Num ano decisivo para a Europa, o politólogo Bernardo Pires de Lima faz-se à estrada para percorrer as 28 capitais da União Europeia. Depois de muitas conversas, encontros improváveis e perceções surpreendentes, vai juntar os 28 ensaios num livro. Até lá, a Eurovisão será emitida aqui, na Volta ao Mundo.
Londres, Inglaterra
Poucas cidades serão tão europeias como Londres, no sentido político do termo. No entanto, a capital inglesa está no epicentro de um divórcio litigioso, previsivelmente duradouro, que a colocou numa posição difícil e angustiante. A esmagadora maioria dos londrinos votou pela permanência do Reino Unido na União Europeia, mas as instituições políticas que ali moram encabeçam a ruptura.
Em Londres vivem praticamente todas as nacionalidades do mundo, todas as línguas conhecidas e imaginadas, todos os credos e raças, dando à cidade uma energia única que não se vê em mais nenhuma grande capital europeia, talvez com excepção de Berlim.
Um em cada três londrinos nasceu no estrangeiro e o carácter transitório com que muitos adoptam a cidade, sobretudo por razões profissionais, também reforça esse perfil de cruzamento universal de culturas, destinos e oportunidades.
Sempre olhei para Londres dessa forma, como uma espécie de Nova Iorque de proximidade, com uma cultura e uma subcultura que me municiavam permanentemente e que estavam ali à mão se semear.
Ao contrário do que diz o Pedro Mexia, «que vai a Londres para arrumar as ideias», eu sempre procurei Londres para me desinquietar. Aliás, tudo o que de lá trouxe ou me chegou com remetente londrino só me provocou inquietação, sobressalto e um abrir de boca prolongado de espanto.
Um em cada três londrinos nasceu no estrangeiro
Podia falar da música do Bowie, dos Stones, dos Clash, dos Blur, dos The Who, dos Jam, dos Pistols, dos Motorhead, dos Led Zeppelin, dos Cure. Dos livros de Dickens, Orwell, Martin Amis e Julian Barnes. Da pintura de Turner e Hockney. Da arquitectura de Chipperfield, do humor dos Monty Python, do «Sim, sr. Ministro» à compulsiva vontade encher malas com discos da Honest Jon’s e livros da London Review of Books.
Foi exactamente aqui que Londres me voltou a agarrar, desde logo pelo disparate da conta dos livros que de forma encantada ia empilhando debaixo dos braços. Há tentações juvenis que não têm fim.
Depois, pela conversa com um velho conhecido, Sewell Chan, jornalista novaiorquino há um par de anos em Londres. Na mesa do canto, Sewell ia empalidecendo à medida que me ilustrava o desafio de sair dos EUA na era Trump e ter encontrado em Inglaterra um ambiente propício ao fechamento e à intolerância.
A conversa depressiva de um homem culto e viajado, com uma carreira entre o Washington Post e o The New York Times, que vive entre duas cidades fascinantes, reforçou o meu pessimismo antropológico, mas vi-me na obrigação de lhe dar algum ânimo. «Vai ser passageiro na América», dizia eu, «no final vamos ter um acordo sensato para todos», atirava-lhe enfaticamente.
Não tive grande sucesso e Sewell manteve-se irredutível na atração pelo abismo. Ainda lhe dei uns quantos exemplos vindos da Áustria e Holanda, animava-o com o que podia chegar de França e Alemanha, mas nada. O homem cristalizou na tragédia. Três horas depois despedimo-nos, ele voltou para o jornal, eu fui ver o Hockney à Tate. Ele desinquietou-me, eu talvez lhe tenha causado o mesmo.
No fundo, this is London, pegando no título do último livro do Ben Judah: dentro de uma certa grelha de previsibilidades, um mundo de detalhes ocultos que volta e meia se destapam, nos desafiam e absorvem. Se há um tom de fim de era nesta Londres europeia, então faço questão de lá ir até soar o gongo.