Fomos a Sabi Sabi, uma das mais exclusivas reservas de África, passeámos pelo Parque Kruger e avistámos os Big Five. De jipe e a pé pela natureza selvagem de um país único.

Texto de Ricardo Santos
Fotografias de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Não é todos os dias que se vê um rinoceronte em liberdade. Muito menos um dos negros, espécie mais do que protegida e em grave perigo de extinção. Acompanhado por uma cria é então quase impossível de avistar, mas aconteceu. Foi um momento quase irrepetível que nem Lazarus, guia experimentado, estava à espera. «Nunca os tinha visto assim, tão perto e com uma cria. É muito bom sinal», contou-nos mais tarde.

O jipe segue a alta velocidade pela savana. Mãe e cria estão pouco mais de cem metros à frente, procurando refúgio na vegetação. Contornamos a clareira para os tentar apanhar mais à frente – e para que não seja traumatizante para os animais. Lazarus acelera, dando uma volta maior do que seria expetável. Faz parte da estratégia apurada ao longo dos anos como guia da reserva Sabi Sabi, parte do Parque Nacional Kruger, África do Sul. Nas últimas duas semanas, foi um dia a casa. Tem 45 anos, mulher, seis filhos e um neto, mas não os vai ensinar a seguir as marcas dos animais – «Eles que escolham o seu próprio caminho». Tal como os rinocerontes negros que, aproveitando o pôr do Sol, se escondem na mata para não mais os vermos. Torna-se cada vez mais difícil segui-los. Lazarus decreta o fim da aventura. Já temos uma história para contar.

O dia começou a aterrar no aeroporto de Skukuza, provavelmente o melhor dos minúsculos aeroportos do mundo. Este tipo de afirmações – o melhor de, o maior de, o mais isto ou aquilo – é sempre exagerada, mas é a sensação quando se chega ou se parte do aeroporto que serve o Parque Nacional Kruger. Prático, com um balcão de check in a fazer lembrar a receção de um hotel, duas ou três lojas de recordações relacionadas com a conservação da natureza, funcionários com sorriso na cara, bar que poderia fazer parte do cenário de uma qualquer cidade que esteja na moda. À chegada ou à partida de um voo, tudo fica mais fácil.

O Earth Lodge figura na lista dos mais sustentáveis alojamentos de selva do planeta. Todos os espaços foram pensados para estar em ligação com a Natureza.

Esta é uma das maiores reservas de África – quase 20 mil quilómetros quadrados, mais do que o Kuwait ou Montenegro, o dobro do Líbano e nove vezes a área do Luxemburgo. São 360 quilómetros de norte a sul (e 65 de leste a oeste), protegidos desde 1898, comprovados como parque nacional da África do Sul em 1926 e classificados como Reserva da Biosfera pela UNESCO em 2001.

E depois da primeira curva, a primeira paragem para deixar passar uma família de seis elefantes que caminham devagar pela picada. Umas centenas de metros à frente, o jipe volta a parar. Está um leopardo à sombra de uma árvore. Nada mau. Em poucos minutos, já dois dos Big Five (elefante, leão, leopardo, rinoceronte e búfalo) estão marcados na lista, três com o avistamento da dupla de rinocerontes negros. Sem que tivéssemos de andar à procura.

Meia hora de caminho – um pouco mais, com paragens para as fotografias – e estamos no Earth Lodge, um marco desta reserva. É aqui, onde os rios Sand e Sabie se encontram, na Reserva Privada de Sabi Sabi, que o almoço é servido.

A vista é para um pequeno charco onde os animais vão beber água. Há bacalhau, pastrami, legumes e molho de chamuça sobre a mesa. Conradie Kruger é o chef, sul-africano, 30 anos, tem 12 de experiência e a vontade de trazer a escola francesa para a gastronomia africana. Consegue-o num dos alojamentos mais exclusivos do mundo, catalogado pela National Geographic como um dos Unique Lodges of The World. Foi construído com os materiais da região, esculpido da terra, envolvido na paisagem. Já foi considerado o mais sustentável de África e isso vê-se em cada uma das 13 suítes, onde não se pode nem se quer fugir à presença dos animais. Afinal, quem está ali a mais é o elemento humano. Os três elefantes que passam no relvado ao início da noite comprovam-no. Não se ganha para o susto, podemos garantir.

Às cinco e meia da manhã já ninguém dorme. É assim na selva. Café tomado e às seis já Lazarus nos leva para mais uma aventura. Há um leão de 7 a 9 anos de idade a dormir à sombra. O jipe avança com todo o cuidado até estarmos a cerca de quatro metros de distância. Sentado no banco exterior, bem na frente do todo-o-terreno, Patric (o segundo dos guias) mantém a espingarda ao alcance da mão. Nunca se sabe… O terreno é rochoso e impede uma fuga rápida em caso de perigo. A chegada de uma leoa e de outro leão desperta o adormecido. Ao bocejar são bem visíveis os dentes, conhecidos por não dar hipóteses às espécies mais fracas. A leoa desaparece do campo de visão, subindo a uma rocha. Lazarus não tem dúvidas: é tempo de procurarmos outro poiso. Está na hora da refeição dos felinos e nenhum de nós quer servir de aperitivo.

Leão, elefante, leopardo, rinoceronte e búfalo – os cinco mais imponentes foram avistados em duas idas ao terreno.

Continuamos pelas pistas, já só nos falta um para completar o lote dos cinco animais mais imponentes em qualquer safari. Passamos por dezenas de girafas, naquele seu jeito típico de quem corre em câmara lenta. Cruzamo-nos com babuínos em cima de uma árvore – uma família bastante numerosa e agressiva. Os búfalos – quinto elemento – chegam como se nada fosse, à beira de um charco. Estão a beber água. Em menos de 24 horas fica realizado o desejo dos Big Five.

Os abutres voam em círculos um pouco mais à frente. Lazarus e Patrick encaminham o jipe na sua direção. «Há felinos e presas por ali», aponta Patrick, quase indefeso no pequeno banco exterior. É ele que serve de pisteiro e localizador dos animais e de potenciais perigos. Os guias de mais dois jipes pensaram no mesmo e assiste-se agora a outra luta na selva, para lá daquela que terminou com a morte de um pequeno cervo às garras de um leopardo – a guerra pelo melhor posicionamento para a foto. Ainda ensanguentado, o gato selvagem repousa no ramo de uma árvore. A presa está escondida no solo, tapada por ramos, como que guardada para mais logo, quando o leopardo tiver um ratito. Os jipes ocupam o espaço de acordo com as regras do negócio. Quem avista primeiro fica com a melhor posição e guarda os seguintes melhores lugares para os restantes jipes do resort. Está visto. São nove e pouco da manhã, é tempo de pequeno-almoço. O dos humanos, neste caso.

Gerrit Meyer vai buscar-nos ao aeroporto de Skukuza, que serve de ponto de passagem entre uns e outros resorts dentro do espaço do Parque Kruger – são mais de setenta. Foi guia por lá durante cinco anos até conseguir uma concessão de vinte para criar o seu próprio resort – o Rhino Post. Já passaram quatro décadas e continua a fazer o que gosta na sua propriedade. Garante avistamentos de animais durante todo o ano e oferece um serviço de que poucos mais se podem orgulhar: expedições a pé, pela selva em busca dos Big Five. Nem todos os turistas têm coragem para tal, mas com Gerrit e os seus homens por perto, não há que temer.

É o que nos explica, sentado à mesa de madeira, virado para um pequeno poço onde dezenas de gnus matam a sede. «Qualquer cidadão pode trazer o seu carro até ao Kruger, visitar o parque e ver os animais, mas esta é uma experiência única», diz-nos. Fala dos 12 mil hectares de terreno que concessiona, do primeiro campo de tendas que abriu em 2002 e das muitas proibições de condução fora de pista que resultaram na ideia peregrina – «E se fizéssemos isto a pé?». E assim nasceram as Walking Tours. Tudo começa às 5h15 da manhã. O grupo caminha devagar e em silêncio atrás do guia, que vai explicando pormenores da flora e da fauna local. A cada avistamento cumprem-se as regras de segurança e os conselhos dos mais experientes têm de ser seguidos à risca. A adrenalina é muito mais elevada do que sentados num jipe – e essa já é alta. Ao fim de cada dia, no acampamento montado em pleno mato há sempre uma e outra história para contar. Gerrit tem como filosofia proporcionar essa experiência a quem o visita e, diga-se, é inesquecível. A pé, claro, mas também no jipe, como comprovámos ao fim do dia, de regresso à área asfaltada.

Tínhamos acabado de parar para uma bebida ao pôr do Sol – essa grande tradição sul-africana, o sundowner. Ao longe, na estrada que leva a uma das pontes sobre o rio, três animais aproximaram-se correndo sobre o alcatrão. Eram hienas desgarradas do seu bando e acompanharam-nos ao lado do jipe durante largos minutos. Pareciam gostar da companhia. Só nos separámos quando lhes deu o cheiro das outras da sua espécie, entretidas que estavam com uma carcaça de animal. Um dia normal na sua existência.

Mais à frente na estrada, outro momento invulgar, quando uma matilha de cães selvagens lutava entre si pela posse de galhos, ossos ou por uma questão de estatuto. Não são fáceis de avistar, principalmente correndo com uma lata de refrigerante amolgada na boca. Algum visitante menos cuidadoso a teria deixado para trás. Bichos estranhos, estes, os de duas patas.


Guia de viagem

Moeda: rand (zar). Um euro equivale a 15 zar.
Fuso horário: gmt+1
Idioma: há onze línguas oficiais no país, mas inglês é a mais comum para os visitantes. Zulu é a língua mais falada pelos sul-africanos, seguida pelo xhosa e pelo africaans. Só depois vem o inglês.

Ir

A Air France voa de Lisboa para Joanesburgo, uma das três capitais do país (com Pretória e Cidade do Cabo), via Paris, a partir de 1150 euros por pessoa. De lá até à região do Parque Kruger pode voar com a South African Airways até ao aeroporto de Skukuza por aproximadamente 200 euros por pessoa. No terreno poderá optar por alugar uma viatura para percorrer o Parque Kruger (entrada a partir de 4 euros por pessoa) ou recorrer aos serviços dos cerca de setenta resorts aí existentes. Faça um itinerário à medida com a Mundial Travel Agency.

Ficar

Reserva Sabi Sabi
– Earth Lodge
É um dos resorts de vida selvagem mais afamados do mundo. Tudo se conjuga para uma experiência única, da arquitetura sustentável à gastronomia digna de estrela Michelin, das profissionais idas para a selva ao design contemporâneo em ligação à natureza. Sem vedações e em total proximidade com os muitos animais que vivem na região. Almoçar com elefantes e girafas por perto, dormir a ouvir os grandes felinos lá fora é um luxo ao alcance de muito poucos. Tem 13 suites onde nada falta.
Tel.: +27114477172
Desde 1295 euros por pessoa em quarto duplo com refeições, bebidas, transfers e serviço de guias incluídos.
sabisabi.com

– Selati Camp
É o mais antigo dos lodges desta reserva. Tem a decoração de uma antiga estação de comboios, já que o nome é o da linha férrea que por aqui passava, cuja ligação ia até Moçambique. Tem apenas oito quartos e o estilo de decoração faz lembrar os cenários do filme África Minha. À mesa, destaque para o tradicional churrasco.
Tel.: +27137355771
Desde 795 euros por pessoa em quarto duplo com refeições, bebidas, transfers e serviço de guia incluídos.
sabisabi.com

Parque Kruger
– Rhino Post
Experiência de maior proximidade com a natureza, mas com toda a segurança e conforto. Está situado numa reserva privada de 12 mil hectares em pleno Parque Nacional. Possibilidade de idas a pé para o terreno, bem como de jipe.
Tel.: 27354741473
Quarto duplo desde 340 euros por pessoa com refeições, chá e café e algumas atividades com guia, como idas para o terreno. Desconto de 15% acima de oito noites de alojamento.
isibindi.co.za.com

A não perder

Rhino Walking Tour
Há vários trilhos disponíveis no Rhino Post que podem ser feitos a pé, dormindo em acampamentos no terreno. Aproveite os programas de 5,4,3 e 2 noites. Cada um está limitado a oito participantes, guiados por dois rangers armados, profundos conhecedores da região. Antes do início, os participantes são informados do que podem e não podem fazer na selva. As partidas são antes do pequeno-almoço e ao fim da tarde, para evitar as horas de maior calor. Cada caminhada tem uma duração de três a quatro horas.
Tel.: 27354741473
A partir de 365 euros por pessoa em tenda dupla com refeições, bebidas e serviço de guia incluídos.
rhinopost.co.za


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