Márcia Monteiro nunca tinha pensado em viajar sozinha, mas preferiu o desconhecido a passar umas férias em casa. Começou pela Índia, fez 5000 quilómetros em África, desbravou a Ásia. A cada passo abre o mapa, aponta um destino e a aventura recomeça.

Texto de Bárbara Cruz

A primeira vez que Márcia Monteiro, de 31 anos, viajou sozinha foi por «necessidade». Há quatro anos, e por causa de um «ano atípico» no trabalho, a gestora de marketing natural de Santa Maria da Feira só conseguiu tirar férias em março. Queria sair do país, espairecer, mas não havia jeito de arranjar companhia. «Então pensei para mim: vou sozinha, seja o que Deus quiser.»

Se bem pensou, melhor o fez. O problema, «não para mim, mas para toda a gente», foi que escolheu para destino da viagem a Índia. Os pais de coração nas mãos, os amigos diziam‑lhe que era «maluca». Não deu ouvido se foi. Fez várias cidades, nomeadamente Nova Deli, Agra e Jaipur. Recolhia ao hotel ao anoitecer, tinha cuidado com a indumentária. «Foi maravilhoso», resume. «Conheci muita gente, precisamente por estar sozinha. Tive uma experiência tão rica e completa, que nunca tinha tido em viagens acompanhada, que acabou por ser o mote para começar a viajar sozinha. E nunca mais parei.»

Desde então, todos os anos abre o mapa‑múndi, inspeciona e decide para onde vai. Compromete‑se com um período de pesquisa intensiva que dura três a quatro meses e avalia tudo, desde o custo das refeições até às oscilações no preço dos voos. Se tiver orçamento e condições, avança. «Desta forma, a margem para alguma coisa correr mal é reduzida», explica.

A primeira coisa que procura, quando olha para o mapa e se inspira para os próximos destinos, é o «choque cultural». Quer sair da zona de conforto e privilegia viagens de aventura. Depois da Índia, esteve na América do Norte e na Europa de Leste. Mas os dias de férias escorriam por entre os dedos e não a deixavam ficar o tempo que gostaria. Em 2016, tomou medidas drásticas: «Decidi não tirar férias.» Passou um ano sem períodos de descanso e entrou em 2017 com 44 dias para gozar como e onde quisesse. «Custou‑me imenso, mas foi um sacrifício que valeu a pena. Com fins de semana e feriados, estamos a falar de quase dois meses de férias», conta a rir‑se. Em 2017, visitou dez países novos mas não se livrou dos comentários dos amigos, que lhe diziam que estava sempre de férias.

«Conheci muita gente, precisamente por estar sozinha. Tive uma experiência tão rica e completa, que nunca tinha tido em viagens acompanhada»

Abriu o ano com uma aventura em África: em quase um mês, fez cinco mil quilómetros por África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia e Tanzânia. «E ainda deu para apanhar um ferry e ir um bocadinho a Zanzibar.» Já estivera no Norte do continente, mas tinha curiosidade para conhecer a chamada «África profunda». «De todas as viagens que fiz, esta não foi a minha preferida, mas foi a que me colocou à prova mais vezes, a todos os níveis.

Houve dias em que me apetecia pegar na mala e vir embora.» Recorda sobretudo os atrasos nos transportes, ficar fechada num comboio que começava a circular com meio-dia de atraso numa viagem que já era de vinte horas. «Estive três dias sem tomar banho e desenrasquei‑me da melhor forma que pude. E nem é bonito dizer isto, porque há pessoas em África que passam fome de verdade, mas passei alguma fome. No comboio não havia alternativas e se estivermos a falar daqueles sítios mais remotos não há cafés, restaurantes, nada.»

Na Tanzânia ficou alojada num parque com animais, numas «casinhas espetaculares», mas nada a preparou para a natureza que lhe entrava portas a dentro. Centopeias no ralo do poliban, osgas na cabeceira da cama. «Ia aos berros fazer queixa à receção», diz a rir‑se, e a resposta era sempre a mesma: estamos no meio da savana, não há nada a fazer. Passou duas noites sem pregar olho e à terceira acabou por sucumbir à exaustão, depois de passar dois dias a adormecer nos jipes dos safaris.

Ainda estava em África mas já sabia que a próxima aventura seria na Ásia. Quis fugir às zonas «mais turistadas», como lhes chama, e não se arrependeu: meses depois, fez Tailândia, Singapura e Malásia. Em Banguecoque, uma peripécia que não esquece: uma noite em que foi jantar a um mercado de rua, apanhou um táxi para regressar ao hotel, mas pouco depois percebeu que o taxista não fazia ideia para onde ir. «A dada altura, parou o táxi e fez‑me sinal para sair. E eu a olhar para ele e a pensar: endoideceu, não vou sair aqui sozinha, nem sei onde estou.» Começaram a discutir, ele falava‑lhe em tailandês, ela respondia em inglês e em português.

Márcia trancou as portas e «barricou‑se» no automóvel, até que o taxista deu o braço a torcer, mas em vez de procurar imediatamente o hotel decidiu ir ao supermercado e fazer recados. Só horas depois, quando percebeu que ela não ia arredar pé, começou a fazer perguntas para tentar perceber onde ficava o destino que Márcia pedia. Chegaram à uma da manhã. «Ele olhou para o banco de trás a rir, com aquele ar de quem diz “conseguimos”.»

Não esconde que, por ser mulher, vai mais alerta, mas em África e Ásia – «tirando a peripécia do táxi» – garante que nunca lhe aconteceu nada de mal. Para este ano, já anda em pesquisas e a «montar roteiros». Conhecer o Vietname ou aventurar‑se pela América Central e do Sul são hipóteses em cima da mesa. Já ensinou a mãe a usar o Facebook, por isso os contactos com a família estão mais fáceis e deixa‑os apaziguados saberem onde anda, pelo menos uma vez por dia. «Mas tanto a minha família como os amigos já me puseram o rótulo de aventureira.» Não se importa. «Se há coisa em que não me importo de gastar dinheiro é em viagens, porque não há nada que pague a bagagem e as histórias que trazemos connosco».

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Imagem de destaque: Direitos Reservados

Artigo publicado originalmente na edição de março de 2018 da revista Volta ao Mundo, número 281.

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