Rita Lemos e Francisco Pacheco conheceram-se na véspera de partirem para Itália, para um estágio europeu. Ambos queriam ir para a Alemanha trabalhar, mas à última hora os planos ruíram. Se foi prenúncio, não sabem dizer. Certo é que não se largaram mais e agora são três malas a viajar.

Texto de Bárbara Cruz

Rita Lemos e Francisco Pacheco conheceram-se na véspera de partirem para Itália, para um estágio do programa Leonardo da Vinci. Ambos queriam ir para a Alemanha: ela queria ir trabalhar no teatro para Munique, ele ia para o turismo em Berlim. Mas à última hora os planos ruíram e viram-se ambos a caminho de Pádua, conhecida pela Basílica de Santo António, aquele que é também o santo casamenteiro de Lisboa.

Se foi prenúncio, não sabem dizer. Certo é que não se largaram mais e, ainda em Itália, começaram juntos a viajar, sempre na carrinha pão de forma que Francisco tinha comprado anos antes para andar pela Europa, e que tinha deixado estrategicamente estacionada em Bolonha no quintal de um amigo que arranjara quando fizera Erasmus, também em Itália.

«Foi como se já nos conhecêssemos há muitos anos», diz Rita, a sorrir.

Na noite em que começaram a namorar, ainda em Pádua, Rita desafiou Francisco para uma viagem à Índia. «Vamos embora», ouviu de resposta. Regressaram a Portugal passados três meses e, para além de contarem o novo namoro à família, tiveram de acrescentar que tinham viagem marcada para dali a três semanas e que iam ficar pela Índia um mês e meio. Como estavam «apaixonadíssimos», pouco se importaram. «Foi como se já nos conhecêssemos há muitos anos», diz Rita, a sorrir. Francisco concorda, enquanto ela acrescenta: «A Índia foi uma prova de fogo, mas protegemo-nos muito um ao outro. Passámos por uma situação complicada, ficámos doentes ao fim de três semanas.»

Aterraram em Mumbai, encantaram-se com Goa e Varanasi, exploraram o Rajastão. Mas sofrer intoxicações alimentares na Índia é comum e foi o que lhes aconteceu. Se para Francisco a medicação que levavam resultou sem problema, Rita teve de ultrapassar a desconfiança e ir ao médico local, levar duas injeções. Ficou «como nova».

Não se arrependem daquela viagem um minuto: «Costumamos dizer que toda a gente devia ir à Índia. Pode amar ou odiar, mas precisamos deste choque para relativizar os nossos problemas», diz Francisco. Só trazem uma mágoa: não terem desviado o percurso para ir ao Taj Mahal. Regressaram a Portugal e, meses depois, Rita ficou sem emprego e foi ter com amigos que andavam pela Europa a viajar. Para equilibrar o orçamento, trabalhou nas vindimas em França e, pouco tempo depois, Francisco juntou-se ao grupo «na carrinha de sempre».

Nos primeiros meses, a vontade de viajarem estava lá, mas não se atreviam, empenhados na estreia da parentalidade.

Foram parar à Córsega, onde arranjaram nova tarefa a apanhar clementinas. «A certa altura, percebi que havia algo que não estava bem comigo», conta Rita. Estava grávida. Ainda nem viviam juntos, Rita estava a pensar em emigrar e Francisco queria muito dar uma volta ao mundo. Filho a caminho, planos na gaveta. «Fizemo-nos à vida.» Ele começou a trabalhar como guia turístico, arranjaram uma casa, a família ajudou. Em 2012, chegou o Mateus. Nos primeiros meses, a vontade de viajarem estava lá, mas não se atreviam, empenhados na estreia da parentalidade.

Até que, tinha o Mateus 8 meses, decidiram meter-se os três na carrinha, com um casal amigo e a filha deles, e foram passar dez dias a Marrocos. «Levámos a casa às costas», brinca Rita. Teria corrido tudo lindamente se a carrinha não tivesse avariado já na viagem de regresso, precisamente no aniversário do pai Francisco.

O Mateus aprendeu a gatinhar em Marrocos e a andar em Itália. «Não interessa se vai lembrar-se. Em todas as viagens, cresceu.»

Foram obrigados a regressar de táxi, mas preferem guardar as boas recordações: foi em Marrocos que o Mateus aprendeu a gatinhar e, pela primeira vez, adormeceu ao colo. Quando o filho tinha 1 ano, foram a Itália a um casamento e Mateus deu os primeiros passos. «É engraçado como algumas etapas da vida dele se deram em viagem», diz Francisco. «Quando me dizem que ele não vai lembrar-se, não interessa. Em todas as viagens ele cresceu, desenvolveu-se. O corpo lembra-se!»

Batu Caves em Kuala Lumpur, Malásia

Em 2016, antes de fazer 4 anos, o Mateus foi à Ásia. A ideia inicial era viajarem durante um ano em família, mas a logística era complicada e não quiseram arriscar. Apontaram para as sete semanas e, depois de intensa pesquisa online, decidiram-se pela Malásia, Camboja e Tailândia. «São países child friendly», garante Rita. Capricharam na preparação: foram à consulta do viajante e metade da bagagem era caixas de medicamentos. Nem foram precisos.

A viagem foi um êxito e o Mateus fez sucesso. «Todos queriam tirar fotografias com ele. Diziam “Que pele tão branca, sem pecado”», contam a rir. No início, incentivavam-no a sorrir, mas mudaram de estratégia quando o assédio se tornou incómodo. «Toda a gente queria tocar-lhe e dar-lhe beijinhos, sobretudo na Malásia e na Tailândia.»

Nunca tiveram noites em claro por causa do filho e fizeram orelhas moucas a quem perguntava se eram assim tão ricos para irem os três por aí. Planearam um orçamento diário e o mais que pagaram por um hotel foi 30 euros. «Toda a gente gosta de viajar, mas não é para todos uma prioridade absoluta. Se for realmente essencial, materializa-se», diz Francisco. As avós, mortificadas por ficarem sem o neto quase dois meses, não puseram objeções. «Sabiam como era importante para nós.» Juram que viajar com o filho não é um bicho de sete cabeças e que o importante é descomplicar, encontrar o «ritmo de família».

Mateus à descoberta dos Templos em Chiang Mai, na Tailândia

Francisco teoriza: «parece que há uma sincronização, as crianças aguentam mais do que esperamos e nós baixamos um bocadinho o ritmo. Encontra-se o meio-termo que é o ritmo de família», explica.

Escreveu sobre isso no blogue que Rita criou antes da viagem, para partilharem experiências. «É levar o quotidiano de férias connosco, claro», diz a mãe, mas se a vida deixa de ser igual depois de um filho, como não havia de mudar uma viagem? E mais: «Se estivéssemos só os dois, preocupadíssimos a ver museus e monumentos, não tínhamos alguém a dizer-nos “pai, olha esta flor”, ou esta pessoa, ou esta casa. É uma visão diferente, mais uma a acrescentar à nossa», resume Francisco.

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Imagem destaque: Direitos Reservados

Artigo publicado originalmente na edição de novembro de 2016 da revista Volta ao Mundo, número 265.

Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
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