«Pela primeira vez na história do Guincho, não vai haver foie gras na carta», começa por dizer, com um ar ligeiramente provocador, Miguel Rocha Vieira. O chef, que estava há 17 anos fora de Portugal, com passagem por vários restaurantes estrelados (o Costes, em Budapeste, deu-lhe notoriedade), chegou à Fortaleza em agosto, mas só agora, desde finais de novembro, está a mostrar ao que veio – o foie é só um detalhe, não pequeno, mas um detalhe.

«Foram anos muito bons, mas agora é tempo de virar a página», confirma Petra Sauer, diretora deste Relais & Châteaux com uma estrela Michelin desde 2001. A saída de Vincent Farges em julho, que dera seguimento à proposta inicial de alta cozinha francesa desenhada por Antoine Westermann, ex-consultor da Fortaleza, mas que foi também, justiça lhe seja feita, um dos primeiros entre nós a apostar em produtos nacionais de grande qualidade (como são os legumes produzidos pela Quinta do Poial, só para citar um exemplo), abriu caminho para a mudança de equipa e de filosofia – «Era necessário passar finalmente de um chef francês para um português. Não conhecia o Miguel, mas, de todos com que falei, ele foi aquele que, desde o início, melhor se encaixou no projeto que temos para a Fortaleza. Tive logo a confirmação: é este!», confidencia a alemã, que está no hotel e no país há cerca de 11 anos.

«Foram anos muito bons, mas agora é tempo de virar a página», diz Petra Sauer, diretora deste Relais & Châteaux.

A iniciativa partiu, no entanto, de Rocha Vieira. Foi ele quem, ao saber da partida de Farges e depois de falar com o colega, deu a
saber da sua disponibilidade e interesse: «Sou de Cascais e sempre olhei para a Fortaleza como um sítio onde gostaria de trabalhar quando sentisse que tinha bagagem para isso.» Conhecido do grande público graças à sua prestação televisiva como júri do MasterChef, Rocha Vieira confirma que chegaram a acordo no mesmo dia em que houve a primeira conversa, mas faz questão de dizer que não estava mal em Budapeste e que, «apesar de muitos o verem como um puto», não só já beira os 40 como possui um palmarés de respeito.

A postura irrequieta, quase traquinas, denuncia à-vontade, e uma exposição maior do que o habitual por aqui, mas também algum nervosismo – ele sabe que, nos próximos tempos, será julgado. Na casa e fora dela, por mais que, no arranque, tenha o aval e a confiança da diretora («Estou muito feliz» , reforça Sauer). É que além dele, mudou também praticamente toda a equipa de cozinha (entre os sous-chefs está Gil Fernandes, um talento que se fez na cozinha do Ocean, no Algarve), simplificou-se o set-up do restaurante para tirar a formalidade excessiva e, o mais importante, assume-se oficialmente a aposta numa cozinha portuguesa de fine dining.

«Nestes anos todos em que estive fora, não houve ninguém que me falasse da cozinha portuguesa», aponta Rocha Vieira, que pretende caminhar para um tipo de proposta praticamente cem por cento nacional. «Estive estes anos todos longe do mar», prossegue, «agora quero apresentar o máximo de peixe e de marisco que for possível: mas não só. Quero falar com fornecedores, conhecer melhor os nossos produtores… A cozinha portuguesa precisa de ser trabalhada e modernizada, mas uma coisa sei: temos ótimos produtos».

Para a sua estreia, levou cogumelos girolles produzidos em Viseu ou a carne barrosã e não se acanhou em servir, coisa nunca vista antes no Guincho (se não nos falha a memória), uma cerveja artesanal de Aveiro com as entradas salgadas. Levou igualmente a broa de Avintes e colocou as algas, abundantes na zona, não só no pão mas também numa das quatro manteigas disponíveis no couvert. Entre os pratos, há um salmonete com chouriço e kale (couve frisada) num caldo de cozido, numa alusão à terra e ao mar, e fez descontruções interessantes, mas a precisar de afinação, do polvo à lagareiro e da sopa da pedra.

Para a estreia, Miguel Rocha Vieira levou cogumelos «girolles» produzidos em Viseu, carne barrosã, cerveja artesanal de Aveiro, broa de Avintes e colocou as algas da zona nas manteigas.

«O maior desafio é realizar o que vai na minha cabeça», confessa, para logo a seguir apelar à memória gustativa coletiva na secção de sobremesas – serve como limpa palato várias texturas de pinhões, em homenagem às dunas do Guincho, e um toucinho do céu com chila, doce de ovos e praliné de amêndoas, o que poderia ser demais, mas que ele equilibrou bem graças ao toque cítrico da clementina e da tangerina.

«É um risco assumido, pode dar para os dois lados», assume. Como não é homem para fugir da raia, a sua intenção é a de ficar: «Ainda vi lugares em Lisboa para abrir um restaurante, mas agora isso não me passa pela cabeça. Não é um objetivo. Estou na Fortaleza.»


Fortaleza do Guincho
Estrada do Guincho (Cascais)
Tel.: 214870491
Web: fortalezadoguincho.pt
Das 12h30 às 15h00 e das 19h30 às 22h30.
Não encerra.
Preço médio: 90 euros

Texto de João Miguel Simões - Fotografias de Jorge Simão
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