Eis o grande mercado. É como se a cidade crescesse a partir dele, como se existisse apenas para justifica-lo. As ruas de Dakar são os longos braços do mercado Sandaga. Aqui começam todos os cheiros, todos os estímulos dos sentidos. Este movimento é constante e permanente, é imparável, é uma fonte.

Passam crianças a empurrar um carro de madeira carregado de bidões de água, as crianças rodeiam o carro com as suas vozes e os seus corpos. Quem irá beber desta água? A tarde começa, o sol queima as cores e, mesmo assim, levo os olhos cheios, estas cores começam aos poucos a existir dentro de mim. Há rapazes a caminhar ao meu lado, falam para mim, insistem, qu’est ce que vous cherchez? O que procuro?, quem me dera saber. O meu sorriso é suficiente para os incentivar a acompanhar-me durante quilómetros. Se olho para algum objeto, perguntam-me quanto quero pagar por ele.

À sombra, debaixo de barracas de cartão, homens cosem à máquina, são descargas de metralhadora estas máquinas de costura, gastas pelos anos, gastas por terem atravessado o mundo e várias vidas até chegarem aqui. No outro lado da rua, há mulheres muito sérias, diante de espelhos, a receberem extensões de cabelo postiço, longas madeixas. À sua volta, há perucas assentes em modelos de cana, cabeças exemplares moldadas por ripas de canas arqueadas, salão de beleza no alcatrão.

No outro lado da rua, há mulheres muito sérias, diante de espelhos, a receberem extensões de cabelo postiço, longas madeixas.

No outro lado da estrada, há mulheres deitadas entre montes de legumes garridos, vegetais muito verdes. Esperam fregueses que chegarão se assim tiver de ser, insha’Allah. Nessa mesma sombra, há uma mulher que parou para conversar, pousou o alguidar diante dos pés, não porque pese, mas para descansar de equilibrá-lo na cabeça. É um alguidar de plástico com pequenos galhos para limpar os dentes. Há de vários tipos e tamanhos, são da mesma árvore do galho que passa na boca de um homem de fato e gravata. No sentido contrário, passa também um carro de mão, empurrado por outro homem, roupas a desfazer-se, também com um desses galhos de madeira entre os dentes, vai carregado de caixotes por abrir, forrados por fita-cola grossa, ainda com o endereço de quem o enviou, Paris, e de quem o recebeu, Dakar, escritos por marcadores grossos.

Não paro de caminhar, passo também por lixo, pequenos ou grandes montes de lixo, o cheiro nauseabundo de alguma coisa a apodrecer. E, à distância, uma longa estrada, corpos a caminhar entre trânsito sem interrupções, talvez a levarem caixotes à cabeça, trouxas à cabeça, bebés presos às costas com um pano. Corpos entre táxis amarelos, lata amolgada ou trabalhada por alguém com um martelo, autocolantes com o rosto dos imames. E o mercado sempre dos dois lados da estrada, uma imensa superfície de toldos, abrigo de vendedores que vivem junto às suas bancas, que passam os dias inteiros em Sandaga, que leem o Corão até decorá-lo, que estendem um pequeno tapete para rezar várias vezes por dia.

Neste momento, também eu sou um destes corpos, indistinto do movimento do mercado e da cidade. Neste momento, também eu sou Sandaga.

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