Num ano decisivo para a Europa, o analista de política internacional Bernardo Pires de Lima faz-se à estrada para percorrer as 28 capitais da União Europeia. Depois de muitas conversas, encontros improváveis e perceções surpreendentes, vai juntar os 28 ensaios num livro. Até lá, a Eurovisão será emitida aqui, na Volta ao Mundo.

Roma, Itália

Volto sempre a Roma com emoção, depois de ali ter vivido um ano, e nem os quinze que entretanto já passaram me arrefecem a alma. Roma é a minha cidade, porque simplesmente Lisboa não está a concurso. A frase é descaradamente roubada ao António Mega Ferreira que escreveu um dos mais belos livros sobre a capital italiana, um país que me reconcilia com a ideia de que é capaz de existir uma alma-gémea com um outro chamado Portugal. Não sei se é a melancolia-charmosa do ocre do casario, o gosto pelo ócio diletante, a imponência de uma atmosfera histórica, a graça sempre audível de uma língua acompanhada de pequenos gestos singulares, se a permanente agitação política transformada na travessia conservadora de um caos calmo. Provavelmente é a mistura de tudo isto com Pavese, Buzzati, Fallaci e Magris, Moretti, Visconti, Fellini e Scola, mas também Totti, Maldini e Buffon. Itália não é só Roma, mas Roma é para mim o melhor que Itália tem.

Continuo seduzido pelas redondezas do Panteão, ruelas sempre novas e misteriosas, que conduzem às igrejas de Santo Inácio de Loyola, Santa Maria Minerva, pela Piazza Navona, igreja de Santa Maria da Paz, Campo dei Fiori, até passar a ponte Sisto e chegar finalmente a Trastevere. Entramos em pequenas livrarias como a Altroquando, a Odradek ou a Viaggiatori, e somos convidados a entrar nos ateliers de pequenos artesãos entretidos a definir os contornos da madeira, do ouro ou das peles, intercalados com novas lojas de design, galerias e restaurantes irresistíveis como o Gattabuia.

Mas Roma não é só história e classicismo, vielas e tons ocres no casario. A cidade está a reencontrar a arquitectura moderna, um desafio imenso mal começam as escavações. É o que acontece com o Museu Ara Pacis, desenhado por Richard Meier e inaugurado em 2006, de linhas rectas e tons brancos que absorvem a luz de Roma, onde se integra o mausoléu do imperador Augusto e exposições contemporâneas, como uma mostra de desenhos e fotografias de Pablo Picasso, ou uma retrospectiva do incrível trabalho fotográfico do japonês Ken Domon. Ou o que nos transmite o MAXXI, o museu de arte moderna idealizado pela anglo-iraquiana Zaha Hadid e o Parco della Musica de Renzo Piano. E assim, aos poucos, Roma vai-se expondo ao recente sem que tenha de abdicar do passado.

Foi no meio deste trajecto intervalado com a sempre vibrante (e perigosa) situação política italiana que parei à frente do teatro Belli, mais uma vez em Trastevere. É um dos mais antigos teatros romanos e a curiosidade em destacá-lo resulta de uma mistura de factores que definem Roma aos meus olhos. O Belli é um pequeno teatro escondido numa não menos pequena praceta de bairro, com tendência a passar despercebido entre a folhagem e que desabrocha ao percorrermos a programação, numa súmula de ruas e singularidades desta cidade. Lost in Rome, a peça de Pierpaolo Palladino, cuja musicalidade e interpretação de Angelo Maggi orientam um título misterioso, acabou por ser o melhor roteiro para redescobrir, nas palavras de Gógol, “a pátria da minha alma”.

Texto e Fotografias de Bernardo Pires de Lima

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