Catarina Leonardo trocou a consultoria pela blogosfera e o trabalho de escritório pelas viagens. O desejo era antigo, mas só teve coragem para o concretizar quando a filha nasceu e, com poucos meses, se tornou companheira de viagem.

Texto de Bárbara Cruz

Quando os amigos de Catarina Leonardo lhe dizem que a filha Maria, de 3 anos, não vai lembrar-se das viagens que faz agora com os pais, ela encolhe os ombros. «Isso não me interessa nada», garante. «O que interessa é estarmos juntos a fazer algo de que gostamos. O meu objetivo é partilhar tudo em família, mostrar-lhe que o mundo é muito diferente.»

Desde que se despediu entregou-se de «alma e coração» a um projeto muito pessoal, o blogue Wandering Life. Catarina nem sequer pondera fazer viagens sem a filha e o marido. E isso, assegura, não é uma limitação. É sempre em família que o gosto pelas viagens é cultivado e incentivado e foi esse o plano que definiu para ela, contra toda as adversidades: afinal, abdicou de uma carreira como consultora na área da ergonomia para procurar um estilo de vida que se adequasse ao que procurava desde tenra idade: «Viajar para ver mais longe.»

Catarina nasceu há 38 anos em Faro, mas era ainda criança quando a família se mudou para Lisboa. Viajavam de carro de norte a sul do país, mas a primeira viagem de avião só a fez aos 18 anos, na companhia do pai. Andaram pelas principais cidades italianas, um roteiro montado para mergulhar na história e cultura de Itália, que lhe aguçou a vontade de continuar a explorar. Começou pela Europa, com amigos, foi-se afastando até Marrocos – e até hoje mantém-se apaixonada por Marraquexe. Continuou a exploração pela Ásia, deixou-se fascinar pela Índia, mas sempre queixosa porque os 22 dias de férias sabiam a muito pouco.

«O que interessa é estarmos juntos a fazer algo de que gostamos. O meu objetivo é partilhar tudo em família, mostrar-lhe que o mundo é muito diferente.»

Tinha quase 30 anos quando começou a questionar o percurso e a pensar «seriamente no que queria fazer da vida». Entretanto, já conhecera o atual marido, que também andava descontente com a vida profissional e, num passo arriscado, decidiu deixar a consultoria em computação para tirar o curso de piloto. «Foi o timing certo», explica. Quando o marido já tinha novamente um emprego estável, Catarina decidiu fechar a porta ao passado e abrir novas perspetivas de futuro. «Pensei: agora é a minha vez.» Já tinha sido mãe da Maria, peça importante da decisão de trocar o certo pelo incerto. «Quando ela tinha 5 meses fui trabalhar e naquele mês caí-me a ficha», explica a rir-se. «Pensei que se calhar era uma oportunidade. A minha filha era muito nova, precisava de mim. Tem de ser agora.»

Decidida a mudar de vida, começou a analisar o panorama de blogues em Portugal e percebeu que havia espaço para o que gostava de fazer: fotografar e escrever sobre as viagens que fazia. Optou por tirar uma licença de maternidade alargada, acrescentando três meses aos cinco que já gozara, e em seguida pediu licença sem vencimento por dois anos. Após muita reflexão, em agosto de 2017, e já com o blogue no ar há mais de um ano, escreveu ao diretor da empresa em que trabalhara para lhe dizer que ia dedicar-se à sua marca. «Não foi fácil, pela estabilidade que eu tinha», admite.

Catarina nem sequer pondera fazer viagens sem a filha e o marido. E isso, assegura, não é uma limitação.

Mas não tem arrependimentos, mesmo que ainda não tenha um negócio rentável a partir da plataforma online que vai alimentando. «Tenho tempo para as pessoas de quem gosto, até porque consigo trabalhar no blogue às horas que quero e acabo por sacrificar horas de sono.» Impõe-se uma disciplina rígida de publicação de conteúdos e já não dá um passo sem escrever umas linhas para o blogue sobre o passeio, seja curto ou longo. Mas não se limita ao testemunho pessoal: procura sempre a «informação que não é passageira» para levar aos leitores. «Porque é que o Rio é de Janeiro, por exemplo? Uma ou outra pessoa pode pensar nisso, mas não vão ver.»

Ter uma filha pequena mudou-lhe os destinos e o ritmo das viagens, mas deixá-la em casa é coisa que «nem se discute. Quando a Maria tinha 2 meses quisemos ver como se dava com o avião e fomos ao Funchal. Correu bem, passadas umas semanas fomos ao Brasil». Já estiveram em Buenos Aires, Cabo Verde, Florida e vários destinos europeus. No ano passado, assim que a filha fez 3 anos, Catarina decidiu que a família havia de regressar à Ásia, porque morria de saudades. O marido conseguiu um mês de licença e foram à Malásia e à Indonésia. «Correu muito bem. A Maria só fez alergia a qualquer coisa que comeu, mas eu levei imensa coisa e estava em contacto com a pediatra», explica.

A filha nem se lembra do episódio infeliz e reteve das férias o que lhe interessou e que contava às pessoas: o restaurante indonésio que tinha coelhos a brincar pelo chão e os macacos que lhe tinham roubado cajus. «É preciso integrá-la e encontrar atividades que agradem a todos os segmentos da família, claro», diz a mãe Antes de a Maria entrar para a escola primária, Catarina tem o plano de viajar durante seis meses seguidos, ou mesmo um ano; depois, as saídas terão de ficar restritas ao período de férias escolares. Mas isso não a preocupa: «Temos desde o início de junho até meados de setembro, é alguma margem.»

E planeia continuar a mostrar à filha o mundo inteiro, mesmo que isso venha com perguntas difíceis, como aconteceu na Indonésia, quando a Maria viu em Java crianças da idade dela a usar o hijab e as analisou atentamente. «Tivemos de falar sobre aquilo», conta. «Mas é esta abertura de espírito que eu acho que interessa», sublinha.«Ela lembrar-se de que o primeiro banho de mar foi em Cabo Verde, por exemplo, é irrelevante.»

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