Às segundas‑feiras, há pouca gente nos banhos públicos de Tbilisi. Explicaram‑me que, na secção dos homens, as maiores enchentes são nas manhãs de sábado e de domingo. Há muitos georgianos que gostam de curar as ressacas com água sulfúrica, vapor e massagens.

Hello, disse‑me a mulher da receção, falando mais com o sorriso do que com essa palavra. Então, digitando números numa calculadora, explicou‑me que o banho, numa divisão individual, e a massagem completa ficaria em 85 lari. Aceitei e segui‑a por corredores a cheirarem a enxofre, passando por salas de tetos redondos, côncavos, interiores dos telhados em semiesferas que cobrem a área de Abanotubani, a zona da cidade onde passa o ribeiro que fornece as águas dos banhos. Seguindo a mulher da receção, avancei por mais corredores e mais salas, decoradas com armaduras, flores de plástico, peluches dos anos 1970. E chegámos a uma porta. Pensativa, bateu com toda a força, esperou e, antes de abrir, bateu outra vez. Então, apontou para o lugar onde eu devia guardar a roupa e, depois de outra porta, apontou para um tanque de água quente, um chuveiro de água fria e uma superfície forrada a mármore, onde seria massajado.

Quando a porta se fechou, voltei a olhar em volta: cadeiras de plástico a imitar troncos de madeira, fotografias antigas de homens com toalhas à volta da cintura, o relógio de parede e o ponteiro dos segundos. Como se uma parte de mim ficasse para trás, deixei a roupa dobrada sobre uma cadeira. Entrei na divisão do pequeno tanque. O vapor era denso, respirava‑o em grandes flocos que me aqueciam por dentro.

Ao descer pela escada do tanque, a água tinha uma textura espessa. Depois do gelo das ruas de Tbilisi, o corpo habitua‑se depressa à liberdade de estar em pelo, em pelota, dentro de água quente. Fechei os olhos e acho que levitei. Não medi o tempo que passou. Seguindo as indicações que a mulher deixou, fui ao chuveiro de água fria. Um alerta: a água fria pode queimar. Pelo menos, essa foi a sensação de cada jorro dessa água sobre a pele.

Depois do gelo das ruas de Tbilisi, o corpo habitua‑se depressa à liberdade de estar em pelo, em pelota, dentro de água quente. Fechei os olhos e acho que levitei.

Já tinha regressado ao tanque, no momento em que chegou o homem para a massagem. Trazia uma toalha à volta da cintura e um balde. Tirou a toalha. Era um homem nu de 60 e muitos anos, barriga enorme, bigodinho e, soube mais tarde, hálito de cigarros. Lavou a pedra e chamou‑me com uma sílaba. Lá fui.

Comigo deitado de barriga, deu‑me uma enorme palmada nas costas. E começou. Esfregou‑me todo com uma luva áspera. Sempre com a mesma sílaba e com alguns gestos, ordenava que me virasse para um lado e para outro. Esfregou‑me todo. Repito: todo.

A seguir, no momento em que me ensaboava, recuperei a lembrança de quando era muito pequeno e a minha mãe me dava banho. Impressionou‑me a nitidez com que a senti. Incrível como aquelas memórias sempre tinham estado ali, tão perto. Pediu‑me para sentar e despejou‑me três ou quatro baldes cheios de água pela cabeça abaixo. Depois, foi buscar a escova de espinhos de ouriço. Antes de sair, disse bye‑bye, mas não tive forças para responder‑lhe. Eu estava dentro do tanque, a habituar‑me à minha pele nova e a reaprender lentamente a respirar.

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Crónica publicada na edição de fevereiro de 2017 da Volta ao Mundo, número 268.


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