Até junho de 2019, a Roménia preside o Conselho da União Europeia. Boa altura para visitar o país e descobrir a cidade escolhida para Capital Europeia da Cultura em 2021.

Texto e fotografias de Ricardo Santos

Victor Negrescu é um dos políticos na nova guarda na Roménia. Tem 33 anos e, até novembro do ano passado, foi o ministro com a pasta dos Assuntos Europeus e um dos responsáveis pela preparação da presidência romena do Conselho da União Europeia. Nestes seis meses, até junho de 2019, os romenos vão estar sob o escrutínio dos restantes europeus e Negrescu acredita que isso poderá ser fundamental para alterar a perceção exterior que se tem da Roménia – «a imagem do país está assente em estereótipos. A confiança só se conquista com conhecimento, temos de saber mais uns sobre os outros». E é para isso que cá estamos.

Depois de algumas horas em Bucareste, voamos para oeste até Timisoara, a terceira maior cidade romena, depois da capital e de Cluj. São pouco mais de 500 quilómetros de distância e as diferenças estão à vista: menos gente, menos carros, maior aproveitamento dos espaços públicos, mais tempo e qualidade de vida – a cidade tem cerca de 320 mil habitantes, contra os cerca de dois milhões de Bucareste. Estamos na região de Banato, distrito de Timis, um tesouro histórico no centro da Europa. A cidade foi conquistada e ocupada pelos romanos há mais de 2000 anos. Por aqui ficaram século e meio, deixando as bases latinas da língua. Os mongóis também cá estiveram e, no século XI, Timisoara fez parte do território húngaro. Depois vieram os otomanos (no século XVI), que permaneceram mais de 160 anos. No século XVIII, os austríacos passaram a dominar a região, que se tornou como uma propriedade privada do imperador. Sob ordens dos Habsburgos, Timisoara foi reconstruída, aproveitando para se erguer uma nova fortaleza e muralhas em redor do centro. Surgiram casas e igrejas, fábricas e escolas, e a cidade floresceu até à Revolução Húngara de 1848, quando foi cercada durante mais de 110 dias. O século XIX foi fundamental para que Timisoara surgisse como uma das cidades na linha da frente da realidade europeia. Com a paz austro-húngara veio o telégrafo, a iluminação pública a gás, a linha ferroviária e, em 1884, a cidade tornou-se a primeira na Europa a ter iluminação pública elétrica. Depois da Primeira Guerra Mundial, foi integrada no Reino da Roménia e, com a Segunda Guerra Mundial no auge, o território viu-se bombardeado tanto pelos Aliados como pelas forças do Eixo, do qual o país foi primeiramente apoiante. No verão de 1944 as autoridades romenas mudaram de ideias e declararam guerra aos alemães e, após 1945, o país passou a República Popular da Roménia, ficando alinhado com a União Soviética.

As quatro praças principais de Timisoara são museus ao ar livre.
Há arquitetura para todos os gostos.

A 7 de dezembro de 1989, Traian Orban foi atingido a tiro numa perna. Há uma fotografia sua, desse dia, deitado numa cama de hospital. Foi um dos milhares de manifestantes que exigiram liberdade e democracia nas ruas de Timisoara no último mês desse ano histórico que ditou o início do fim do Bloco de Leste. Recebe-nos no Museu da Revolução, um edifício triste, desorganizado e a precisar urgentemente de obras. Orban é a alma e diretor do museu. Sentamo-nos a ver um filme de há 30 anos, com imagens dos protestos contra o ditador Nicolae Ceausescu – que acabaria executado, com a mulher, Elena, no dia de Natal de 1989. O protesto começou aqui e ter-se-á estendido de forma mais ou menos espontânea ao resto do país. Orban comenta as imagens enquanto vai bebendo de uma garrafa que diz ter café. No final, antes de desligar o computador, vira-se para trás e classifica o que acabámos de ver: «Muito pesado.» E ouve-se o som inconfundível do Windows a fechar. «Este museu é uma guerra contra o esquecimento», diz o homem de 74 anos, que afirma ter apenas 30 porque terá renascido com a Revolução de 1989. Percorremos o resto da exposição e sente-se que este património merece mais destaque. Talvez em 2021, para a Capital Europeia da Cultura, alguma coisa seja feita nesse sentido. Há muito mais para ver em Timisoara, terra que viu brilhar na equipa local, o Politécnica, Ion Timofte, antiga glória do futebol romeno, do FC Porto e do Boavista FC. Ao lado do mais alto edifício religioso da cidade e do país – a Catedral Ortodoxa – há um motivo suplementar de interesse para os visitantes portugueses: uma criação do artista plástico Vhils na parede de uma casa.

Atravessamos a rua para apreciar devidamente a catedral. Afinal, são quase 90 metros de altura e uma oferta arquitetónica que combina a tradição da Moldávia com a alma bizantina. Foi construída entre 1936 e 1941 e continua a ser local de romaria para fiéis e turistas que vistam a cidade. Continuamos a pé até ao edifício da câmara municipal. É lá que está Nicolae Robu, o presidente da autarquia. Passado o primeiro impacto do seu imponente corte de cabelo – algo entre o estilo de Luís Represas e Armando Gama mas com mais volume –, ficamos a saber que Timisoara tem mais de 15 mil estudantes, quatro universidades, é a melhor e mais dinâmica cidade romena para investimento (revista Forbes, 2016), tem um crescimento do turismo 85% maior do que a média nacional, recebeu 350 mil visitantes em 2017 e aposta em ter mais de um milhão de turistas em 2021. A meta é ambiciosa, não impossível. Razões para acreditar no sucesso também são muitas. Basta passear pelo centro da cidade para tirar as dúvidas.

Vamos acompanhados por Ludovic Satmari, da Timisoara City Tours, um comunicador nato. Este licenciado em Geografia vai incluindo informações preciosas numa conversa descontraída e agradável. Passamos pelas interligadas quatro praças principais da cidade – Victoria, Liberdade, União e São Jorge – e rendemo-nos rapidamente a Timisoara e à sua história e arquitetura. Igrejas, estátuas, museus, boulevards, ruínas, há de tudo. E não falta gente a percorrer as ruas, dando à cidade um ambiente fresco, contemporâneo e colorido. Tudo o que o preconceito sobre o país por vezes impede de ver.

ANDAR A PÉ é uma boa opção por aqui, mas há mais. O elétrico – tramvia – ajuda a poupar tempo nas deslocações mais compridas entre os bairros mais populares, do centro histórico a Fabrik e a Josefin. A empresa local de transportes tem já preparada uma operação para os muitos visitantes esperados: é possível alugar um elétrico e percorrer a cidade, com direito a festa e a bar aberto. Tivemos oportunidade de viver a experiência durante 45 minutos, num curto trajeto e confirma-se: vale a pena. Outra forma de descobrir Timisoara que não deve ser esquecida é o vaporetto.

Ao melhor estilo de Veneza, o rio Bega faz-se estrada para quem quiser navegar entre os principais pontos de interesse. Cada viagem fica por um lev por pessoa (cerca de 20 cêntimos de euro) e dá direito a música ambiente (Vaya con Dios, por exemplo…) e a paisagem bucólica nas margens. Basta escolher a paragem mais próxima do que quiser visitar e fazer o resto do caminho a pé. Afinal, esta é uma cidade para andar e descobrir. E é dessa forma que se chega a locais curiosos como o Museu dos Consumidores Comunistas, provavelmente um dos melhores nomes para museus que poderia ser inventado. Na verdade, não é bem um museu, apesar do extenso acervo. É um bar com cave e sotão onde não faltam elementos alusivos aos anos de comunismo na Roménia.

De garrafas de sumos a revistas da época, passando por brinquedos, fotografias de Ceausescu, jogos, roupa e louça. É o resultado de cinco anos de recolha de materiais. A epopeia correu tão bem que o espaço já não é suficiente para albergar tudo. Quem chega movido pela curiosidade, depressa percebe que as cervejas artesanais e as longas conversas à mesa podem ser tão – ou mais – interessantes do que a memorabilia de outros tempos. Mais um brinde e seguimos viagem. É que na Igreja de São Jorge, no centro da cidade, às 20h00 de uma sexta-feira, há um concerto para o qual fomos convidados. E a pontualidade fica sempre bem. Está cheia a igreja, muito mais do que se fosse momento de culto. Gente de todas as idades com gosto pela música, neste caso clássica, numa catedral católica. A acústica promete, a orquestra filarmónica de Timisoara, conduzida pelo maestro Radu Zaharia, também. E assim se passa mais de uma hora, num ambiente quase místico que leva à introspeção. E à tranquilidade do sono, em alguns casos. Nada que se possa levar a mal.

Ser Capital Europeia da Cultura em 2021 pode ser uma oportunidade de ouro.

PARECE SEMPRE ficar alguma coisa por fazer e visitar em Timisoara. Esse é o encanto das cidades ricas em cultura e história, independentemente da sua dimensão geográfica. Tentamos fazer o pleno das principais atrações e iniciamos uma viagem-relâmpago ao Museu de Arte, em plena Praça da União. Demonstra a tal riqueza, com exemplos clássicos e contemporâneos, mas há um nome que se destaca: Corneliu Baba (1906-1997), o pintor romeno da pobreza. Duro, realista, provocador, tem neste museu cerca de 80 obras. Recomenda-se tempo para uma visita ponderada. Não o tivemos, mas ficou a vontade de regressar.

Nesse dia, era preciso sair de Timisoara rumo ao campo. Uma viagem de 40 quilómetros que mostrou os arredores da cidade e a ruralidade de um país a várias velocidades que tenta entrar no ritmo da União Europeia – com o que isso tem de positivo e de negativo. O vinho é outra das riquezas da região, com destaque para o trabalho que tem sido feito pela Cramele Recas, uma das mais tradicionais adegas do país – os primeiros registos datam de 1447. São 1200 hectares de terreno a produzir o suficiente para vender cinco milhões de litros de vinho por ano, cerca de 16 milhões de garrafas. A paisagem podia ser do sul de Portugal, uma vasta extensão de vinha e pouca irregularidade no terreno.

Há fardos de palha dispostos como bancos, uma mesa posta onde sobressai a impecável toalha branca e os queijos e enchidos da região. As garrafas de tinto vão sendo abertas ao ritmo do consumo dos convidados. Ainda é de manhã, mas isso não é um problema. Segue-se um prolongado almoço nas caves de Recas, rodeados pelas barricas e envolvidos pela humidade do local. Fígado de ganso, pão, mais queijos e enchidos e os vinhos de topo são dados a provar. A cada prova, uma explicação, uma amostra do que por aqui é feito quanto a enoturismo. Os dias vão passando na Roménia e a sensação é cada vez mais presente. Não somos assim tão diferentes, nós e eles. Física e culturalmente. O idioma torna-se mais familiar, por palavras e expressões que se assemelham. E, se for escrito, então a raiz latina sobrepõe-se.

Falamos de comida e de futebol, de história e da Europa. É como se, nós portugueses, estivéssemos novamente em 1986 a dar os primeiros passos de Europa comunitária. A grande vantagem da Roménia e dos romenos é que passaram mais de 30 anos desde esse momento. E eles têm agora a oportunidade de fazer as coisas bem: sem ficarem dependentes de subsídios, sem pôr em causa a agricultura local, sem destruir meios de produção, sem se embriagarem com um novo mundo de possibilidades. A Roménia tem tudo para se dar bem, como Portugal também tinha. Resta apenas saber se terá os líderes que merece.


Guia de viagem

Documentos: Passaporte ou Cartão do Cidadão
Moeda: LEU (RON). 1 EURO – 4,75 RON
Idioma: Romeno

IR
A Lufthansa voa de Lisboa para Timisoara com escala em Munique desde 220 euros por pessoa (ida e volta).

FICAR

Lido Hotel
A curta distância do centro e a 10 minutos do aeroporto (de carro, em ambos os casos), é um hotel moderno e prático. Tem ginásio, sauna, terraço e bar ao estilo de pub inglês, bastante frequentado ao fim de semana. Quartos cuidados e confortáveis, opção para estadas curtas.
Bulevard Doctor Iosif Bulbuca, 20T
Tel.: +40 256 407 373
Quarto duplo a partir de 60 euros por noite, com pequeno-almoço
hotel-lido.ro

COMER

Miorita
Restaurante tradicional romeno com diversidade de pratos e qualidade de serviço. Bem no centro da cidade.
Strada Florimud Mercy, 7
Tel.: +40 356 173 791
Preço médio: 15 euros
miorita-timisoara.ro

VISITAR

City Tour
Quer ficar a saber mais sobre a história ancestral e recente de Timisoara? Reserve os serviços desta empresa, em especial do guia Ludovic Satmari, e não se vai arrepender. Percorra as várias praças da cidade, visite as igrejas, palácios e museus e renda-se às evidências. Timisoara surpreende.

Mais informações em:
timisoaracitytours.com
timisoarourism.com
romaniatourism.com

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