A 20 de maio celebraram-se 15 anos da restauração da independência de Timor-Leste. O passado de terror ficou para trás, mas não pode ser esquecido. A melhor forma de homenagear o país é mostrá-lo a quem não o conhece. E abrir o apetite para a próxima viagem.

Texto de Mónica Menezes
Fotografias de António Pedro Santos

A viagem a Timor-Leste começa antes de aterrarmos na ilha. Começa no avião com os olhos colados a uma das janelas do lado direito. A poucos minutos de aterrarmos no aeroporto Nicolau Lobato vislumbramos uma imensidão de verde. É inevitável as memórias começarem a assolar-nos. São quase todas cruéis as imagens que temos de Timor-Leste. Nos poucos minutos que faltam para as rodas do avião tocarem em solo timorense, lembramo-nos dos rostos desesperados a rezarem o pai-nosso na capela do cemitério de Santa Cruz em 1991. Recordamos imagens noturnas de um povo assustado a fugir para as montanhas, ouvimos tiros, gritos, revivemos as manifestações onde também participámos à porta da Embaixada norte-americana, em Lisboa. Era esta a imagem que tínhamos, mas Timor-Leste mostrou-nos que há muito mais para ver e fazer.

Díli não é feia. Não é a cidade mais organizada ou bonita do mundo, mas andar pela marginal ao ritmo das buzinas dos táxis até à praia da Areia Branca deixa-nos boquiabertos. De um lado as montanhas verdes, entrançado de árvores que guarda as memórias de um povo refugiado dentro do seu próprio país. Do outro lado a paisagem é mais serena e harmoniosa. As praias são limpas, selvagens, o que dá o seu quê de magia ao areal. Raramente os timorenses as utilizam, mas os ocidentais, os malais, como os timorenses chamam aos brancos, apanham banhos de sol e aproveitam o areal para fazer caminhadas. Normalmente, o exercício físico culmina no Cristo Rei, uma imagem de Jesus, em cima de um planeta Terra, de braços abertos a olhar o mar. São 800 degraus que separam os preguiçosos dos que não prescindem de ver Díli com outros olhos. Vale a pena, principalmente por volta das 05h30 da manhã, quando o sol começa a espreguiçar-se. No mar, pequenos pontos coloridos. São pescadores a apanhar peixes ainda ensonados. Depois daquela vista, de um sol que parece ter nascido só para nós, descer já não custa nada.

Os portugueses chegaram a Timor em 1512 e aqui ficaram até 1975, quando os indonésios invadiram o território. A independência só foi restabelecida a 20 de maio de 2002, depois de décadas de luta e refúgio nas montanhas.

Um espetáculo de golfinhos

As energias podem ser repostas na praia. Sumo natural no restaurante da Dona Fina, uma cadeira enterrada na areia, um livro e o mar todo à nossa frente. Tudo digno de postal turístico. Afinal pode-se falar de turismo na mais jovem nação da Ásia. Para quem gosta do contacto com a natureza, de adormecer sob um céu estrelado a ouvir as tokés (osgas enormes) ou cair no sono com o bater das ondas como banda sonora, Timor-Leste é, definitivamente, o destino ideal.

Voltando ao frenesim da cidade, uma ida à missa na Catedral é quase obrigatória. O coro é de deixar qualquer alma menos religiosa com os pelos em pé. Fervorosamente católicos, estes timorenses acorrem em massa à igreja para assistir à homilia. As meninas com vestidos coloridos aos folhos, os rapazes de calções bem engomados, as senhoras bem penteadas e os homens com camisas que só saem do roupeiro ao domingo. É assim que, nos seus melhores fatos, novos e velhos rezam e cantam por um Timor melhor.

Fora de Díli há muito para ver. Na ponta oeste da capital timorense está Jaco. O caminho até lá não é longo, mas as estradas tornam-no extenso. As estradas e os búfalos e as galinhas, os porcos, os cães… Tudo se atravessa no meio do caminho. Dormimos em Lospalos e arrancamos pouco depois do nascer do Sol. Mais uma viagem aos solavancos. Mas vale a pena. À chegada a Tutuala temos pela frente uma das mais bonitas paisagens timorenses: areia branca e mar turquesa.

São pouco mais de cinco minutos o tempo que se demora a chegar de Tutuala a Jaco. Uma travessia curta, mas suficiente para entrar diretamente no nosso álbum de recordações. Primeiro eram só pontos pretos no mar, depois aquelas pequenas manchas transformaram-se numa das melhores experiências que Timor-Leste guardou para nós: mais de 40 golfinhos aos saltos à nossa volta. Uns a nadar ao lado do pequeno barco, outros mais exibicionistas a darem saltos, cambalhotas e piruetas. Uma verdadeira exibição sem ter de pagar bilhete, sem treinadores a pedir palmas ou a dar-lhes peixes à boca. Os cinco minutos tornaram-se, a nosso pedido, uma travessia um pouco mais longa. Mas, cansado de andar às voltas atrás do que para ele deve ser uma visão comum, o dono do barco deixou-nos em terra.

Mar quente, que nem contrasta com o sol que nos queima a pele, é o primeiro impacto que Jaco nos reserva. E é nesse imenso azul que nos estreamos a fazer snorkelling. Uma espécie de National Geographic televisivo que nem os mais temerosos devem falhar. Corais e peixes de todas as cores e feitios são outro capítulo que acrescentamos ao nosso roteiro de viagem.

A economia timorense baseia-se na exportação de café e petróleo, por exemplo, mas o turismo pode ser a chave para um futuro promissor. Condições geográficas não faltam a esta metade da ilha.

O regresso à base, ou seja, a Díli, está marcado para o dia seguinte. E seríamos injustos se em relação ao caminho só nos referíssemos às estradas turbulentas e a todos os animais que se atravessam à frente dos carros. Há mais motivos para a viagem se tornar longa: o inesperado das paisagens. Ora passamos por aldeias, ora estamos colados à praia, ora subimos uma montanha, ora estamos no meio de um arrozal, ora estamos especados a olhar para um lago de lama cheio de búfalos. Timor-Leste tem tanta coisa para se ver.

O calor extremamente húmido desgasta o corpo, mas não há tempo para descanso. Ainda falta conhecer Ataúro, uma ilha em frente a Díli, pobre como o é todo o Timor-Leste, mas cheia de beleza. A viagem faz-se num boiadeiro – um típico barco de pescadores – ou numa lancha. Tudo depende não só do dinheiro que se quer gastar mas também do tempo que se quer perder a chegar a Ataúro. Nós fomos de lancha. Mais rápido, mas mais propício a enjoos. Carlos, o mestre do barco, não se sensibiliza com os nossos rostos horrorizados e só lhe perdoamos tanta velocidade quando descobrimos que regressou de Portugal há pouco tempo, onde vivia a poucos quilómetros de nós e sabia na precisão onde se come o melhor bitoque da região de Lisboa.

 

Cozinha picante, mas boa

Embora gostos não se discutam, comer em Timor-Leste foi sempre uma experiência positiva. Há restaurantes para todos os gostos e bolsas. Raro é encontrar um sítio para comer a cozinha típica timorense. Na memória ficou-nos todos os peixes que comemos, grelhado, com kangoo – uma planta dos pântanos – a acompanhar. Imprescindível é o picante timorense – ainanas – proibido para quem não está preparado para ficar com a boca a arder, mas muito saboroso. Tal como budu, uma espécie de saladinha de tomate, igualmente picante, mas que liga na perfeição com o peixe ou com os camarões grelhados. Em Maubara apaixonámo-nos por uns filetes de peixe com leite de coco e em Baucau perdemo-nos de amores pelos camarões singa com molho de tamarindo. Prova de que os portugueses passaram mesmo por esta ilha foi o pudim flã e o leite-creme – simplesmente delicioso – que comemos também em Baucau. E como em Roma sê romano, habituámo-nos a comer com garfo e colher, os talheres que os timorenses põem à mesa.

Gastronomia e natureza são dois pontos de interesse a considerar na sua visita a Timor-Leste. E as pessoas, claro.

Os dias passaram a correr e fazer as malas para voltar a casa tornou-se difícil. No aeroporto, num misto de vontade de regressar a casa e vontade de continuar a viver a felicidade, olhamos para a palavra exit, junto à fotografia de José Ramos-Horta, colada à porta que liga a sala de espera à pista. O avião já está ali. Entramos, voltamos a sentar-nos na mesma cadeira do dia em que chegámos e quando o avião levanta voo olhamos para Timor-Leste. Agora percebemos o que o poeta português Ruy Cinnatti escreveu: «Foi a paisagem que me afundou/ A pouco e pouco / os homens içaram-me. / Milagre? – Não!/ Foi só amor. / Assim Timor, / os Timorenses…».

Até breve, Timor-Leste.


Guia de Timor-Leste

Documentos: passaporte
Moeda: Dólar Americano (USD)
Fuso horário: +9 horas
Idioma: A língua oficial é o português e o tétum, mas prepare-se para falar inglês. O português está, muitas vezes, esquecido.

Ir
Calor vai ter sempre e humidade também. A época das chuvas vai de novembro a junho. Frio só nas montanhas, onde as temperaturas podem descer até aos 15º. De resto, conte com temperaturas acima de 30º C. Precauções: Fazer a vacina da febre-amarela e a profilaxia da malária. Usar repelente. Beber sempre água engarrafada e evitar comer vegetais crus. Lavar bem a fruta.

Como ir
Não é fácil chegar a Timor-Leste. A equipa de reportagem fez o percurso mais longo, mas o mais barato. Através da KLM (klm.com) voaram até Bali, Indonésia, por cerca de 1500 euros por pessoa. De Bali para Díli, através da Sriwijaya Air (sriwijayaair.co.id), que são cerca de 195 euros / pessoa.

Dormir
Em Díli, uma boa opção é o Hotel Timor. Quarto duplo a partir de 95€ com pequeno-almoço incluído. Em Jaco, um dos paraísos escondidos desta ilha,, não se pode pernoitar, dado que é um local sagrado. Em Tutuala, onde se deixa o carro para apanhar o barco para o ilhéu, há
uma pousada, com um pequeno senão de não ter água doce. Uma opção é acampar nesta margem, ou ficar um pouco mais longe – cerca de uma hora de Jaco – e dormir no hotel Roberto Carlos, em Lospalos.
Quarto duplo a partir de 35€ com pequeno-almoço incluído.

Comer
Tito’s
Bem localizado, junto ao mar e perto do centro de Díli. Marisco, carnes na grelha, vinho português, pão, azeitonas e café, a fazer lembrar Portugal.

Little Pataya
Fica próximo do mar, tem inspiração tailandesa, mas apresenta igualmente alguns pratos da cozinha local. Dos mais procurados por quem vive na cidade.

Osteria Italiana
O nome diz tudo. Tem pizas e massas, vinhos portugueses e um ambiente a fazer lembrar uma cantina à boa moda transalpina.

Compras
A qualidade do café de Timor é conhecida em todo o mundo. Algumas das marcas mais importantes já não o dispensam, por isso aproveite a viagem para trazer o seu quinhão deste ouro castanho. Seja em grão ou já moído, o café pode ser comprado nas lojas do
centro da capital, mas não só. É que, à beira da estrada, é normal encontrar vendedores do produto. O café tem um elevado nível de cafeína e, pela sua pureza, é bastante procurado pelos verdadeiros apreciadores.

 

Agradecimento
Fundação Oriente


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