Solange Morin trocou o Senegal pela Guiné e ergueu na ilha de Rubane o hotel Ponta Anchaca, tão respeitador da natureza que até os chefes tradicionais deram o sim a esta francesa que aguarda a vinda de mais turistas portugueses.

Texto de Leonídio Paulo Ferreira
Fotografia de Leonardo Negrão

“Bonjour. Soyez les bienvenus”, diz a mulher esbelta, de pés nus na areia, que vê o pequeno barco a motor chegar com os visitantes vindos de Bissau. O sorriso gentil que acompanha as palavras é de certeza um dos segredos do sucesso de Solange Morin, a francesa que há dez anos trocou o Senegal pelos Bijagós e construiu este Ponta Anchaca Ecolodge, um nome sofisticado para um pequeno hotel que se distingue pelas cabanas de madeira alinhadas no areal branco. Vários barcos de fibra estão ancorados junto aos pilares que sustentam o bar-restaurante do hotel, um deles com o sugestivo nome – em francês, que neste caso até parece soar melhor – de Princesse de Ponta Anchaca.

Talvez seja só princesa a embarcação por respeito a Solange, a verdadeira rainha dos Bijagós, uma francesa de Toulouse, mas cujos traços exóticos deixam adivinhar uma qualquer mestiçagem que ela própria confessa, numa conversa regada a vinho branco português, ser vietnamita. Uma mulher com muito mundo pois, mas sobretudo uma empresária que arriscou ao deixar o Senegal, com a sua indústria turística habituada a receber massas de franceses de vacances, e se deixou apaixonar por esta ilha de Rubane, uma das 88 que constituem o arquipélago dos Bijagós, maravilha natural de uma Guiné-Bissau que merece melhor fama do que aquela que tem por causa da instabilidade política e dos golpes militares.

«Mudei de país sem mais nem menos. Um dia vim do Senegal visitar a Guiné-Bissau e descobri ilhas virgens, completamente esquecidas. E decidi que era aqui que ia fazer alguma coisa de novo, totalmente diferente», conta Solange, cuja família tem passado na hotelaria. Trocou então o betão dos hotéis senegaleses, pensado para grandes grupos, por estes bungalows que ao todo não levarão mais do que umas dezenas de hóspedes. Nem ela quer mais gente nem a ilha poderia ter muito mais gente. É sagrada para o povo dos Bijagós, na maioria animistas, apesar de, tal como resto da Guiné, haver também muçulmanos e cristãos.

Só vinte das ilhas são habitadas, mas mesmo as desertas como Rubane têm comunidades que vivem dos seus recursos, sejam pescadores que frequentam as suas águas sejam agricultores que vêm e vão, sobretudo a partir da vizinha ilha de Bubaque, onde fica a mais importante cidade (cidadezinha) das ilhas, excluindo Bolama, capital oficial dos Bijagós mas quase colada ao continente. Curiosa ilha (e cidade) a de Bolama: só ficou portuguesa porque um presidente americano do século XIX decidiu numa arbitragem internacional que a cobiça britânica não tinha base histórica, evitando assim um enclave anglófono na Guiné de língua portuguesa semelhante ao que é hoje a Gâmbia no Senegal francófono. Mas essa é outra história.

Solange não gosta de estar sempre a falar do mesmo, da forma como teve de negociar com os chefes tradicionais e com as várias famílias ligadas à ilha a autorização para abrir o hotel. Contam-se histórias de banhos em sangue de vaca e de galinhas de cabeças cortadas a correrem desenfreadas, mas é a harmonia ambiental existente, como prometido, que garante o respeito das gentes de Bijagós. Há também muita generosidade nesta empresária hoteleira, vejo pelas prendas que mandam comprar na escala em Bubaque quando fazemos uma excursão até à ilha de Soga, não muito longe de Rubane, mas uma Guiné pobre como é regra, com tabancas onde zinco e colmo fazem de telhado, cheias de crianças de pés descalços mesmo que vestidas com camisolas de CR7, da seleção ou do Real Madrid (um dia destes aparecerão as da Juventus).

Das muitas ofertas à comunidade, as óbvias são as placas de zinco que protegem sobretudo na época das chuvas. Mas também me contam que o avião ao serviço do Ponta Anchaca já transportou doentes de urgência para Bissau. Tento saber mais junto de Abas Camara, o bijagó que é o braço direito de Solange, o seu chefe dos cavaleiros, mas é discreto sobre a sua dama. Fico só a saber que além dos barcos, que demoram perto de duas horas a fazer o percurso desde Bissau, há também a possibilidade de um voo de 25 minutos da capital para o aeroporto de Bubaque e depois fazer a travessia até Rubane (mais cinco minutos). Abas, que me deixa tratar assim pelo nome e em troca me chama Leo tanto a mim como ao fotógrafo (Leonardo Negrão), esteve há meses na Bolsa de Turismo de Lisboa para ajudar a promover o Ponta Anchaca e conta-me que, do que visitou em Lisboa, aquilo que o maravilhou mais foi o Oceanário.

Abas, um bijagó com família também na parte continental, é um dos guineenses que trabalham com Solange, que trouxe consigo também senegaleses. «Vieram comigo dos outros hotéis. Tinham experiência de trabalhar comigo e ajudaram a formar o pessoal guineense», diz-me Solange. Durante algum tempo, os futuros funcionários guineenses iam mesmo até aos hotéis que a empresária mantinha no país vizinho para receberem aulas. Só no final, a francesa trocou tudo pelo Ponta Anchaca, onde, admite, «ainda vêm mais franceses do que portugueses, mas não tem de continuar assim. Gosto muito de ter cá portugueses. E Lisboa fica a menos de quatro horas de avião de Bissau».

Desta vez, além da dupla de jornalistas, também recebe os músicos de Dulce Pontes, que esteve a cantar em Bissau mas acabou por não viajar até aos Bijagós, e até um aventureiro checo, médico nos Estados Unidos, que está a atravessar África, tendo-se desviado da rota para comprovar a fama de paraíso natural das ilhas. Por aqui, além de peixe e marisco em abundância, que o Ponta Anchaca serve aos hóspedes, há tartarugas, flamingos, macacos e até, na ilha de Orango (longe de Rubane), a única comunidade no mundo de hipópotamos-marinhos.

Numa das noites, além de um espetáculo de danças tradicionais por um grupo de jovens de Bubaque, temos o privilégio de ouvir os músicos de Dulce juntarem-se ao guineense Demba Baldé, visitante habitual do resort, para um concerto com tanto de improvisado como de mágico. Tudo junto ao tal bar-restaurante em sistema de palafita, onde também há uma piscina para quem se quer refrescar sem ter de fazer um pequeno caminho até ao mar. Desde o pequeno-almoço, com croissants ou não fosse Solange francesa, até ao almoço e jantar, a sensação é de estar a comer em cima do Atlântico, por estes dias calmíssimo, mas nem sempre assim.

Mas se o Ponta Anchaca convida ao descanso, também desafia a atividades. Longos passeios pela ilha, incursões de pesca, visita às ilhas vizinhas. «Queremos que quem nos visita nunca mais nos esqueça. E que volte com amigos», lança Solange. Ela gosta de conversar com os hóspedes, junta-se a eles, mas nunca, nunca, deixa de controlar o serviço, se a qualidade é a melhor, se o peixe está grelhado a gosto do cliente. Em algumas das ilhas Bijagós subsistem sociedades matriarcais, onde as mulheres têm verdadeiro poder. Em Rubane tudo é diferente, mas Solange põe e dispõe. Confesso que estou a pensar chamar-lhe rainha no título da minha reportagem. «Non?!», diz, a rir.


Guiné-Bissau

Documentos: Passaporte
Moeda: Franco CFA (1 euro equivale a 656 CFA)
Fuso horário: GMT -1hora
Idioma: Português, crioulo e várias línguas africanas

Ir

Bissau
Há voos para Bissau na EuroAtlantic (que oferece na classe executiva assentos com massagens) ou na TAP.

Visitar

Bolama
No regresso de barco de Rubane para Bissau peça um desvio até Bolama. A cidade é uma sombra do que foi, mas a sua arquitetura da era colonial merece ser apreciada.

Comer

Bissau
Restaurante Coimbra
Em Bissau vale a pena almoçar/jantar no restaurante Coimbra, no Kais ou no Padeira Africana. Comida guineense e portuguesa.

Quinhámel
A trinta quilómetros de Bissau, vale a pena ir a Quinhámel provar num dos restaurantes as saborosas ostras.

Ficar

Bissau
Coimbra Hotel & Spa
Em Bissau ficar no hotel Coimbra, no centro e propriedade de uma família portuguesa, os Nunes, que se fixou na Guiné há noventa anos. Tem um terraço que vale a pena e corredores cheios de livros para os hóspedes se entreterem.
HOTELCOIMBRA.NET/WEBSITE

Bijagós
Ponta Anchaca Lodge

Nos Bijagós recomenda-se o hotel Ponta Anchaca, na ilha de Rubane. Chega-se lá de barco (duas horas) ou de avião (25 minutos até Bubaque, depois cinco de barco até Rubane)
PONTAANCHACA.NET


Agradecimentos
A Volta ao Mundo viajou a convite da EuroAtlantic


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