Joanesburgo, Sun City e Pilanesberg

Na África do Sul há de tudo – uma cidade que não se entende à primeira, um resort sintético no meio da selva, vida selvagem única. Joanesburgo, Sun City e Pilanesberg, a possibilidade de ter três faces numa moeda. Para ler e para ver nos programas de televisão da Volta ao Mundo na RTP 3.

Texto de Ricardo Santos
Fotografias de Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Joanesburgo é uma cidade estranha. Mas não o serão todas que não a nossa? Uma só visita não chega para entender como funciona ou o que por lá se passa. Não é um caso de amor à primeira vista como Florença nem de descoberta constante como Tóquio. É monumental à sua maneira, sem os edifícios históricos de Paris, mas com a herança mineira que se avista de qualquer ponto. É histórica, mas recente. Sem palácios nem pontes como Budapeste, mas com um passado de luta e de superação. Tem o Soweto e o arranha-céus mais alto de África, tem problemas e soluções, tem bairros degradados e perigosos e quarteirões de luxo onde só se entra depois de uma revista cuidada. Tem hotéis e restaurantes de topo, tem a única rua do mundo onde viveram dois prémios Nobel da Paz, tem muito frio no inverno e muito calor no verão. Quem lá mora diz que Joanesburgo é a maior cidade do mundo sem água por perto. É estranha, sim. Mas é um mundo de emoções.

Manuela ainda é portuguesa, por muito que isso lhe custe admitir. Reclama no trânsito enquanto conduz, mas depressa lhe passa a arrelia. Em 1974 chegou a Jo’burg, um dos diminutivos que os habitantes locais escolhem para a cidade. Tinha 8 anos e vinha de Moçambique com os pais. Hoje é guia turística e quase uma enciclopédia sobre a África do Sul. Conta-nos que só em 1980 as mulheres puderam usar biquíni na praia – «Éramos um país com várias regras ligadas ao Velho Testamento. Até 1994, jogo, aborto e pornografia estavam proibidos e a comunicação social era censurada.» Fala das três capitais do país – a administrativa Pretória, a legislativa Cidade do Cabo e a judicial Bloemfontein – e da maior cidade, aquela em que nos encontramos, na província de Gauteng.

É grande este país, mais de 1,2 mil milhões de quilómetros quadrados e cinquenta milhões de habitantes (Portugal tem 92 mil quilómetros quadrados e pouco mais de dez milhões de pessoas). Equivale apenas a quatro por cento do continente africano, mas aqui está cerca de metade das infraestruturas de África. É terra de 11 línguas oficiais, com o inglês na quinta posição das mais faladas. O topo fica entregue ao Isuzulu. Manuela não para de nos dar números e curiosidades enquanto conduz pelas auto-estradas e vias rápidas que nos levam do hotel The Maslow aos vários pontos de interesse de Jo’burg.

A figura de Nelson Mandela (1918-2013) está presente. Seja em graffiti, fotografia ou na herança do país do arco-íris.

Começamos na zona de Sandton, onde o turismo e os negócios servem de motores. Ao lado do hotel aberto há cinco anos (e que é ponto de encontro para as elites da cidade) está a Nelson Mandela Square, uma praça que tem tudo de centro comercial. A clientela é variada, como o país do arco-íris imaginado pelo antigo presidente sul-africano (1918-2013) que dá nome ao local neste bairro do Norte. Não muito longe está o Melrose Arch, ninho de restaurantes, lojas e bares para classes favorecidas. É outro dos pontos de contraste na cidade.

No Sul, foi onde tudo começou em 1886, com a descoberta do ouro por George Harrison. Os holandeses tinham chegado em meados do século XVII e há muito que havia rumores de um potencial eldorado neste planalto remoto a quase 1800 metros de altitude. Confirmaram-se no final do século XIX e a pequena quinta onde o ouro foi encontrado tornou-se o ponto de partida para a mais populosa cidade sul-africana, com
4,5 milhões de habitantes.

À medida que seguimos, descobrimos na paisagem as elevações de terra que já foram minas a céu aberto. Fazem parte do cenário e a perspetiva é ainda melhor do topo do Carlton Center, o maior arranha-céus de África. Tem 223 metros de altura, cinquenta andares e foi inaugurado em 1973. Escolhemos o ponto cardeal e encostamo-nos aos vidros, manchados da parte de fora. Apesar disso, a vista ainda alcança. Não é uma paisagem de cortar a respiração, mas é imponente. E mais se torna ao pensar na improbabilidade de aqui, a quase seiscentos quilómetros do mar, ter nascido uma cidade assim.

Joanesburgo é também Mandela, Madiba. Toda a África do Sul parece sê-lo, seja ela o país dos brancos, dos pretos, dos mestiços ou dos indianos. A figura do pai da nova nação está sempre presente, nem que seja pelo exemplo de reconciliação. Por isso, chegar ao Soweto é uma experiência difícil de explicar. Durante a década de 1980, a localidade com 99 por cento de população negra, a vinte quilómetros do centro de Jo’burg, era presença diária nos noticiários de todo o mundo.

Manuela para o carro junto ao campus da universidade, com vista para as duas torres da central elétrica hoje pintadas em homenagem à vida no South Western Township. As duas primeiras letras de cada palavra deram origem a Soweto, onde vivem perto de quatro milhões de pessoas. Passamos o maior hospital do mundo (Barangwanath), com seiscentos médicos, quatro mil enfermeiros e cinco mil camas. A portuguesa fala-nos dos sessenta mil táxis que transportam mais de duzentas mil pessoas por dia e dos comboios que levam e trazem milhares e milhares de trabalhadores.

As casas térreas estendem-se por quilómetros. É impossível contá-las, mas já é possível saber a quem pertencem. Até 1994 (27 de abril) e à chegada de Nelson Mandela ao poder, os habitantes do Soweto não tinham direito à propriedade. Foi assim desde 1910, quando a township nasceu.

Paramos no Freedom Charter Garden, o local onde, em 1955, os ativistas da população negra formularam a sua Carta de Direitos. Em cada torre, um mandamento: Um homem, um voto; Direitos iguais… Dez mandamentos que levaram quase quarenta anos a ser postos em prática.

A viagem é curta até à igreja católica Regina Mundi, tristemente célebre pelas imagens dos comícios improvisados do ANC (Congresso Nacional Africano) que quase sempre terminavam em confrontos com as autoridades da minoria branca. Durante o período do apartheid, era normal o templo estar cercado pela polícia. Ao lado, a mais famosa das ruas do Soweto – Vilakazi. Aqui viveram o reverendo Desmond Tutu e Nelson Rolihlahla Mandela, dois galardoados com o Prémio Nobel da Paz. O primeiro foi distinguido em 1984, o segundo em 1993, ao lado de Frederik Willem de Klerk, o antigo presidente sul-africano, que contribuiu de forma decisiva para o fim do apartheid. Nesta mesma rua Vilakazi, mais abaixo, morreu durante os motins de 1976 um rapaz de 13 anos, Hector Pieterson. A 16 de junho. A data passou a Dia Nacional da Juventude e o memorial em sua homenagem é outro dos pontos de visita no Soweto.

A lição de história continua na Casa Mandela, pela mão de Madonna, a guia que tinha 2 anos quando ele foi preso e sentenciado a prisão perpétua, em 1964. A guia de cabelo branco debita a informação aos turistas, mas é apenas quando a visita à casa-museu termina que se solta do discurso enlatado. Conta-nos da vez em que foi a Robben Island, a ilha-prisão ao largo da Cidade do Cabo, visitar o prisioneiro 46 664. E como os guardas não os deixavam falar em dialeto. Conta-nos da importância que ele teve na sua vida. Na da família. Na da comunidade. Na do mundo, acrescentamos.

São muitas emoções para um dia só, mas ainda falta o Museu do Apartheid. E para esse espaço há que guardar pelo menos umas quatro horas. Tanta e tão importante informação é difícil de tratar. À entrada, escolhemos a porta: Brancos e Não- Brancos. O murro no estômago começa assim e perpetua-se ao longo dos corredores, com fotografias, cartazes, vídeos, memórias, testemunhos de desespero, histórias de terror. Ambos os lados estão representados. É duro de digerir, mas é absolutamente necessário visitar e conhecer.

Nelson Mandela

Nascido a 18 julho de 1918, Nelson Mandela morreu a 5 de dezembro de 2013, com 95 anos. A luta contra o regime racista branco do apartheid levou-o a passar 27 anos da sua vida na cadeia. Mas, ao contrário do que seria de esperar, quando saiu não procurou a vingança dos negros sobre os brancos, mas a convivência pacífica entre todos numa Nação Arco-Íris com lugar para todos. Mesmo na prisão sempre procurou entender o outro lado, aprendendo africâner, a língua dos carcereiros (muitos deles ficaram depois seus amigos). Primeiro presidente negro eleito da África do Sul, entre 1994 e 1999, cumpriu só um mandato e deixou o poder de livre e espontânea vontade. Criou em 1999 a Fundação Nelson Mandela para ajudar no combate à pobreza e à doença do VIH/sida. E também para perpetuar o seu legado. Mas se muitos o elogiam depois de morto, porque é relativamente fácil, difícil é seguir o exemplo de paz, perdão, união e diálogo que deu em vida. (Por Patrícia Viegas/DN)


Sun City & Pilanesberg

Do artificial ao selvagem. De um lado, um resort que parece cenário de um filme. Do outro, um parque nacional onde os maiores animais da selva podem ser avistados. Entre ambos, dez minutos de viagem.

No dia seguinte, tudo muda. Vamos a caminho da selva e do paraíso artificial de Sun City, a duas horas e meia de Jo’burg. Este complexo turístico inclui hotel de cinco estrelas, 1300 quartos, restaurantes, bares, casino, salas privadas de jogo, parque aquático, praia artificial com ondas e recebe um milhão de pessoas por ano. É o segundo local mais visitado da África do Sul, depois da Table Mountain, na Cidade do Cabo. A primeira impressão é a de se estar num parque temático com selva à volta, onde o luxo impera. Tem de se apagar rapidamente da memória a imagem das townships e dos bairros problemáticos de Joanesburgo – mudar o chip. E isso acontece rápido, com um mergulho. Parece insensível? Poderá sê-lo, mas neste país de contrastes não há outra opção.

No resort de Sun City tudo está preparado para o turista. Mais de um milhão de visitantes chegam a esta selva todos os anos. E saem com histórias para contar.

À noite há música ao vivo e jogo, restaurantes cheios e turistas satisfeitos. No início do dia seguinte, esquece-se o artificial e embarca-se numa viagem de jipe pelo Parque Nacional de Pilanesberg. Os Big 5 vivem nesta reserva protegida, bem como mais de 350 espécies de aves. São 580 quilómetros quadrados em que não se sente demasiada presença humana. Há também girafas, hipopótamos e antílopes neste antigo vulcão aberto ao público, pode lá chegar em viatura própria. Cuidados a ter, os de sempre: não sair nem pôr as mãos fora da viatura, não incomodar os animais, não tirar nada a não ser fotografias.

Darren Luppa é de origem polaca, tem 31 anos e está há oito como guia no parque. O pai já o era, daí ter lá vivido entre os 8 e os 14 anos. Todos os dias entre as 06h e as 10h30 escolta visitantes a Pilanesberg e explica-lhes cada trilho, cada bicho avistado. «Essa é a melhor hora, por causa do calor e porque os animais estão mais ativos», explica imediatamente antes de enumerar as caraterísticas que separam os os rinocerontes brancos dos negros, estes mais solitários. Acabamos por cumprir a missão de encontrar búfalo, leão, elefante, rinoceronte e leopardo, os cinco maiores da selva. Capturamo-los, mas como sempre deve ser: na câmara e na memória. Noutra gaveta das recordações continua Joanesburgo, a estranha, a cidade que nos causa sentimentos diversificados: de medo e de curiosidade, de choque e de admiração.

É possível circular com viatura própria em Pilanesberg. Basta obedecer às regras básicas: não sair do carro, não pôr as mãos de fora e estar sempre atento.

Voltamos lá para tirar as dúvidas e entramos em Maboneng, o bairro trendy. A comparação é sempre de evitar em viagens, mas podia ser o Lx Factory de Lisboa em ponto pequeno. Nos prédios industriais há hoje cafés, bares, lojas e galerias. Ao longe veem-se edifícios pintados com graffiti de Descartes ou de Mandela. O Museu do Design Africano está à espera, tal como um jantar na The Smoke House & Grill em Braamfontein.

O bairro é de diversão, o tom da pele é esmagadoramente diferente do nosso. Nakhane Touré, jovem estrela musical sul-africana, em ascensão, dá um concerto no Kitchener’s Carver Bar. Está cheio, fuma-se e bebe-se. As conversas surgem de todo o lado, há curiosidade no ar. Há respeito pelas diferenças sexuais, há convivência. O país do arco-íris leva tempo, mas segue o seu caminho.


Onde reservar um safari ou um tour por Joanesburgo

Experiente e multifacetada, a agência de António Esteves, um português a viver há largos anos no país, a Mundial Travel, é uma ajuda preciosa em viagem pela África do Sul – onde é
aconselhável o acompanhamento de guias. O programa de Joanesburgo inclui um tour pela cidade, uma visita ao Soweto, Pretoria e outros locais emblemáticos. A agência pode reservar também várias experiências de safaris por todo território e tours combinados, que incluem Sun City, e o Pilanesberg National Park. Esta reportagem na África do Sul contou com o apoio da Mundial Travel no terreno.
travelwithmundial.com


Guia de Joanesburgo e Sun City

Moeda: Rand (1 euro = 17,8 zar)
Fuso horário: GMT +1 hora
Idioma: há 11 línguas oficiais. O inglês é a quinta mais falada.
Quando ir: dezembro e janeiro são os meses de verão, mas o país tem encantos todo o ano.

Dormir
Joanesburgo – The Maslow
Na moderna zona de Sandton, a curta distância da Nelson Mandela Square. Hotel de negócios, com piscina, bar, esplanada, restaurante, salas de reunião.
Quarto duplo a partir de 130 euros por noite com pequeno-almoço
Corner Grayston Drive & Rivonia Road, 2031 – Sandton
Tel: +27 102264600
suninternational.com

Sun City – Palace of the Lost City
Inserido no mundo de fantasia que é Sun City, este empreendimento imponente rivaliza com a selva em redor quanto a chamar a atenção. Vale pelo inusitado e pela qualidade do serviço.
Quarto duplo a partir de 272 euros por noite com pequeno-almoço
Sun City resort 0316, Rustenburg, North West Province
Tel: +27 145574307
suninternational.com

Comer
Joanesburgo – The Smoke House & Grill
Restaurante de grelhados numa das áreas mais animadas da cidade, o bairro de diversão noturna de Braamfontein.
Juta St, Johannesburg, 2001
Preço médio: 20 euros
Tel: +27 011 403 1395
thesmokehouseandgrill.co.za

Visitar
Joanesburgo
Os autocarros turísticos hop-on hop-off são excelentes para conhecer a cidade em segurança. Entre os locais que fazem parte destes roteiros, o Museu do Apartheid, o centro da cidade e a colina do Tribunal Constitucional. Visite a sala onde são tomadas as decisões mais importantes da sociedade sul-africana. Mesmo ao lado está a antiga prisão da cidade por onde passaram figuras históricas da história recente do país. Em Sun City, aproveite os dias para frequentar a praia artificial, a piscina de ondas ou o parque aquático. À noite, todos os caminhos vão dar ao casino e aos espetáculos.

Consultar
embaixada-africadosul.pt
emirates.com
southafrica.net

Agradecimentos

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