Inês saiu de Portugal para Inglaterra para estudar cinema. Fez-se realizadora, produtora e viajante profissional. Hoje, não há destino onde não vá com uma câmara na mão.

Texto de Bárbara Cruz

Não é em poucas palavras que se pode descrever a vida profissional de Inês von Bonhorst, lisboeta de 36 anos, que há mais de uma década deixou Portugal para se fixar no Reino Unido – e que trocou entretanto por Itália. «O meu trabalho divide-se em três partes », explica a realizadora, documentarista e produtora freelancer que desde tenra idade se dedica às artes visuais. A parte mais «comercial», refere, passa por trabalhar em spots publicitários de grandes marcas, sobretudo de moda. Com o tempo que sobra, faz projeção de vídeo em performances ou peças de teatro, um «canto de experimentação» em que vai buscar criatividade para o trabalho de todos os dias. Ainda numa terceira vertente, dedica-se a «projetos pessoais», documentários ou curtas-metragens que vai apresentando em festivais por todo o mundo. O que é comum a todas estas dimensões? As viagens.

Quando saiu de Portugal para estudar no Reino Unido, Inês já tinha feito a Europa toda, primeiro a acampar com os pais, depois a viajar com os amigos. «Trabalhava durante o verão, fazia três meses em restaurantes e bares, punha o dinheiro de parte. Assim que tinha um bocadinho de dinheiro ia-me embora», recorda a sorrir. Estudou na Escola António Arroio e especializou-se em desenho gráfico. Começou a trabalhar, mas sempre de olho na Westminster University, em Londres, porque o que queria mesmo era fazer estudos superiores na área da imagem em movimento. Acabou por ser aceite na universidade londrina depois de ainda passar um ano em Kent, no sul de Inglaterra, a estudar multimédia e a aperfeiçoar o inglês. «Sempre a estudar e a trabalhar», refere.

Estudou cinema e produção para televisão, trabalhou na área e ainda esteve durante um ano numa televisão alemã em Londres, mas não estava satisfeita. «Queria uma coisa mais criativa.» Entretanto conseguiu trabalho num projeto na África do Sul, que acabou cancelado à última hora. Já tinha nessa altura o bilhete comprado para quatro meses, porque a ideia era cumprir as obrigações e depois deambular em solo africano. Foi na mesma e acabou a fazer voluntariado com crianças de rua na Cidade do Cabo e ainda filmou a digressão de uma banda sul-africana, viajando com o grupo pelo país durante quase um mês. Quando a tournée terminou, em Joanesburgo, despediu-se deles e foi para Moçambique, cheia de curiosidade e vontade de conhecer melhor a ex-colónia portuguesa. Não tinha pensado no percurso, não fez planos. «Foi uma altura em que precisava de fazer uma pausa. Decidi tirar quatro meses da minha vida para pensar no que ia fazer no futuro. Precisava de viajar sozinha», explica. Ainda passou no Zimbabwe, depois de ter conseguido conviver com tribos moçambicanas. «Foi mágico. Chegares a um país e poderes falar a tua língua é outra coisa», recorda. «Mesmo que vivam na parte mais remota de Moçambique, todos sabiam falar português. Era precioso.»

«Trabalhava durante o verão, punha o dinheiro de parte. Assim que tinha um bocadinho, ia-me embora», recorda Inês

Regressou a Londres, por onde ficou mais uma década, a trabalhar já como freelancer juntamente com o namorado, o realizador italiano Yuri Pirondi. Mas sem abrir mão de viagens, ainda que muitas fossem devido aos compromissos profissionais. A capital britânica, diz, «é como um porto, as pessoas vão e voltam. Começamos a ter amigos em todo o mundo». Para fazer uma pausa do bulício londrino, visitava os conhecidos e aproveitava para fazer uma pausa, «limpar a cabeça. Londres é muito absorvente».

Começa então a dedicar-se a pequenos projetos cinematográficos independentes, porque nem ela nem o namorado – que a acompanha na maioria das aventuras – são capazes de viajar sem uma câmara na mão. «Andamos sempre a explorar, à procura de qualquer coisa para ver.» O documentário Tierra Firme foi o que os fez ir mais longe e durante mais tempo: seis meses na América do Sul, entre Bolívia, Colômbia e Brasil, num esforço para encontrar os palcos onde mais ativamente se faz teatro político nos dias de hoje.

Foi há cinco anos. Ela, o companheiro e uma produtora arrancaram com orçamento limitado e as viagens pagas através de uma angariação de fundos, depois de terem contactado com grupos de teatro locais que se deixaram filmar e muitas vezes ofereceram o alojamento. Porque o dinheiro não chegava para tirar sempre bilhetes de avião, decidiram passar por terra todas as fronteiras. «Foi lindíssimo.»

Na Bolívia, encontraram uma população maioritariamente indígena e com crenças muito fortes. «Não são aquelas pessoas latinas que te abraçam, mas quando se abrem para ti são amigos para o resto da vida.» Na Colômbia, encantou-se com Medellín e com a hospitalidade do grupo de teatro que os recebeu, que tinha em cena nessa altura uma peça baseada em textos de Fernando Pessoa. De caminho para o Brasil, ficou fascinada com a travessia do Amazonas. «Digo sempre que um dia ainda vou fazer um documentário sobre as pessoas que entram e saem do barco na Amazónia, porque são incríveis», conta a rir-se. No Ceará, encontraram-se com uma companhia que trabalha com os ex-sem-terra, «comunidades praticamente no meio do nada que construíram um espaço para o teatro». Em São Paulo, foram filmar teatro dentro de uma favela.

«Nem Inês nem Yuri – que a acompanha na maioria das aventuras – são capazes de viajar sem uma câmara, na mão»

Há cerca de dois anos, Inês mudou-se para Itália e vive agora perto de Modena, a cidade natal do namorado. «Começámos a ter muito trabalho, tenho melhores clientes em Itália do que tinha em Inglaterra», afiança. Grande parte das últimas viagens têm sido em trabalho: Paris, Berlim, Londres, Barcelona. Regressa a Lisboa para ver a família sempre que pode, e agora pode mais vezes: só no último ano trabalhou sete vezes na capital portuguesa para grandes marcas internacionais. Para viajar em lazer reserva três meses do ano, em que o volume de trabalho diminui: dezembro, janeiro e agosto. «Itália é como Portugal, tudo para no verão.» É nestas viagens que vai alimentando a veia criativa: já esteve na Índia e no Nepal, por exemplo, onde acabou a dar uma aula de cinema na universidade de Katmandu.

As viagens constantes não a incomodam. De tempos a tempos faz uma pausa, mas chega-lhe um mês sem estar de malas feitas. «Começo logo a ficar com formiguinhas debaixo do pé.» Não procura os destinos pelas filmagens, garante, mas também não nega que foge ao turístico e procura o autêntico, o contacto com os locais. «Posso sempre fazer uma curta-metragem de 17 minutos sobre alguma coisa!», acrescenta a rir-se. Para já, tem em vista a Ásia, Vietname ou Indonésia. «Encontrarei sempre alguma coisa para filmar por lá.»

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Artur Marques viaja pelo planeta em constante descoberta – e já visitou 57 países


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