Num ano decisivo para a Europa, o politólogo Bernardo Pires de Lima faz-se à estrada para percorrer as 28 capitais da União Europeia. Depois de muitas conversas, encontros improváveis e perceções surpreendentes, vai juntar os 28 ensaios num livro. Até lá, a Eurovisão será emitida aqui, na Volta ao Mundo.
Zagreb, Croácia
Foi a dignidade de uma estátua em movimento que me fez recuar no tempo. A icónica imagem de Dražen Petrović, o mítico basquetebolista croata estrela da NBA nos anos 1990 e desaparecido num violento desastre automóvel no pico da carreira, estava ali em frente ao pavilhão com o seu nome. Petrović está para Zagreb e para a Croácia, como Michael Jordan está para Chicago e para os EUA, não é por acaso que as estátuas nessas duas cidades são de puro bailado esculpido no bronze. Zagreb é uma capital de centro da Europa geograficamente nos Balcãs, o que aliás enquadra bem o pensamento político reinante no país: evitar muita colagem com o resto dos Balcãs ocidentais e ser mais activo entre os europeus integrados e normalizados na recente história continental, para passar a ser um deles. Para que isso aconteça é fundamental ter uma estabilidade política e social valorizada, uma diplomacia inteligente, alguns atrativos estratégicos e uma sólida identidade nacional. Afinal de contas, a Croácia é o membro mais novo da União Europeia.
É aqui que entra o meu recuo temporal e as primeiras imagens que me lembro de associar à Croácia, precisamente essa personalidade internacional pós-jugoslava assente no desporto de massas. Aliás, foi essa a estratégia do presidente Tudman, o primeiro da Croácia independente, que dizia ser o desporto “a primeira coisa pela qual se conseguem distinguir as nações a seguir à guerra”. Recordo a final do torneio olímpico de basquetebol em 1992, só perdida para o mítico Dream Team de Jordan, Magic Johnson e Larry Bird. Depois, a chegada de Petrović ao estrelato quase inatingível da NBA. Por fim, a chegada da geração de ouro ao auge da grandes competições de futebol, no Euro 96 e no Mundial de 98 (3º lugar), sempre em volta daquele quinteto maravilha campeão do mundo de sub-20, em 1987, então com a camisola da Jugoslávia – Šuker, Boban, Jarni, Štimac e Prosinečki. O desporto não ajudou só a solidificar rapidamente a nação croata numa região de guerras, como projectou os seus predestinados entre os melhores do mundo.
Estou numa cidade confiante. Com alguma oferta sofisticada, cuidada, as ruas vividas no meio do cheiro a escapada de verão para a lindíssima Dalmácia. O restaurante do Boban está cheio e as vielas até à colina de Gornji Grad não se fazem sem parar no museu das relações interrompidas, na igreja de São Marcos, com os telhados coloridos com os brasões do reino da Croácia (séculos XVI e XVII) e da cidade de Zagreb, no centro da praça com o mesmo nome e que alberga a sede do governo e o parlamento, no museu de arte naïf, ou à volta de um bom vinho branco gelado e de umas maravilhosas rãs fritas com presunto no Didov San. Desço até à praça Ban Jelačić, passo pela catedral, vou mercado tradicional de Dolac. Ando, ando e ando. Entro no museu das ilusões, no teatro nacional, no clássico Mimara. Até regressar ao emblemático Petrović, essa tal estátua em movimento que tão bem me conduziu por Zagreb.