«As pessoas transformam-se em viagem. Libertamo-nos completamente de medos, de receios, somos autênticos. É isto que me fascina ao viajar, sobretudo ao viajar sozinha.»

Texto de Bárbara Cruz

As palavras, articuladas de forma convicta e entusiasta, são de Maria João Proença, lisboeta que decidiu deixar o emprego na área do marketing para dedicar o seu tempo – todo aquele que conseguir, garante – a explorar e a descobrir o mundo.

Não foi de ânimo leve que disse ao chefe que queria despedir-se e não aguentava mais: «Senti-me culpada, ele acreditou em mim e deu-me imensas oportunidades.» Mas naquela altura já sabia. Era a viajar que se sentia plenamente feliz. «Comecei a ponderar e pus as coisas na balança. » À memória vinha-lhe a conversa com o dono de um café numa praia da Tailândia, que lhe dizia: «Estás stressada todos os dias? Eu nem sequer sei o que é stress.» Família e amigos viam que não estava satisfeita, mas acabaram surpreendidos com a atitude drástica da demissão. Já ela lida bem com a falta de rotinas e vive inquieta na ânsia do próximo destino.

Começou tudo quando fez Erasmus em Valência, Espanha, ainda no tempo da faculdade. «Foi a melhor experiência da minha vida porque me abriu os horizontes. De repente, vi-me rodeada por pessoas de todo o lado num país que, embora muito próximo de Portugal, era tão diferente.» Do ano letivo em que esteve fora trouxe uma lição preciosa: «A viagem mostrou-me uma capacidade que não sabia que tinha, que era a de me safar sozinha onde quer que estivesse.»

Regressou a Portugal, fez viagem de finalistas ao Brasil, passou por Cuba, visitou várias cidades europeias. Em 2013, combinou com dois amigos uma grande viagem para o ano seguinte à Tailândia e ao Camboja. Mochila às costas, orçamento low-cost. Foi em março de 2014, e quando voltou não era a mesma. «Fiquei fascinada. Vi culturas completamente diferentes, adorei a comida, adorei tudo.» Mergulhar de volta no marasmo do dia-a-dia foi difícil, mas conseguiu manter-se em equilíbrio por algum tempo.

«Fiquei fascinada. Vi culturas completamente diferentes, adorei a comida, adorei tudo», diz Maria João.

Um ano depois, foi promovida e o chefe fez-lhe um ultimato: com dois grandes projetos prestes a arrancar na empresa, as férias de verão iam ser miragem. Se quisesse dias de descanso, tinha de ser naquele mês. «Estávamos em abril. Eu só pensava, mas como vou tirar férias agora? Nem tenho ninguém com quem ir.» Contou aos mais próximos e houve um amigo que insistiu que fosse sozinha. «Vai mudar a tua vida, dizia-me ele». Primeiro resistiu, tinha receio de se perder, de se sentir insegura, de se aborrecer sem alguém. Mas comprou o voo, pediu a mochila emprestada ao amigo e arrancou para duas semanas no Vietname e Laos.

Todos os receios se revelaram escusados, garante. Aterrou em Hanói e ficou hospedada na casa de uma família da região. Mal pousara as malas e já a dona do alojamento lhe arranjara uma excursão aos campos de arroz do Norte do país, com uma francesa que também queria ir. «Foi fantástico.» Fez amigos por onde passou e libertou-se dos complexos, dos medos e da timidez. Até deu um passeio de moto à pendura com um condutor vietnamita, que a meio do percurso teve de parar para socorrer o único turista com quem se tinham cruzado no trilho de Ho Chi Minh: um israelita que andava sozinho a percorrer o Vietname de motorizada e se atirou sem querer para os arbustos no cimo de uma ravina.

Aprendeu, entre outras coisas, o método para atravessar a rua na caótica cidade de Hanói: «Rezar, pôr o pé na estrada e andar. Não hesitar», diz a rir. Quando apanhou o avião no Vietname para o Laos, entabulou conversa com uma holandesa e ao chegar a Luang Prabang juntou-se a ela e ao seu amigo mexicano, que entretanto conhecera dois norte-americanos. «Ficámos um grupo de cinco pessoas com uma empatia fantástica», recorda. No final de duas semanas, «superdeprimida », despediu-se dos amigos e regressou ao aeroporto, onde tinha de aguardar sete horas pelo voo para Portugal. Na angústia da espera, acabou por ligar ao chefe para negociar mais uma semana de férias. A voz tremia-lhe da ousadia, mas deu pulos quando teve autorização para ficar mais sete dias.

Já em Lisboa, no final das três semanas de encantamento com o Sudeste Asiático, sentia-se leve, tinha descarregado «toneladas de stress». Mas sentiu-as novamente no regresso ao trabalho, a gota de água que a fez despedir-se sem olhar para trás. Decidiu mudar de vida: tirou um curso de marketing digital e apostou no blogue que começara para contar aos amigos a sua odisseia pelo continente asiático. Desde então, o endereço Jolandblog tornou-se uma pequena plataforma com conselhos úteis para viajantes e relatos dos seus percursos. Responde às dúvidas dos leitores e tem recebido «feedback importante», sobretudo de mulheres, hesitantes em viajar sozinhas. Encoraja-as, incentiva-as a confiar no instinto e a ser assertivas quando abordadas por desconhecidos. Sem medos. Logo que se despediu, Maria João voltou a fazer as malas com destino à Ásia, desta vez para Singapura, Malásia e Indonésia. Sempre sozinha. «Aprendemos a gostar de estar connosco quando viajamos e tornamo-nos pessoas mais abertas aos outros», assinala.

Em março passado, voltou a partiu outra vez, mas por três meses, para fechar o ciclo do Sudeste Asiático que tanto a deslumbra. «O objetivo a longo prazo é conseguir subsistir por mim mesma, sem trabalhar por conta de outrem e estar livre para viajar a qualquer momento.»

Imagem de destaque: Direitos Reservados

Artigo publicado originalmente na edição de maio de 2016 da revista Volta ao Mundo, número 259.

Texto de Bárbara Cruz - Fotografias Direitos Reservados
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