O segredo bem guardado do Iucatão

Tulum já não é um segredo apenas partilhado entre mochileiros e hippies, mas está longe de ser um destino de enormes resorts como os seus vizinhos da Riviera Maia.

Texto e Fotrografias de Alexandre Soares

Emilio Heredia sentia que estava a viver num poema. Em 1997, depois de anos a visitar Tulum, decidira abandonar a Cidade do México e mudar-se definitivamente para a aldeia na península do Iucatão. «Havia poucas pessoas, apenas alguns pescadores. Não havia eletricidade, água corrente, forma de refrigerar a comida e muitas outros elementos da vida moderna», lembra o mexicano. «A vida era uma surpresa todos os dias.»

A região já recebia hippies, artistas e mochileiros desde os anos 1960, atraídos por relatos de um misterioso campo de energia, e acolhia agora este miúdo da cidade, de cabelo escuro e sedoso, olhos rasgados e pele morena, que se sentia a afundar na cidade. «Na altura, a minha esperança era de que a experiência da natureza me aguçasse os sentidos e pacificasse a mente.»

Emilio passou anos a sustentar-se com trabalhos aleatórios e pontuais. «Na altura, podias nadar, pescar a tua própria comida e cozinhar», lembra. «A selva e as estrelas eram a minha companhia principal. Aos poucos, a mente foi repousando nas cores do mar, no poder refrescante do vento, na energia nutritiva do sol, e o tempo foi-se tornando mais presente.»

A estratégia de fuga, garante hoje, foi um sucesso. «A beleza do local envolveu-me e sossegou os meus diálogos interiores. O desejo por coisas foi substituído pela minha presença interior, pela minha gratidão.» Emilio nunca mais regressou à capital.

Primeiro eram os pescadores, depois vieram os hippies. A seguir chegaram os primeiros mochileiros em busca do paraíso. Nos últimos anos vieram as estrelas da música e do cinema.

Nas últimas duas décadas, assistiu à chegada das primeiras estrelas da música e do cinema, que transformaram o local num destino exclusivo de inspiração boémia; à chegada dos turistas norte-americanos, que motivaram a construção dos primeiros hotéis e restaurantes; e, finalmente, em anos recentes, à chegada dos primeiros turistas europeus, que consagram o local como destino turístico.

Emilio foi seguindo estas transformações e decidiu mudar com elas. Em 2011, embalado pela perspetiva de lucro, equilibrada pelo sentimento que o fez mudar para a região, abriu o Papaya Playa Project, um hotel sustentável em frente a 900 metros de praia privada. «A nossa visão é de que prestamos um serviço turístico, sim, mas respeitando a natureza», explica o empresário. «Sabendo que todas as criaturas que aqui vivem, e no resto do mundo, são igualmente valiosas e devem ser tratadas com carinho e amor.»

A única forma de chegar a uma das cabanas do hotel, e a Tulum, é aterrando no aeroporto de Cancún e alugar um carro ou contratar um shuttle. Até há poucos anos, o caminho demorava quatro horas, mas a estrada foi alargada e hoje, numa das suas quatro faixas, confortavelmente se cumprem os 130 quilómetros numa hora e meia. Passa-se por Cancún e por Playa del Carmen, pelos portões dos seus enormes hotéis com tudo incluído, e continua-se sempre para sul, até à última paragem, mesmo na fronteira com Sian Ka’an, a reserva natural cujo nome significa «origem do céu».

Tulum pode ser dividido em três partes: o pueblo, uma pequena vila típica da América Latina e central, que se desenvolve junto à autoestrada; o caminho ao longo da costa, com praia de um lado, selva do outro, e hotéis, restaurantes e lojas em ambos; e as ruínas de uma cidade maia, no topo de uma falésia, precipitando-se sobre o mar das Caraíbas.

Na estrada junto ao mar, percebe-se que a região mantém o sentimento de uma pequena vila na praia. Há carros, mas a maior parte das pessoas andam de bicicleta, parando aqui e ali para visitar lojas e cafés. A maioria dos estabelecimentos são propriedade de expatriados, que trabalharam com artesãos e cozinheiros e locais para abrir espaços com uma sensibilidade mexicana, mas internacional. Muitas fachadas são homenagens à tradição mexicana dos murais, com desenhos de homens, deuses, plantas e animais que explodem em todas as cores.

Os primeiros hotéis estabeleceram-se na zona mais a norte. Foi aqui que, em 2003, o modelo Nicolas Malleville e a sua companheira, a estilista Francesca Bonato, abriram o seu hotel Coqui Coqui, tendo como primeiros hóspedes Jade Jagger e Sienna Miller e sinalizando a chegada do jet set internacional. Um ano depois, o jornal The New York Times ainda considerava Tulum «um paraíso da contracultura», mas passados cinco anos, em 2009, já proclamava que «era tão popular com as pessoas do mundo da moda», que no inverno «parece que estamos na Semana da Moda».

Continuando a percorrer a rua, encontram-se lojas com chão de areia ou pedra que vendem joias, colchas de renda, camas de rede ou echarpes de seda. Do lado da praia os cafés oferecem esplanadas que se abrem sobre a praia e um oceano impossivelmente azul; do lado da selva oferecem refúgios românticos, com velas e decoração colorida, sob a copa de palmeiras e árvores da floresta Yucate.

Mergulho e snorkeling são quase obrigatórios em Tulum. Recifes, poços e grutas são alguns dos locais a não perder.

Os hippies dos anos 1960 acreditavam que a região concentra a energia vibratória de um vortex que percorre toda a península do Iucatão, criando um campo eletromagnético que atua sobre o primeiro chakra, aquele que rege a dimensão física do homem e a sua coluna vertebral. Essa convicção transformou a área numa meca para praticantes de yoga, o que ainda é evidente em placas na rua: umas promovem aulas e retiros de diferentes vertentes – Hatha, Kundalini, Acro… –, outras anunciam aulas de meditação, de cânticos kirtan, cerimónias maias, leituras ancestrais e sessões de terapia de som com taças tibetanas. Até os habituais tratamentos de beleza nestes destinos de praia ganham uma inclinação holística e espiritual – a lama Maia, por exemplo, além de fazer bem à pele, afasta a depressão.

Num dos restaurantes, um funcionário começa a falar desta incrível força da região, que simultaneamente congela e precipita o tempo, anulando preocupações e energizando o espírito. «O primeiro ano que passas aqui é de loucos», diz, enquanto regista o pedido. «Tu sentes a energia. Dizem que foi causada por um meteorito que aqui caiu há 65 milhões de anos. Tudo é acelerado. No primeiro ano acabei uma relação que se arrastava há muito, iniciei e terminei outras, passei por momentos de euforia e depressão, e depois subitamente tudo acalmou.»

Assim que os pratos chegam, fica evidente que a comida é um dos aspetos mais positivos do recente sucesso de Tulum. Em restaurantes como Kitchen Table e Raw Love, até o mais exigente apreciador de comida saudável ficará satisfeito. E em espaços como o Chamico – que não tem site, telefone ou placas a indicar a sua localização –, todo o peixe é apanhado no dia e o ceviche, que inclui lagosta, está entre os melhores que se pode comer. Depois há o inevitável Hartwood, aberto por nova-iorquinos e quase tão conhecido como Tulum, que conta com apenas um utensílio elétrico – um misturador – e onde é preciso chegar cedo ou esperar na fila para conseguir lugar.

Os preços por refeição com bebida, no entanto, facilmente chegam aos 20 euros. Existem opções mais baratas, mas é preciso fazer os 15 minutos de bicicleta até ao centro da vila, onde os hotéis também são mais em conta. É lá que se encontram restaurantes como o El Camello, o El Asadero ou o La Picadita Jarocha, que pode não cumprir os requisitos locais de luxo descontraído mas onde as tortilhas são feitas à mão, os pratos representam deliciosas versões de clássicos mexicanos e uma cerveja fresca com três tacos de chorizo custa cerca de 80 pesos, menos de quatro euros.

A oferta de restaurantes em Tulum é alargada. Para todos os gostos e carteiras, com um toque especial de tradição e sustentabilidade.

A visita ao centro da vila deve ser feita durante o dia. Não existem linhas de alta tensão em muitas zonas, o que ajuda a manter longe os construtores de grandes hotéis, mas andar de bicicleta à noite sem iluminação pública é complicado. Este é apenas um dos sinais de que Tulum continua a não ser um destino de massas. Existem outros: a rede de telefone é fraca e a internet sem fios, quando trabalha, é lenta; na maioria dos hotéis, a eletricidade é gerada através de painéis solares, não se pode pôr o papel higiénico na sanita e o ar condicionado é propositadamente pouco potente.

«Queremos ser uma influência positiva na região», explica Emilio Heredia, que foi durante quatro anos presidente da Associação de Hotéis de Tulum (AHT). «Queremos manter os nossos edifícios simples e humildes para deixar a natureza acontecer. Acreditamos que os nossos visitantes devem ser responsáveis e estar conscientes do impacto, positivo e negativo, que o turismo tem em locais e comunidades remotos.»

Além de iluminarem preocupações ecológicas, as noites também revelam uma vida noturna surpreendente. No Papaya Playa, sempre que chega a lua cheia, acontece uma festa de dança que atrai uma clientela internacional. O responsável pela música de algumas noites, e a contratação dos DJ para as outras, é o português André Marques. «As pessoas vêm de todo o mundo. Nova Iorque, Berlim, Paris, Londres, Los Angeles», explica o jovem de 29 anos, natural de Vizela, em Guimarães, conhecido como DJ Moses. «A maioria são jovens profissionais, informados, que procuram um sítio que combine natureza, com sentido de comunidade e algum luxo.»

Muito antes da chegada de André, e das suas festas, Tulum já acolhia festas históricas. Nos anos 1980, quando Pablo Escobar precisava descansar da extenuante gestão de uma rede de tráfico internacional que aterrorizou um país inteiro, era para aqui que vinha celebrar. Escobar foi morto em 1993, mas ainda há quem se lembre das festas que dava com os sócios. As suas várias mansões estiveram anos abandonadas, mas duas delas foram recentemente transformadas na Casa Magna, onde se pode ficar a partir de 3500 dólares por semana.

Nos anos 1980, Tulum foi refúgio para um dos mais procurados criminosos do mundo. O traficante Pablo Escobar gostava de festejar os seus sucessos por aqui.

Apesar da surpresa das noites, são os dias, com o Sol subindo lentamente do mar impossivelmente azul, inundando de luz dourada a península, que confirmam o que já se esperava: as praias de Tulum continuam a estar entre as melhores das Américas e o clima continua a deixar aproveitá-las ao longo de todo o ano. Mas ao contrário do que antes acontecia, todas as madrugadas um pequeno exército limpa as toneladas de algas que cobrem a areia durante a noite. E ninguém, nem o mais saudosista mochileiro, parece lamentar que isso aconteça.

Aproveitando as horas em que a maioria dos turistas ainda dormem, as manhãs podem ser passadas nos cenotes, fenómenos geológicos com a forma de lagos de água cristalina que apenas existem nesta parte do mundo.

A península do Iucatão acolhe uma extensa rede subterrânea de água potável, com pequenas e grandes salas, passagens, túneis e rios. Com o tempo, a água foi dissolvendo a rocha que suporta esta rede, provocando o colapso dos tetos em algumas zonas e deixando expostas estas cavidades que os maias acreditavam ser entradas para o submundo onde habitava Chaak, o deus da chuva que dá vida.

Os cenotes mais célebres são o Dos Ojos e o Gran Cenote, que se encontram em reservas explorados pelos povos indígenas. Contratando guias profissionais, podem explorar-se quase 500 quilómetros de passagens descobertas nos últimos vinte anos. Quem não mergulha de garrafa pode fazer snorkelling e, suspenso nestas águas com vários tons de azul, observar estalactites e estalagmites e perceber as diferentes formas que a erosão causou na rocha ao longo de milhares de anos.

Outro ponto obrigatório de visita é as ruínas da cidade maia. O nome original da localidade era Zama, que significa «cidade do amanhecer», e não é difícil perceber porquê quando se chega ao local e se olha para os edifícios, todos construídos sobre a falésia, orientados para Nascente, e prontos a receber o nascer dos dias.

Acredita-se que os maias traziam para aqui os seus futuros líderes para serem abençoados pelo Sol, mas esse mundo, com a chegada dos espanhóis, não mais existe. Também chegaram ao fim os dias em que a região era um refúgio para artistas e boémios. «Havia veados, jaguares, gatos selvagens, tucanos e tantas outras espécies», lembra Emilio Heredia. «Podias entrar na floresta e descobrir novos cenotes, ou mesmo edifícios maias completamente intocados.»

Tudo isso acabou. Como aconteceu com muitos outros destinos, o segredo de Tulum foi revelado. Agora o local gere um equilíbrio precário, entre o idealismo dos anos 1960 e noções de sustentabilidade do século XXI, tentando preservar uma dádiva natural que os maias já reconheciam. E parece estar a fazer um bom trabalho. Em janeiro, as autoridades locais confirmaram que tinham expulso Justin Bieber das suas ruínas, depois de o cantor as ter tentado escalar, e isso só pode ser um bom sinal.

 

Dicas

Moeda: Peso mexicano – 1 euro equivale a 22 MXN. Restaurantes e hotéis mais recentes aceitam cartões de crédito e débito. Para o comércio tradicional convém andar com dinheiro miúdo.
Fuso horário: GMT – 5 horas
Idioma: Castelhano
Documentos: Passaporte com validade mínima de seis meses. Não há necessidade de visto para quem se desloque em turismo. À entrada no país, deverá preencher um formulário.
Quando ir: Os melhores meses são entre dezembro e abril, quando há menos chuva e humidade. Para a prática de mergulho este é um destino que pode ser visitado em qualquer altura do ano. Se procura diversão noturna, dezembro e janeiro são as dastas a reservar.

 

Ir

A melhor forma de chegar a Tulum é passando por Cancún. Diversas companhias voam de Lisboa para o México, via Madrid, com preços a partir de 865 euros. Uma boa opção é comprar junto de operadoras e agências de viagens um pacote de férias com voo, hotel e refeições e aproveitar a estada em Cancún para visitar a região de Tulum.

 

Comer

Kitchen Table Tulum
Restaurante integrado na zona de selva do Parque Nacional de Tulum. Foi projetado para causar o mínimo de impacto ecológico e funciona a painéis solares. Tem grelhador, bar e recorre apenas a produtos locais. Reserva aconselhável.
Carretera Tulum a Boca Paila, KM 1.5
Tel.: +52 (1) 984 188 4924
Preço médio: 20 euros
kitchentabletulum.com

Hartwood
Também tem a sustentabilidade como bandeira, procura não causar pegada ecológica e aposta tudo nos grelhados. Os produtos são locais, comprados a elementos da comunidade. O peixe é apanhado à linha e parte dos lucros é encaminhada para projetos de apoio à população local.
Carretera Tulum a Boca Paila, KM 7.6
Preço médio: 20 euros
hartwoodtulum.com

El Camello
O grande destaque é o marisco, mas convém não esquecer o peixe fresco e o ceviche. É um restaurante de cariz popular, sem luxos, mas com grande qualidade na comida. O serviço é eficaz e tem quase sempre fila à porta. Há que esperar, mas vale a pena.
Avenida Tulum e Kukulkan
Preço médio: 10 euros

 

Onde ficar

Papaya Playa Project
Natureza, história e sustentabilidade são as bases deste projeto hoteleiro. Evoca a tradição maia de construção com edifícios revestidos de resina, isolamento natural. A decoração é simples, com elementos da cultura mexicana. O serviço é eficaz e de topo.
Carretera Tulum a Boca Paila, KM 4.5
Tel.: +52 (1) 984 871 1160
Quarto duplo a partir de de 212 euros
papayaplayaproject.com

Casa Magna
É uma propriedade de 5 estrelas localizada diretamente na praia, a pouco mais de um quilómetro de Cesiak. Tem 33 quartos com vista de jardim e de mar. É conhecida por ter sido a morada do colombiano Pablo Escobar sempre que precisava descansar do stress relacionado com o narcotráfico.
Carretera Tulum-Boca Paila, KM 9.5
Tel.: +52 (1) 984 871 1160
Quarto duplo a partir de 212 euros

 

Consultar

Sian Ka’An
Esta reserva da biosfera merece uma visita com tempo. É Parque Nacional do México desde 1986 e foi declarada Património da Humanidade pela UNESCO no ano seguinte. Tem zonas terrestre e marinha, recife de coral e sítios arqueológicos.
visitsiankaan.com

Ruínas de Tulum
Tulum está a 130 quilómetros de Cancún e as ruínas maias junto ao mar do Caribe são o seu cartãode- visita. Aceda a este local histórico por cerca de dois euros por pessoa.
visitmexico.com

Partilhar