Num ano decisivo para a Europa, o politólogo Bernardo Pires de Lima faz-se à estrada para percorrer as 28 capitais da União Europeia. Depois de muitas conversas, encontros improváveis e perceções surpreendentes, vai juntar os 28 ensaios num livro. Até lá, a Eurovisão será emitida aqui, na Volta ao Mundo.
Copenhaga, Dinamarca
Com chuva ou com sol parece que Copenhaga está sempre no topo dos países mais felizes do mundo. Pelo menos é o que diz a ONU. Tenho as minhas dúvidas que se possa manter a felicidade por mais do que uns instantes prolongados, mas quem atribui o prémio lá terá as suas razões.
Em Copenhaga, não vi nada que me levasse a acompanhar esse tédio fatalista e nem Kierkegaard, o seu mais famoso filósofo, me deixa mentir. Sabemos também que «o melhor restaurante do mundo», o Noma, fica em Copenhaga, o que ajuda a fechar o círculo: comida e felicidade numa cidade só. É difícil pedir mais. Por norma desconfio de lugares idílicos e ao preço a que um restaurante médio está na capital dinamarquesa, duvido que uma jantarada no Noma nos abra a porta do paraíso.
Calma, gosto de Copenhaga, atrai-me qualquer cidade que trata bem a água como parte da sua identidade, preserva o casario tradicional de Gronnegade ou de Nyhavn, com o arrojo da nova arquitectura, como a Opera House, desenhada por Henning Larsen, ou o Black Diamond, por Per Kirkeby. Dou muito valor à existência de amplos espaços verdes, cuidados e aproveitados por todos, e de uma vivência saudável que incuta nas crianças hábitos ambientais conscientes mas naturais.
Comida e felicidade numa cidade só. É difícil pedir mais.
Também gosto do valor da estética urbana, do design nórdico, da classe que se vê em cima de cada bicicleta retro. Mas excesso de perfeição não traz felicidade. Pelo menos a mim. Talvez falte a Copenhaga um certo je ne sais quoi. Talvez exista demasiada homogeneidade cultural, apesar das vagas de imigração turca, palestiniana e balcânica, entre os anos 1960 e 90. Talvez os preços altos para tudo e mais alguma coisa inibam a classe média estrangeira de permanecer e de misturar-se por tempo indeterminado. Tendo em conta as conversas que tive, duvido que as coisas se alterem: o ambiente social está mais áspero desde a grande vaga de refugiados mediterrânica e as soluções políticas tendem a reverter a tradicional generosidade pública e a cristalizar uma identidade homogénea.
Apesar de Borgen nos ter prendido à televisão semanas a fio, nem o mais idílico dos modelos políticos ocidentais sobrevive ao carácter sombrio dos homens. A felicidade, como se vê, pode não passar de um ranking sem sentido ou de uma série de entretenimento.
Talvez por isso tenha apanhado o comboio e subido uns 40 quilómetros a norte de Copenhaga onde o Museu Louisiana me encheu as medidas pela simplicidade da casa particular tornada museu há sessenta anos e pelo seu enquadramento num bosque que termina nas águas do estreito de Oresund, com a Suécia do outro lado. Todo o espaço está ligado à arte. Nos jardins e recantos verdes interiores não falta Giacometti, Marx Ernst, Miró e Alexander Calder.
Lá dentro, Warhol e Liechtenstein, Picasso e Kandinsky, passando pela fantástica surpresa que foi Asger Jorn, retomando depois por Hockney, Bacon, Oppenheim e Rothko. Mas foram as instalações do sul-africano William Kentridge e a panorâmica do trabalho do arquiteto chinês Wang Shu que me ficaram na memória. O primeiro pela sobreposição de materiais e estórias, este último pela forma extraordinária como casa uma expressão totalmente contemporânea em espaços que exigem um especial cuidado com a continuidade cultural. Wang Shu prova que o desarranjo ordenado pode trazer alguma felicidade, mesmo sem estar num ranking da especialidade.