O ritmo é sem pressas. A paisagem, inesquecível. As pessoas, de gentileza comprovada. E a comida, ai a comida… Vá aos Açores com alguns planos, mas não demasiados. Em São Miguel, por exemplo, a melhor receita é deixar-se levar pelo ritmo da ilha.

Texto de Dora Mota
Fotografia de Pedro Granadeiro/Global Imagens

É provável que o primeiro – e mais revigorante – remédio da ilha de São Miguel seja tomado à saída do avião, no aeroporto de Ponta Delgada, ao contacto com o seu ar fresco e limpo. A segunda terapia açoriana há de impor‑se logo a seguir – esta não é uma terra onde se corra, por isso é escusado querer galgá‑la com um ritmo de pacote turístico. Nada, nem ninguém, vai ajudar um continental citadino a cumprir uma agenda sôfrega. Nem os micaelenses que gostam de conversar nem aqueles que, tendo aberto negócios que prosperam com o turismo, podiam fazê‑lo.

Falamos, por exemplo, de Fernando Neves, que abriu um hotel – o Colégio – na sua antiga escola, criou a confeitaria Colmeia e ainda o restaurante La Cantina, nas Portas do Mar. Neste lugar onde se celebra «o produto local em diferentes culturas gastronómicas», serve‑se sushi, pratos tradicionais açorianos ou outros nele inspirados, com alguma fusão, e ainda pizas. Ao domingo, é de não perder a barriga de atum, ou uma invenção da casa, o cremoso de lapas, que deu um toque de risotto ao tradicional arroz daquele marisco. Fernando fez questão de mobilar o La Cantina com mesas corridas e, sobre elas, traves de madeira a evocar árvores. «Queria que as pessoas partilhassem os pratos, criar convívio e dar uma ideia de comunidade.» E há sempre mais qualquer coisa a prolongar a refeição, como um pratinho com frescas trufas de ananás.

Dali para o centro da cidade, podemos ser iludidos pelo jeito veloz de Ricardo Santos, e não é só isso que ilude neste chef que abriu um dos restaurantes mais em voga em Ponta Delgada, o Boca de Cena, junto à praça do Teatro Micaelense. Somos enganados pelo sotaque micaelense, sendo ele um nativo de Abrantes, que acompanhou a mulher, educadora de infância, para os Açores, já lá vão 16 anos. Passou por várias cozinhas, nesta
e noutras ilhas, antes de se lançar em nome próprio, e trabalha sozinho, na cozinha e na sala. Há quem vá ao Boca de Cena só para ver este chef franzino, de dizeres castiços e jeito de Speedy Gonzalez em ação.

Mas quase todos os que querem experimentar a carta onde há pratos como atum braseado ao mel, polvo crocante ou peito de faisão em molho de alecrim precisam de reservar mesa e não adianta fazer pressão. Ricardo só senta trinta pessoas cada noite e serve apenas uma vez. «Isto não é um restaurante para comer depressa», sublinha.

A dimensão da ilha cabe num fim de semana prolongado e, sendo assim, mais vale entrar logo no espírito dos gentis e tranquilos micaeleneses que costumam dizer, a quem os arrelia, «deslarga‑me da mão». É de aplicar ao nosso próprio stress, mal ali se chega.

São Miguel é um paraíso delicado, com os seus relevos e paisagens, miradouros com vistas de postal e lugares que nos enternecem.

É boa ideia alugar um carro para percorrer as pequenas distâncias que separam Ponta Delgada das Furnas, da lagoa das Sete Cidades, da Ribeira Grande e outros pontos de interesse. Entre eles a adorável plantação Ananases A. Arruda, na Fajã de Baixo, nos arredores da cidade. Ou seguir uma recomendação local e parar para almoçar na tasca do Mané Cigano, afamada pelos peixes fritos e pelos petiscos preparados pelo pai Mané e
pelo filho Hélder.

Poder ir andando e parando é a melhor forma de percorrer esse paraíso delicado que é São Miguel, com os seus relevos e paisagens, miradouros com vistas de postal, lugares com alma comunitária que nos enternecem e, claro, as suas omnipresentes vacas. Convém é ir preparado para esbarrar em paredes de nevoeiro no lugar das vistas, e conformar‑se: estamos na terra onde todas as estações do ano se podem viver no mesmo dia.

Para conhecer Ponta Delgada, o melhor é ir a pé pela esquadria de ruas estreitas que se espalha em encostas até ao mar. Há muitos pormenores em que o olhar se pode deter. Esta é, sem dúvida, uma cidade para olhar para cima, para baixo e para os lados. E que emana um permanente aroma a fruta, a mar, com um ligeiro e doce travo fumado. No chão, encontra‑se a riqueza decorativa dos motivos criados com calcário branco e basalto, a pedra vulcânica das ilhas. Ela também está na ornamentação das fachadas, que têm um certo ar colonial, a chamar‑nos aos trópicos. A prender‑nos a atenção, temos ainda as pinturas ou obras de arte a surgir por todo o lado, nas paredes e muros da cidade, mercê do festival de arte e intervenção urbana, o Walk&Talk, criado em 2011.

Recomenda‑se sempre a Matriz, a praça principal da cidade, onde fica a igreja paroquial e os três arcos das Portas da Cidade. Essa praça, mais a sua linda calçada, só ganhou com a decisão de Catarina Ferreira, outra continental (da Benedita, Alcobaça), de ficar a morar na ilha onde começou a sua carreira de professora. «As pessoas dizem‑me que já sou micaelense», diz a morena risonha, que, se não ficasse em São Miguel, deixaria já na ilha um rasto considerável da sua presença, desde a abertura do primeiro hostel à venda de bolas‑de‑berlim na rua, ao restaurante vegetariano Rotas e, mais recentemente, à recuperação de uma loja centenária da cidade. Foi assim que o antigo Louvre Michaelense, mesmo junto à Matriz, ganhou nova vida, como cafetaria, venda de artesanato e mercearia fina.

Para conhecer a cidade de Ponta Delgada, o melhor é ir a pé pela esquadria de ruas estreitas. As lojas recentemente renovadas e o turismo animaram a vida.

Em setembro, Catarina abriu mais um espaço, no piso de cima do Louvre. Chama‑se, sem mais, No Andar de Cima, e, além de albergar eventos de música e petiscos aos finais da tarde – a agenda Lusco Fusco –, também serve ao domingo pequenos banquetes de pequeno‑almoço em modo buffet.

E se os micaelenses são os principais clientes daquele espaço, ainda não se habituaram a parar na Travessa d’Água, que o coletivo de arquitetos italiano Orizzontale mobilou com mesas e bancos de madeira, durante o último Walk&Talk. «Achei que ajudava as pessoas terem um sítio onde pudessem assar umas sardinhas e estar com os amigos, mas ainda não se apropriaram do sítio», diz o designer Vítor Cunha. Ele abriu com o amigo Mário Roberto a Miolo, galeria, livraria, editora e espaço de aprendizagens artísticas, sobre ilustração, fotografia e impressão, naquela outra banda de Ponta Delgada – já fora do lado do mar, onde se concentra o movimento.

Comer
Boca de Cena
Largo de São João, 4
Tel.: 296283262
Aberto das 19h30 às 22h00. Encerra ao domingo e feriados.
Preço médio: 30 euros

La Cantina
Portas do Mar, loja 2 (Marina)
Tel.: 296098693
Aberto das 12h00 às 15h00 e das 18h00 às 23h00. Não encerra.
Preço médio: 18 euros

Cervejaria Sardinha (Mané Cigano)
Rua Engenheiro José Cordeiro, 1/3
Tel.: 296285765
Aberto das 08h30 às 22h00 (almoços de segunda a sábado)
Preço médio: 8 euros

Taberna Bay
Rua Belém de Baixo, 1, Rosto de Cão (São Roque)
Tel.: 296382439 / 917192256
Aberto das 11h00 às 23h00. Não encerra.
Preço médio:20 euros (sem bebidas)

Louvre Michaelense / No Andar de Cima
Rua António José d’Almeida, 8-10
Tel.: 938346886
Aberto das 10h00 às 20h00. Não encerra (Louvre) Sexta, das 17h00 às 20h00 e domingos, das 09h00 às 13h00 (Andar de Cima)

Visitar
Miolo – Galeria, livraria e editora
Rua Pedro Homem, 45
Tel.: 913193716
Aberto das 10h00 às 18h00, sábado das 10h00 às 13h00. Encerra ao domingo.
facebook.com/miolo.cc.

Plantação de Ananás A. Arruda
Rua Dr. Augusto Arruda, Fajã de Baixo
Tel.: 296384483
Aberto das 09h00 às 18h00. Não encerra.
Entrada grátis.

Ficar
Azores Royal Garden Hotel – Um hotel com jardins japoneses
A fachada deste hotel, perto do aeroporto mas inserido nos primeiros quarteirões do centro
histórico, não faz adivinhar o que se encontra lá dentro. É uma serena decoração de inspiração oriental, amplos espaços com muita luz e um enorme jardim japonês a ligar todas as alas que, apesar do grande número de quartos (são 193), promove uma sensação de privacidade e conforto. Com vista para o jardim, há um ginásio, piscina interior e um spa, e, no hotel, pode comer no restaurante Jardim.

Azores Royal Garden Hotel
Rua de Lisboa
Tel.: 296307300
Quarto duplo a partir de 80 euros por noite (inclui pequeno-almoço). azoreshotelroyalgarden.com

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Esta ilha portuguesa é um tesouro por descobrir


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