A Holanda é um dos países mais atraentes do mundo – com canais, campos de flores, moinhos de vento coloridos e bicicletas que percorrem as ruas. Mas quem visita Delft, Haia e Roterdão vai ver muito mais do que apenas isto. A menos de uma hora da capital há três realidades para descobrir. E se render.

Texto de Mafalda Magrini

Delft

Situada a 15 minutos de comboio de Roterdão, Delft é uma pequena cidade do sul da Holanda, que cresceu economicamente desde a Idade Média, mas que nunca perdeu o seu charme nem foi invadida pelo turismo massificado. Conhecida pela tradicional porcelana azul e branca, Delft foi a terra natal do pintor Johannes Vermeer (1632-1675).

A cidade não é grande e convida a que se ande a pé, de bicicleta ou de barco através dos seus canais. É quase obrigatório perdermo-nos por ali, tomar uma bebida num dos seus inúmeros cafés e entrar nas muitas lojinhas de recordações. Pode mesmo afirmar-se que quem visita esta cidade se sente num mundo verdadeiramente à parte – existe uma calma percetível naqueles que ali vivem, uma sensação de paz que paira no ar. Os canais de Delft, que muito contribuem para o seu prestígio, foram construídos de raiz com a construção da própria cidade, pois eram um meio de circulação de mercadorias, pessoas e alimentos. O mais antigo, Oude Delft, também dá nome a uma rua. Os canais mantêm-se navegáveis. E é igualmente possível ver pessoas a passear em canoas: depois de um almoço no restaurante Stads Koffyhuis, cuja esplanada fica num barco, um casal de meia idade levanta-se, entra numa pequena canoa de dois lugares e segue viagem pelo canal, passando por baixo das muitas pontes que atravessam a cidade.

A história de Delft tem muito que contar – começou a ser mencionada em 1062, foi fundada em 1075 e recebeu o título de cidade em 1246. Em 1536, foi severamente destruída por um incêndio causado por um raio numa noite de trovoada. Mas, como se isso não bastasse, quase cem anos depois voltou a ser palco de um acidente – desta vez, uma explosão violenta e destruidora.

Delft tem como centro uma praça rodeada de casinhas típicas da região, cada uma da sua cor e feição – a Praça do Mercado. É lá que se situa a Câmara Municipal e uma das duas grandes igrejas que dominam a cidade – a Nieuwe Kerk, ou Igreja Nova. A igreja apresenta uma torre com mais de cem metros de altura, de onde se pode apreciar uma vista deslumbrante de toda a cidade – isto para quem tiver coragem de subir os 375 degraus. A história da Nieuwe Kerk é longa e variada, mas há pormenores que não se consegue esquecer depois de uma visita guiada. É aqui que se encontra sepultada a família real holandesa, mantendo-se esta tradição nos dias de hoje. Quando um dos seus membros morre, a cerimónia começa em Haia, seguindo-se a passagem pela Câmara Municipal de Delft. Depois, a urna é transportada ao longo de uma passadeira vermelha até à igreja. Os túmulos ficam na cave, onde a entrada é permitida apenas à família real.

A cidade foi fudnada no século XIII e hoje tem cerca de cem mil habitantes. É conhecida pelos seus produtos de cerâmica.

A ligação de Delft à Casa de Orange-Nassau, que desempenhou um papel importantíssimo na vida política da Holanda, é bem conhecida. Guilherme de Orange, que liderou a revolta holandesa contra a jurisdição espanhola, foi assassinado em 1584 por um fanático católico. O local é hoje um museu, Princenhoft Delft, e lá é visível a marca da bala que assassinou o Pai da Pátria.

Mas falar de Delft sem falar de Vermeer é quase impossível. O pintor e a sua Rapariga com Brinco de Pérola são símbolos da cidade. Apesar de o quadro original se encontrar em Haia, Peter Webber escolheu a localidade para o cenário do filme sobre a vida do artista, nascido em 1632. Protagonizado por Scarlett Johansson e Colin Firth, o filme acabou por valorizar o trabalho do pintor e atrair mais turistas para Delft. Aliás, o Centro Vermeer, que oferece aos visitantes reproduções de todos os seus quadros, merece uma visita.

Johannes Vermeer encontra-se sepultado na Igreja Velha – Oude Kerk –, construída em 1246. A igreja é igualmente visitada pela sua torre: dois metros de inclinação relativamente à vertical. Esta torre foi acrescentada à estrutura original entre 1325 e 1350. Durante século e meio, foi o local mais alto de toda a cidade, com os seus 75 metros, até ser ultrapassada pela Nieuwe Kerk, a Igreja Nova. Pensa-se que o canal adjacente à igreja foi ligeiramente desviado para a construção da torre, o que fez que os alicerces se tenham tornado instáveis, provocando a inclinação da torre.

A Holanda, por ser um país pequeno, permite a quem visita uma cidade o acesso fácil a muitas outras localidades. É o caso de Haia e Roterdão, que se encontram a breves minutos de comboio a partir de Delft.

Haia

A chegada a Haia de comboio parece-nos triunfal, principalmente para quem partiu de Delft, onde tudo é pequeno e calmo. A cidade lembra uma capital cosmopolita, como Londres ou Bruxelas. Mas a verdade é que Haia não é uma cidade, nem nunca foi capital do país, para admiração de muitos. Amesterdão é a capital da Holanda, mas é em Haia que se encontram todos os serviços públicos e administrativos do país. Aliás, o rei Guilherme Alexandre vive e trabalha nesta vila desde 2013. Ali ficam igualmente o Staten Generaal (os Estados Gerais, composto pelas duas câmaras – a Eerste Kamer e a Tweede Kamer), o Raad van State (Conselho de Estado), a Hoge Raad der Nederlanden (Suprema Corte) e todos os ministérios e embaixadas. E Haia tem sido a residência da Casa de Orange há quatro séculos.

O Noordeinde Palace, um dos palácios reais e lugar de trabalho do rei, é um edifício modesto se comparado com os palácios reais do resto da Europa. Fica situado na Rua Noordeinde, uma rua de lojas de roupa e galerias, já que a família real não se importa de se misturar com os restantes habitantes. O único sinal de diferença para quem visita a rua é que, quando o rei Guilherme Alexandre, filho da rainha Beatriz – que abdicou do trono em 2013 –, se encontra no palácio, a bandeira está hasteada.

Haia é a terceira cidade mais populosa do país, depois de Amesterdão e Roterdão. A área metropolitana aloja um milhão de pessoas.

O Binnenhof, complexo de edifícios ao lado do lago Hofvijver, onde fica situado o gabinete do primeiro-ministro, e o Hofvijver são alguns dos principais marcos dos Países Baixos. Diz-se que, pelo famoso portão do Binnenhof, se entra na democracia da Holanda. Foi neste local que os eventos mais importantes da nação tiveram lugar e onde o futuro do país é atualmente delineado.

Depois de umas compras nas mais diversas lojas desta quase «cidade» – convém referir que o comércio fecha às 18h00 –, é tempo de ver o tão famoso quadro da Rapariga com Brinco de Pérola, de Vermeer, que se encontra no Mauritshuis. Para grande espanto de quem o observa, não há uma pérola na sua orelha. Existe, sim, um pendente de prata – e só quem olha com atenção, e talvez com um guia do museu que explique a história do quadro, se consegue aperceber deste pormenor. A obra de arte é um verdadeiro mistério: não se sabe ao certo quem seria a musa e há quem diga que ela nunca foi real e que tudo não passou da representação da mulher perfeita e ideal, tão habitual no período barroco.

Um passeio por Haia não termina sem atravessarmos a Lange Voorhout. Poucos saberão que os Champs-Élysées foram inspirados nesta avenida. Era aqui que a alta sociedade vinha ostentar a sua riqueza e eloquência durante a sua Idade de Ouro, no século XVII, quando os Países Baixos eram os mais ricos do mundo.

Haia é a maior localidade holandesa à beira do mar do norte. Um novo campus, em 2012, trouxe ainda mais universitários à região.

Além de história, compras e cultura, Haia oferece mar. A poucos minutos do centro, encontra-se a praia de Scheveningen. São onze quilómetros de areal e de muitos bares, além de uma roda-gigante, que sugere um pouco o ambiente de Albufeira ou de Brighton, em Inglaterra.

Roterdão

Ao chegar de comboio vindo de Haia, que fica apenas a trinta quilómetros, somos confrontados com uma cidade cosmopolita, de construções modernas e ousadas. Ao contrário de Haia ou Delft, que possuem uma arquitetura tradicional na Holanda e paisagens únicas, Roterdão enche o olho a quem a visita.

É a segunda cidade do país, depois de Amesterdão, e é conhecida por ter o maior porto de transportes marítimos da Europa. Para além disso, apresenta uma modernidade única, que se deve ao facto de, durante aSegunda Guerra Mundial, a cidade ter sido arrasada e posteriormente reconstruída. O título de cidade mais moderna do país aplica- se-lhe bem: há quem diga que está para a Holanda como Manhattan para Nova Iorque.

Começando a visita na zona velha, Delfshaven, é possível ver alguns dos poucos edifícios que se mantiveram até hoje e que são típicos do restante país – casas estreitas e altas – e o antigo porto urbano.

Junto ao canal onde se encontra o porto antigo (Oude Haven), numa zona de restaurantes e cafés situada junto à estação de comboios Blaak, ficam as Casas em Cubo ou Kubuswoningen. Trata-se da construção mais notável em Roterdão e também uma das mais controversas. Foram projetadas na década de 1980 pelo arquiteto Piet Blom, que pretendeu dar a ideia de uma floresta abstrata, em que cada teto triangular representa a copa de uma árvore. No total, são 32 cubos dispostos lado a lado. Construídos com uma inclinação de 45 graus, com três andares com cozinha, sala, dois quartos e casa de banho, parece quase impossível que alguém ali possa morar. Os visitantes mais curiosos podem visitar um dos cubos, Kijk-Kubus, tornado museu pelo seu proprietário.

A cidade tem mais de 635 mil habitantes, 1,2 milhões em toda a área metropolitana. Cerca de cinquenta por cento destes são estrangeiros.

Mas o coração da cidade contemporânea pode começar pelo mercado – o Markthal. O edifício é grandioso e lembra uma gigantesca ferradura. Um enorme mural cobre o teto arredondado de todo o mercado, que fica no interior deste edifício residencial. O mural é assinado pelos artistas Arno Coenen e Iris Roskam, que lhe chamaram Cornucópia. O mercado é especial e único no mundo pela sua grandiosidade: além de uma praça onde se vendem alimentos frescos, há também uma zona de restauração – que recorda os mercados espanhóis –, um supermercado e um estacionamento subterrâneo.

Seguindo caminho pela zona nova de Roterdão, chega-se à Estação Central, edifício grandioso e moderno. É o principal ponto de entrada e saída do país – daqui partem e chegam comboios de muitas cidades da Holanda e da Europa. Mas há ainda mais: a estação ferroviária parece um aeroporto, com lojas, cafés, acesso ao metro e um parque de estacionamento gratuito para bicicletas que assusta qualquer estrangeiro – cinco mil bicicletas encontram-se estacionadas em vários andares.

Roterdão é a cidade da arquitetura, e isso pode ver-se não só nos muitos arranha-céus que recortam a paisagem, mas em muitas outras construções originais que ali ganham vida própria. É o caso da Ponte Amarela, construída em 2015 e que liga três áreas. Uma delas é uma zona considerada anteriormente menos nobre e pouco atrativa para a maioria dos seus habitantes, que melhorou a sua acessibilidade e que seduz hoje jovens artistas. A Ponte Amarela, com uma extensão de 390 metros, foi um projeto de crowdfunding que recebeu o contributo de oito mil pessoas: quem doou 25 euros teve direito a assinar uma das tábuas de madeira que compõem a parte lateral da ponte.

É uma das cidades mais modernas e cosmopolitas da Europa. E pensar que foi destruída durante a Segunda Guerra Mundial.

Não se pode visitar Roterdão sem conhecer a Ponte Erasmus (Erasmusbrug, em holandês), impressionante obra de engenharia feita de aço azul-claro. Conhecida pelos habitantes da cidade como O Cisne, é pano de fundo para vários eventos e liga as zonas norte e sul.

Andando um pouco a pé, chega-se ao Fenix Food Factory, mercado alternativo onde se encontra de tudo um pouco. Um dos espaços oferece as famosas bolachas stroopwafel acabadas de fazer; outro apresenta comida típica marroquina, e ainda outro sidras para todos os gostos. Há ainda lugar para uma livraria ou para uma banca com vegetais frescos e nacionais. O melhor de tudo é o ambiente descontraído e o facto de ainda hoje não ser um ponto turístico.

Mas nem só de construções estranhas e originais vive Roterdão. Há museus e «não-museus» para visitar, como o caso do Kunstahal. Este museu que «não é um museu», como explica a responsável, recebe várias exposições temporárias em simultâneo, com o objetivo de agradar a gregos e troianos. A verdade é que quem percorre uma delas não resiste a ver as restantes. É o caso de uma delas: até 1 de julho, está patente uma impressionante mostra de arte hiper-realista. A exposição merece uma visita: ao todo, são 35 obras de 28 artistas, que incluem esculturas impressionantes, em tamanho real, do corpo e rosto humanos. Algumas são verdadeiramente notáveis e tornam-se mesmo aterradoras, de tão reais que aparentam ser.

Desporto e arquitetura são duas bandeiras de Roterdão. A sua maratona e os seus arranha-céus são imagens de marca.

Delft, Haia, Roterdão: quem lá vai vem maravilhado, pela diversidade de arquitetura, paisagem, cultura, restauração, comércio, ambiente em geral. Chega-se a casa de olhos, coração e barriga cheios. Sim, porque apesar de a Holanda não ter gastronomia própria, vem-se de lá satisfeito: sem pratos verdadeiramente tradicionais, Delft, Haia e Roterdão oferecem-lhe uma escolha diversificada, com cozinhas de todo o mundo.


Delft | Haia | Roterdão

Documentos: Cartão de Cidadão ou passaporte
Moeda: Euro
Fuso horário: GMT +1hora
Idioma: Holandês, mas o inglês está bem implantado

Ir

A Transavia (transavia.com) voa para o Aeroporto Roterdão-Haia diariamente a partir de Faro, com viagens de ida desde 35 euros. De Lisboa, a companhia voa para o mesmo aeroporto cinco vezes por semana, com viagens de ida a partir de 44 euros. A partir da Estação Central de Roterdão, chega-se a Delft e Haia em menos de meia hora. Se for com origem no Porto, a Transavia tem como destino a capital, Amesterdão.

Dormir

Delft

The Westcord
Premiado com a certificação Green Key, está situado a 2,5 km do Centro Vermeer, oferecendo fácil acesso a Roterdão e a Haia.
OLOF PALMESTRAAT 2
WESTCORDHOTELS.NL

Haia

Parkhotel Den Haag
O Parkhotel Den Haag está no centro da cidade, ao lado dos jardins do Palácio Real Noordeinde.
MOLENSTRAAT 53
PARKHOTELDENHAAG.NL

Hotel Indigo The Hague
Em frente ao Palácio Real Noordeinde, no centro do Parlamento de Haia, no antigo edifício de um banco.
NOORDEINDE 33
IHG.COM

Roterdão

citizenM Rotterdam
No Oude Haven (Porto Antigo), tem a particularidade de controlar os equipamentos elétricos do quarto através de um iPad.
GELDERSE PLAIN 50
CITIZENM.COM

Comer

Delft

KEK
À beira de um canal, oferece sanduíches deliciosas, sumos, bolos, bom café e chá.
VOLDERSGRACHT 27
Aberto todos os dias das 08H30 às 18H00.
KEKDELFT.NL

Stads Koffyhuis
Conhecido pelas sanduíches premiadas, apresenta menu variado e agradável.
OUDE DELFT 133
Aberto das 09H00 às 20H00; fins de semana até às 18H00.
STADS-KOFFYHUIS.NL

Haia

Pastis
Comida francesa com bons vinhos, oferece um pouco de tudo: mexilhões, bife tártaro, linguado, etc.
OUDE MOLSTRAAT 57
Aberto das 17H00 às 22H30
PASTIS.NL

Brasserie Stocks & Bonds
Restaurante do hotel Indigo The Hague. Serve durante todo o dia. Hambúrgueres, saladas e risotos são opções.
NOORDEINDE 33
Aberto das 06:30 às 23H00; ao domingo, das 07H00 às 22H00.
IHG.COM

Catch by Simonis
Com vista para a marina, tem uma estrela Michelin e serve peixe e marisco deliciosos.
DR. LELYKADE 43
Aberto das 12H00 à 01H00
CATCH-BYSIMONIS.NL

Roterdão

Aloha Bar
Restaurante e bar, com terraço fantástico sobre o rio.
Aberto das 12H00 às 21H30.
MAASBOULEVARD 100
ALOHABAR.NL

Op Het Dak
Especializado em pequenos-almoços e almoços saudáveis, fica no topo de um prédio.
SCHIEKADE 189
Aberto das 08H00 às 17H00. Fechado à segunda-feira.
OPHETDAK.COM

Dertien
Várias opções de pratos feitos com produtos locais e sazonais.
SCHIEDAMSE VEST 91
Aberto das 17H00 às 22H00 aos dias de semana e até às 23:00 aos sábados
DERTIENROTTERDAM.NL

Visitar

Delft

Centro Vermeer
Não tem qualquer quadro original do pintor Johannes Vermeer, mas explica a conceção e a elaboração de cada um.
VERMEERDELFT.NL

Haia

Mauritshuis
É o lar do melhor da pintura holandesa da Era de Ouro. Fica no coração de Haia.
MAURITSHUIS.NL

Gemeentemuseum
Apresenta a maior coleção de Mondrian do mundo num museu único de art déco.
GEMEENTEMUSEUM.NL

Roterdão

Kunsthal
São 3300 m2 de espaço para exposições, auditório e restaurante.
KUNSTHAL.NL

Fenix Food Factory
Mercado alternativo que oferece várias opções de restaurantes. Tem café, banca de produtos frescos e livraria.
FENIXFOODFACTORY.NL

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