Viseu tem bom feitio e ao apresentar-se tão maneirinha quanto altiva, na sua nobreza medieval, é capaz de ser uma cidade perfeita: a uma distância amiga das pernas, nos caminhos do centro histórico, há património e museus, lojas, recantos e vistas de encher a alma, e ainda lugares onde se come e bebe à moda do Dão. Isto é, consoladamente e sem gastar além do que é razoável. Recentemente, uma movida de novos negócios de petiscos e vinhos e ainda o aparecimento de novas formas de conhecer um passado de grande valor histórico e arqueológico acrescentaram-lhe virtudes.

Soma-se a isto uma certa inquietação criativa – parece estar sempre qualquer coisa a acontecer em Viseu, seja o festival de verão de arte urbana Jardins Efémeros seja a grande romaria que é a Feira de São Mateus, eventos ligados ao vinho e à cultura, ou ainda festas mais singelas, como a do Míscaro e da Castanha.

Há algo de magnético em Viseu, e andando por ela algum tempo percebe-se que tem que ver com o facto de a cidade amar a sua herança e de a conseguir reinventar, com uma tranquilidade que nada tem de placidez, antes é um bom sinal de que se pode ser cosmopolita sem o stress das grandes cidades. E que não há qualquer mal em avançar devagar. Na Rua Direita, bom ponto de partida para um centro histórico pequeno a parecer de bonecas, respira-se esse encanto pitoresco de um lugar que se manteve em estado prévio à globalização. As muitas lojas de utilidades, com a sua parafernália de objetos e marcas antigas, são tão curiosas pelo seu anacronismo como deliciosas para uma fotografia no Instagram.

Indo por ali, há que passar pela antiga sapataria Custódio Domingos (nº 69) que, depois de revirada por um artista durante uma edição dos Jardins Efémeros, decidiu pôr na montra sapatos de muitas cores que foram ficando em stock desde meados do século passado. Os modelos parecem saídos de um desfile de moda muito ousado – ou do armário de uma senhora graciosa e vetusta. Há surpresas destas em Viseu, onde se pode ir erguendo os olhos das montras para as paredes de pedra, pontuadas por janelas manuelinas. E, também por herança das intervenções artísticas recentes, se pode dar de caras com intervenções de arte urbana ao lado de muralhas com muitos séculos, como é o caso do mural de Mariana, a Miserável sobre o Dão, junto à Porta de Soar.

E ao passar da Rua Direita à Porta de Soar, na outra banda da colina onde fica a Sé, não estamos a dispersar-nos, porque tudo ali fica pertinho e todos os caminhos vão dar a ela. Tome-se por exemplo a Travessa das Escadinhas da Sé, um pique de degraus de pedra como o nome indica, que nos leva às traseiras da catedral, ali assente em enormes costas de pedra bruta, e onde se encontra um bom exemplo daquilo que Viseu é hoje: uma mistura entre um antigo autêntico, consolidado, e um empreendedorismo fresco,  orientado por princípios de sustentabilidade e economia local, flexível e atento às tendências mais urbanas.

Há algo de magnético em Viseu, e andando por ela algum tempo percebe-se que tem que ver com o facto de a cidade amar a sua herança e de conseguir reinventá-la.

Nesse Largo de São Teotónio estão dois exemplos face a face – a loja daquele que é considerado o último latoeiro de Viseu
e ainda a indústria de saboaria artesanal, que faz parte de um projeto de conservação de produtos locais mais abrangente, a Só Sabão. Bem perto, pelas ruas em redor da Sé, há pelo menos mais duas lojas onde vale a pena entrar. A Anda Ver Viseu e a Cem Reis abriram há poucos meses, ambas com a intenção de preencher um vazio na oferta de artigos de origem beirã, criados e produzidos na região, aplicando o saber-fazer tradicional a estéticas e usos contemporâneos.

Na Cem Reis, a escassa iconografia do líder dos lusitanos foi resolvida por iniciativa de Carla Oliveira, que desenhou e mandou fazer aquele que será provavelmente o primeiro Viriato para brincar – um boneco de pano, com sobrolho franzido, rodeado de alguns dos seus guerreiros. Além desta inovação, Carla recheou a sua loja de preciosidades do artesanato local, como capas de burel, linho bordado, cobertores de papa, e tem criado, ela mesma, coleções de joias e bonecos que remetem para lendas locais.

E na Anda Ver Viseu, além de peças de moda e artigos gourmet, o casal Cláudia Antunes e Jorge Amaral proporciona aos visitantes uma forma alternativa e bem divertida de passear no centro histórico, em trotinetes elétricas Trikke, com possibilidade de visitas guiadas por Jorge (5/8 euros, 30 min./1 hora).

Outros jovens, alguns deles de regresso a Viseu depois de alguns anos fora em estudos ou em trabalho, abriram novos espaços de comida e petiscos como o Dux Palace, a Tasquinha da Sé e o Maria Xica. São espaços que, sem competir com as casas tradicionais onde as travessas fumegam de cozido à moda de Viseu e o Dão espuma em canecas de barro, criaram novos lugares de alma mais ibérica e informal, onde se pratica a cultura do tapear e se reinventam receitas tradicionais dentro do robusto espírito beirão de servir com caráter. E com o sorriso que Viseu parece ter sempre na sua cara de granito.

Visitar

Neverending. Viseu com outros olhos
Se hoje se sabe o nome romano de Viseu, Vissaium, é graças ao arqueólogo Pedro Sobral, que, há cinco anos, encontrou a ara de um altar onde estava inscrita essa palavra mágica, em escavações durante a obra do funicular. Pedro e a mulher, Fátima Costa, também ela arqueóloga, decidiram recentemente transformar todo o seu conhecimento acumulado num produto cultural interessante. Nasceu assim a Neverending Turismo Temático, que propõe quatro tours urbanos para quem se interessa por um turismo mais suculento e gosta de escutar histórias e de se fazer ao caminho: «Viseu no tempo dos muçulmanos», «De Vissaium a Viseu – A história da cidade», «No tempo das catedrais – A Sé de Viseu» e «Madeira e Ouro – A opulência da arte religiosa» são as visitas disponíveis.
Rua D. Duarte, 55-57
Tel.: 232488597
Web: neverending.pt

Comprar

Anda Ver Viseu
Rua Grão Vasco, 14
Tel.: 232099741
Web: facebook.com/andaverviseu

Cem Reis
Rua Augusta Cruz, 26
Tel.: 232381158

Só Sabão
Largo de São Teotónio, 30
Tel.: 232458450
Web: sosabao.pt

Comer e Beber

Dux Palace
Rua Paulo Emílio, 12
Tel.: 963004817
Web: facebook.com/duxpalaceviseu
Até às 00h00; sexta e sábado, até às 02h00. Encerra à segunda e sábado ao almoço
Preço médio: 18 euros (menu de almoço, 7 euros)

Maria Xica
Rua Chão do Mestre
Tel.: 232435391
Web: facebook.com/maria.xica.viseu
Das 11h30 às 15h00 e das 19h30 às 01h00; sexta e sábado, bar até às 04h00. Encerra à segunda
Preço médio: 15/20 euros (bar de petiscos/restaurante)

Tasquinha da Sé
Rua Augusto Hilário, 60-62
Tel.: 964209802
Web: facebook.com/tasquinhadase
Das 12h00 às 23h00; sexta e sábado, até às 02h00
Preço médio: 12 euros (menu do dia, 5 euros)

Ficar

Hotel Palácio dos Melos
O hotel foi construído há oito anos pelo Grupo Visabeira num edifício histórico do século XIV, embutido na muralha afonsina. À noite, a esplanada transforma-se num bar muito apelativo.
Rua Chão do Mestre, 4
Tel.: 232439290
Web: hotelpalaciodosmelos.pt
Quarto duplo a partir de 57 euros por noite (inclui pequeno-almoço)

Casa da Sé
É um hotel de charme, num edifício recuperado do século XVIII, junto à Praça D. Duarte – como um miradouro sobre o centro histórico – e resultou da persistência de um antiquário apaixonado pela região.
Rua Augusta Cruz, 12
Tel.: 232468032
Web: facebook.com/casadase
Quarto duplo a partir de 85 euros por noite (inclui pequenoalmoço)

Texto de Dora Mota - Fotografias de Pedro Granadeiro/Global Imagens
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