para além da fé, que a faz deslocar-se de tão longe, uma força de viver contagiante. Habituada a viajar por todo o mundo – pois já percorreu quase uma centena de países –, Gisela resolveu de novo integrar-se, pela décima vez, num grupo de oração de portugueses que se deslocou na semana da Páscoa ao Santuário Mariano de Medugorje, uma pequena vila da Bósnia e Herzegovina.

Gisela já não se interessa por outra coisa a não ser rezar. E, no final, comprar dezenas de rosários e imagens religiosas. Para além de encher dois garrafões, de plástico, com água benzida pelos videntes que transporta para Lisboa: «Esta água toda, não sei como a vou conseguir passar no aeroporto», diz em segredo.

Vicka, uma das videntes, aparece todos os dias aos peregrinos. Medugorje não para de crescer. Também os portugueses lá vão.

O grupo, que rondava as 30 pessoas, era bastante heterogéneo. Acompanhava-o António Benito, da agência Grandevasion, um especialista em turismo religioso, e não só. Composto principalmente por mulheres, o grupo integrava, para além de Gisela, pessoas de todas as profissões: duas médicas, uma enfermeira, professoras, duas advogadas, três jovens estudantes, etc. Quase todos repetentes nestas viagens.

Mas a personagem mais surpreendente do grupo foi o padre Manuel Vieira – que perfez, em Maio, a bonita idade de 93 anos –, oriundo de uma paróquia de Setúbal e o guia espiritual desta viagem, que, apesar de se deslocar numa cadeira de rodas, revelou- se uma das pessoas mais dinâmicas do conjunto dos viajantes, tanto física como intelectualmente.

A viagem desde Lisboa demorou todo o dia. Após chegada por via aérea à Croácia, Zagrebe, o longo caminho continuou, agora de autocarro, por mais de seis horas, até ao destino na vila de Medugorje, na Bósnia e Herzegovina.
Uma longa jornada que durou para além da hora de jantar.
Mas o que leva estes peregrinos a paragens tão distantes? O que faz que mais de dois milhões por ano visitem o local? O que é Medugorje?
Recuemos aos anos 80 do século XX, exatamente ao dia 24 de junho de 1981, dia de São João, que colocou no mapa do mundo religioso esta pequena vila, então integrada na República Socialista da Jugoslávia, liderada pelo marechal Tito. Nesse dia, ou melhor, no fim do dia, às 17 horas e 40 minutos, seis jovens, Ivanka, Mirjana, Vicka, Ivan, Marija e Jakov, que ali viviam – na época um pequeno lugar com meia dúzia de habitações –, foram testemunhas de alegadas aparições de Nossa Senhora que lhes transmitiu, segundo as suas palavras, uma mensagem, fazendo surgir no céu a palavra MIR, que em croata significa paz. Os seis jovens transmitiram às autoridades eclesiásticas (e políticas) da época que «uma senhora muito bonita» lhes transmitiu ser a «Rainha da Paz». A notícia da ocorrência não foi muito bem aceite nem pela Igreja nem pelo regime de Tito.

Desde então, até aos dias de hoje, sem que a Igreja Católica ainda tenha reconhecido o local como terra de milagres – como aliás Fátima acabou por sê-lo.

A ponte de Mostar foi um dos símbolos na Guerra dos Balcãs.

Medugorje não tem parado de crescer na fé dos muitos milhões que já por ali passaram. Todos os dias uma das videntes, Vicka, aparece aos peregrinos após ter sido visitada pela Senhora de Medugorje, transmitindo a mensagem da Virgem. Para além disso, todos os dias 2 de cada mês Mirjana faz acorrer ao local chamado Podbrdo milhares para ouvirem a mensagem da Virgem lida por ela aos peregrinos. Era Quinta-Feira Santa, dia 2 de Abril, e pudemos (esperávamos) testemunhar uma dessas ocorrências tão esperadas pelos peregrinos.

Por volta das quatro horas da madrugada, com uma temperatura a rondar os quatro graus negativos, começaram a afluir ao monte – junto a uma enorme cruz pintada de um azul celestial – milhares de pessoas provenientes de todas as partes do mundo, que ali chegavam a pé ou alugando um dos muitos táxis, que não se cansavam de andar de cá para lá, aproveitando o momento para fazer mais uns (muitos) euros. Ali vimos muitos norte-americanos, italianos, alemães, franceses, portugueses e, claro, croatas. Às oito horas da manhã, ao longo da encosta pedregosa, já todos os espaços do sítio estavam repletos de gente. O local, de difícil acesso, não inibiu nenhum daqueles que, aos milhares, ali se deslocaram para a anunciada leitura da mensagem da Virgem. Mas, por volta das sete horas, veio a frustrante notícia.

A 24 de junho de 1981, seis jovens – Ivanka, Mirjana, Vicka, Ivan, Marija e Jakov – colocaram Medugorje no mapa. Foi o dia das aparições.

«A vidente Mirjana não estaria presente por se encontrar doente.» Facto que não demoveu daquele lugar a multidão, já enregelada pela (paciente) espera, que já durava desde que o Sol ainda não havia chegado. Ainda assim, no final, ninguém saiu defraudado, pois a presença da vidente foi substituída por um homem e uma mulher. Que – à vez – comunicaram a mensagem da santa, lida em italiano (pela mulher) e num perfeito inglês pelo homem. O ambiente suscitado pelas leituras, feitas num cenário perfeito, que fazia lembrar as cenas bíblicas vistas no filme Ben-Hur, causou grande impacto na multidão que se ia espalhando, ajoelhada a rezar, pelo monte acima. O Sol, que entretanto havia surgido, juntou-se, generoso, à cerimónia, criando uma atmosfera irreal.

Medugorje, que em cirílico sérvio significa «no meio dos montes», está implantada num vale rodeado de montanhas cobertas por mantos de neve, dando-nos a observar um ambiente de rara beleza. O crescimento da vila é notório, tanto em residências privadas como na proliferação de hotéis. Aqui há cinco anos havia apenas uma dúzia de pensões, hoje são mais de vinte os hotéis que vão de uma até às cinco estrelas. Curiosamente, um tipo de crescimento idêntico ao de Fátima, com uma incidência no comércio religioso, tão asfixiantemente comercial como o da sua congénere portuguesa. O local, sob o ponto de vista da direção religiosa, está a cargo dos padres franciscanos, à frente dos quais está D. Ratko Peric, bispo da diocese de Mostar.

Apesar dos 34 anos decorridos após o primeiro dia em que as crianças disseram ter visto a Virgem Maria em Medugorje, e lhe terem sido atribuídos alguns milagres, o cardeal português José Saraiva Martins, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, em declarações recentes disse que «o Papa Francisco tem a última palavra sobre este caso». Mas, enquanto o Vaticano estuda o caso e a sua veracidade, o que é verdadeiro é que todos os dias ali chegam milhares de crentes vindos de todas as partes do mundo.

 

O senhor fotografia
Rui Ochôa

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