Caminho na avenida, «unter den Linden» significa «sob as tílias». Não tenho pressa, apesar da neve e da noite. Sob as tílias, uma superfície branca, certa, ninguém avançou por esse inverno. Flocos de neve agitam-se no ar, não sei o que pretendem, alguns assentam-me na pele do rosto, talvez queiram transformar-se em mim ou, com a mesma probabilidade, talvez queiram que me transforme neles, gelado e natural.
Imaginei este passeio muitas vezes a partir de manuais de alemão da escola secundária. Na primeira aula de alemão que tive, ainda não tinham derrubado o muro. Wie alt bist du? (Quantos anos tens?) Ich bin 15 jahre alte. (Tenho 15 anos.) Os manuais estavam cheios de referências à DDR, Deutsche Demokratische Republik (República Democrática Alemã). Ao mesmo tempo que nos ensinavam a dizer obrigado, danke, ou por favor, bitte, tentavam ensinar-nos algo muito mais complexo e, talvez, inexplicável.
Derrubaram o muro no telejornal e, logo no dia seguinte, a professora deu uma aula inteira em português, disse que não queria que esquecêssemos aquele momento. Ainda me lembro.
Há poucas horas, quando ainda havia luz, caminhei ao longo da East Side Gallery. Assim mesmo, em inglês, é esse o nome que toda a gente usa para se referir a pouco mais de mil metros de muro que foram mantidos e onde estão pintadas algumas das imagens mais conhecidas: o beijo na boca entre Brezhnev e Honecker, o Trabant que rebenta o muro e o atravessa. Hoje, essas imagens já foram restauradas várias vezes desde que foram pintadas originalmente. Num dos cantos, estão assinaladas essas datas. Estive nos dois lados dessa galeria.
Derrubaram o muro no telejornal e, logo no dia seguinte, a professora deu uma aula inteira em português, disse que não queria que esquecêssemos aquele momento. Ainda me lembro.
O rio Spree acompanhou-me nesse caminho. Grandes placas de gelo formavam um longo labirinto geométrico. Patos avançavam sobre o gelo, deslizando ligeiramente a cada passada. Não sei se deram pela minha presença. Os patos estavam entretidos nessas tarefas, quando atravessei a ponte e segui em direção a Kreuzberg. Lembro-me bem da maneira como os meus professores de alemão pronunciavam nomes como esse, Kreuzberg. Nesse tempo, para mim, a fonética carregava um mundo. Eram palavras, tão diferentes daquelas que me rodeavam e diziam o que me era familiar. Sugeriam um mundo inteiro de possibilidades diferentes. Eu queria descobri-las todas. Decorava terminações e casos, Nominativ, Akkusativ, Dativ, Genitiv, porque acreditava que, dessa maneira, me aproximava de algo fabuloso que me esperava lá longe.
Talvez agora seja esse tempo que eu sonhava construir, talvez seja aqui. Quando comecei a ter aulas de alemão, já havia pessoas que caminhavam na Unter den Linden. Esta era a principal avenida da DDR e eu não tinha qualquer possibilidade de estar neste ponto exato. Wie heißt du? (Como te chamas?) Ich heiße José Luís. (Chamo-me José Luís.) E eu a estranhar o meu nome misturado com aquelas palavras. Agora estou aqui, respiro este ar. Sob as tílias, avanço de encontro à noite e à neve. Lá ao fundo, o Portão de Brandenburgo, iluminado, como uma promessa. Ainda como uma promessa.