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No dia em que os dois humoristas e autores se encontraram no FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, a conversa foi parar às viagens, à literatura e à literatura que há nas viagens. Entrevista com os pés na terra e a cabeça no Atlântico.

Texto de Tiago Constantino, aluno da Universidade Lusófona

Nas viagens que fazem ao longo do ano, que género de livros levam convosco?
Ricardo Araújo Pereira – Sabe, eu sou um leitor omnívoro tanto levo poesia como ensaios, às vezes estranhos, sobre uma coisa qualquer mas que me interessa, mas também levo ficção.”

Gregório Duvivier – Eu gosto muito de ler romances, sobretudo em viagens em que se tem tempo para ler. Eu gosto de mergulhar numa história de sentir que no final eu cumpri uma aventura com o personagem. E os romances têm isso. Acabamos o romance cansados como quem fez um longo percurso. No dia-a-dia o que eu mais leio são crónicas, poemas, coisas que cabem no nosso tempo, no nosso quotidiano.

Existe algum livro marcante que vos tenha acompanhado em viagens entre Portugal e o Brasil?
RAP – Por exemplo, noutro dia, levava na mala um livro de um indivíduo sueco. Leio a tradução inglesa obviamente, não domino o sueco, e o livro chama-se “The Fly Trap”, ou seja, a armadilha para as moscas. Ele é um cientista que estuda os insectos, e dentro dos insectos, estuda especificamente moscas da fruta, porque o mundo dos insectos é demasiado vasto, portanto ele tem que escolher moscas da fruta, em particular. O livro assim contado parece aborrecido, mas é extraordinariamente interessante e eu adorei aquilo, e ainda por cima é engraçado.

GD – “Viva o Povo Brasileiro” é um romance que eu li recentemente, e mudou-me totalmente, do João Ubaldo Ribeiro, que faz uma espécie de épico, uma saga, atravessando quatro séculos de gerações brasileiras. Gostei muito e recomendo-o. Certamente que está editado em Portugal.

RAP – Muitas vezes levo e trago coisas brasileiras. Eu adoro o Machado de Assis e vários outros autores antigos mas neste momento por exemplo temos o António Prata e o Gregório Duvivier que são jovens desta geração e que eu acho que são extraordinários. O António Prata tem assim um olhar muito característico sobre as coisas e o Gregório Duvivier é uma espécie de artista do renascimento, porque é actor, poeta, cronista, tudo.

Estão ambos publicados dos dois lados do Atlântico. Os públicos literários de Portugal e do Brasil são muito diferentes?
GD – Aqui em Portugal não sei tão bem, mas do Brasil sei dizer que lê-se muito pouco. As crónicas leem-se um pouco mais, mais que romances por exemplo. Aqui em Portugal acho que as pessoas têm bastante o hábito de ler romances, têm o hábito de romances e eu gosto muito disso. É um país onde por exemplo no metro se veem pessoas com livros que não a Bíblia. No Brasil apenas se lê a Bíblia.

RAP – Não sei se será possível fazer essa distinção entre Portugal e Brasil nesse aspecto. Eu acho que no uso da língua da parte deles há duas ou três manifestações de agilidade. Por exemplo, ainda recentemente li um livro chamado Pornopopeia, de Reinaldo Moraes, e o que ele faz com a língua português se calhar só está ao alcance de um brasileiro, e isso é interessante.

Há um género literário que defina os vossos países?
RAP – Ora bem, costuma dizer-se que nos somos um país de poetas. Mas também não é menos verdade que somos um país de romancistas. Aliás, o único Prémio Nobel que a língua portuguesa teve até hoje foi para um romancista. Eu acho que Portugal não se pode queixar. Só nesta sala onde agora estamos [Casa Tinta da China] temos autores de poesia, ficção, contos.

GD – Há autores, mais do que um género. No Brasil, o João Ubaldo Ribeiro, o Machado de Assis, o Brás Cubas para mim são essenciais. Darcy Ribeiro também é um sociólogo, um antropólogo, falou muito bem sobre o Brasil e, se quiser ler poesia, Manuel Bandeira. Acho que temos uma literatura muito boa mesmo e talvez seja das melhores coisas que o Brasil produziu. É uma herança portuguesa. Portugal é um país em que os maiores orgulhos são literários, na língua dá para ver isso. O dia de Portugal é o aniversário de um escritor, Luís de Camões. Portugal dá uma importância muito central à literatura, o Brasil não tanto.

A união literária entre os dois países, Portugal e Brasil, é suficientemente forte?
GD – Acho que temos muito menos intercâmbio cultural do que realmente deveria existir, já que falamos a mesma língua. Às vezes acho que é um preconceito dos dois lados. No caso do Brasil vemos pouco cinema e ouvimos pouca música portuguesa. No caso de Portugal acho que se lê pouca literatura brasileira. Nos dois casos, o intercâmbio cultural podia ser muito maior, os dois lados ficariam mais felizes.

RAP – Todas as tentativas de nos aproximarmos dos brasileiros, e vice-versa, são simpáticas. Assim como dos angolanos, dos moçambicanos e dos cabo-verdianos. Mas realmente o trânsito entre Portugal e Brasil devia ser mais fluido, devia ser mais frequente. Eu sei que há um grande oceano no meio e por isso o Saramago, na Jangada de Pedra, imagina que a Península Ibérica solta da Europa e vai alojar-se mesmo a meio caminho entre África e o Brasil. Porque é esse o nosso lugar, ali a meio caminho entre uma coisa e outra.

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