Até domingo há chanfana, pastéis de tentúgal, castanhas assadas e alheira para degustar em Montmartre. Portugal é o país convidado de honra da Festa das Vindimas em Paris e quer mostrar vinhos e produtos gastronómicos menos conhecidos do público internacional.

Catarina Fernandes Martins em Paris

Em Portugal a chanfana divide opiniões. Ana Souto não gosta do prato de cabra velha cozinhado em vinho tinto, próprio da região centro do país e é com surpresa que vê parisienses e turistas de todo o mundo elogiarem o petisco, que podem provar num pequeno prato descartável.

“Têm caído aqui com a chanfana… Parecem abelhas à volta do mel,” diz Ana Souto, uma das representantes da Dueceira, Associação de Desenvolvimento do Ceira e Dueça, que ficou responsável pelo stand da Serra da Lousã, onde é possível provar o prato de cabra.

A carne escura dentro de tigelas de barro desperta a curiosidade dos que passam. Nos stands é explicado que a chanfana é preparada de forma semelhante ao típico coq au vin, um prato francês onde o galo também é mergulhado em vinho tinto.

“Há uma diferença entre galo e cabra,” diz uma turista espanhola, resolvendo assim a indecisão e preferindo não experimentar.

Titem Wahiun e a amiga Kassa Benabdesslam são de outra opinião. Os pratos, agora tingidos com os sucos da chanfana, estão vazio. Mas as parisienses continuam, em conversa, a elogiar aquilo que acabaram de degustar.

“É muito, muito bom. Nunca tinha comido nada assim,” diz Titem Wahiun, que nunca visitou Portugal. “É um projeto que tenho. Acho que Portugal e França têm muito em comum. São países simples que privilegiam os produtos naturais, o terroir,” diz.

Kassa Benabdesslam esteve em Portugal em 2005 e as memórias dessa viagem fazem-na levar as mãos aos lábios, beijando-os, numa mistura de deslumbramento e nostalgia.

“É um país tão acolhedor…” E a chanfana? “Já levo aqui a receita,” diz, entusiasmada.

Na sexta-feira, as bancas que representam Portugal na Festa das Vindimas de Montmartre, um dos principais eventos promovidos pela Câmara de Paris, estiveram quase sempre cheias. Até domingo, franceses e turistas vão poder provar petiscos típicos, mas desconhecidos do público internacional, que não sabe muito sobre as regiões do interior de Portugal.

Este ano o convidado de honra do evento é Portugal e os promotores do evento decidiram escolher as regiões de Coimbra, Beiras e Serra da Estrela, Tâmega e Sousa, Beira Baixa e Trás-os-Montes para representar o país.

“Queríamos mostrar aos parisienses especialidades que não conhecem, que fugissem do pastel de nata e da ideia limitada que têm da gastronomia portuguesa. Por isso escolhemos mostrar estas regiões menos conhecidas,” diz Ana Sofia Oliveira, cofundadora da My Genuine Portugal, empresa responsável por esta ação promocional na 84ª Festa das Vindimas.

Na moda em Paris, Portugal aproveita este momento de graça para promover regiões que são tradicionalmente esquecidas e não são destinos de eleição para os turistas, aproveitando para mudar ainda mais a sua imagem no estrangeiro.

“Acho que esta feira dá uma imagem de qualidade e de riqueza, do mundo que ainda há para descobrir. Para quem acha que já conhece Portugal fica a descobrir uma riqueza extraordinária com que nem sonhava. Uma riqueza associada à qualidade, ao saber fazer genuíno, às tradições, ao terroir,” diz Ana Sofia de Oliveira.

Então, apesar de ser possível encontrar pastéis de nata, este ano em Montmartre privilegia-se os gamelinhos, doce de castanha, mel e canela tradicional da Serra do Açor, os pastéis de Tentúgal, o biscoito Teixeira e o pão-de-ló.

Olga Cavaleiro, presidente da Confraria dos Pastéis de Tentúgal, diz que esta é a primeira vez que estes doces se apresentam em Paris porque é também a primeira vez que sentiu estarem reunidas as condições para deixar uma boa imagem.

“Os franceses costumam achar o pastel de Tentúgal muito doce e se o comem frio ainda pior. Aqui tenho a possibilidade de o mostrar com aquilo que tem de mais característico, a massa estaladiça sem gordura. Estão a adorar,” diz Olga Cavaleiro, que até às 17h de sexta-feira já tinha vendido cerca de 200 pastéis.

Olga Cavaleiro tem muitas ambições para este pastel. “Sei que é um doce com potencialidade para ser a imagem de Portugal, além do pastel de nata.” Mas antes de falar em exportações, prefere concentrar-se no pastel de Tentúgal como motor de atração do turismo para o interior do país.

“Aproveito sempre para explicar o processo de produção, mostrando que existe uma história e um método artesanal de produção. O mais importante é criar gosto pelo pastel associando-o a um contexto histórico que leve as pessoas a visitar Portugal porque querem visitar o convento onde os pastéis nasceram,” diz.

Gisela e Pierro acabam de comprar uma caixa cheia de pastéis de Tentúgal. O casal, de 68 e 70 anos, visita Portugal frequentemente desde que há cinco anos “se apaixonou” pelo país.

“Caímos de amores pelo Porto,” diz Gisela. A alemã e o italiano vivem em Biarritz e, de visita à capital francesa, aproveitaram para matar saudades dos sabores portugueses. Muitos deles totalmente desconhecidos.

“Gostamos muito da comida portuguesa,” diz Gisela, que se habituou a preparar tripas à moda do Porto e polvo à lagareiro, seguindo receitas que encontraram nas suas viagens. Em Portugal habituaram-se também a comprar produtos como o azeite, o vinho verde, o mel e a marmelada. Muitos desses produtos estão hoje aqui. Mas o casal, fã de pastéis de nata, desconhecia os pastéis de Tentúgal. “Não conhecia, mas vou levar para comer hoje e amanhã e depois. São muito bons,” diz Pietro.

Agora que Portugal está na moda, Gisela receia que o país de que tanto gosta acabe por tornar-se irreconhecível.

“Há vinte anos que ouço falar de Portugal. Na minha empresa sempre me disseram que eu tinha de ir. Mas estou a ver que agora toda a gente sabe de Portugal, que está tudo a comprar apartamentos lá. Tenho medo que fique demasiado internacional,” diz.

Um casal de coreanos radicado em Washington apercebe-se de que está perante um stand representativo de Portugal, exclama o nome do país e pára.

“Sou arquiteto e uso pedras de todos os países. Mas nunca usei de Portugal e já há muito tempo que tenho curiosidade,” diz Steve Lee, enquanto a mulher, Sue, se delicia com as gamelinhas. “Gostamos muito de marisco e sabemos que há bom marisco em Portugal,” continua o arquiteto.

Mas numa banca que representa o interior do país não há sabores do mar, o que desafia a ideia feita do casal. Minutos depois deixaram os doces e estão entretidos com vinhos de Coimbra e enchidos do centro. “Vamos visitar Portugal muito em breve,” diz Steve.

A jornalista viajou a convite da My Genuine Portugal

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