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Apesar de ser de Letras, tem muitos números. Três filhos, sete livros, muitas árvores plantadas, 43 países riscados no mapa-mundo, três Interail feitos, três ainda por cumprir. Nasceu em Lisboa no ano em que os The Clash lançavam London Calling (1979), viveu em Washington e em Roma e a lua-de-mel foi uma aventura no Senegal. Gosta de uma mochila às costas, mas regressa sempre com mais livros para a biblioteca, analista de Política Internacional na RTP, Antena 1, Diário de Notícias, garante que o aeroporto é um dos seus locais preferidos.

Entrevista de Cláudia Arsénio (TSF) e Paulo Farinha (DN)

Olá, Bernardo Pires de Lima, porque é que gosta tanto de aeroportos?
Olá. Acho que é um misto de confusão com isolamento. Leio muito em aeroportos, ouço música de uma forma já contemplativa, como ouvia há 20 anos, dedicada à música e não descartável, e gosto de ver aquela movimentação toda. Acho que foca, é um bocadinho paradoxal mas sempre gostei de ler em cafés e com barulho, nunca me importei com isso. A mim, o silêncio chateia-me um bocadinho. Desfoca-me até. E depois aquela sensação de sair e chegar… revejo-me naquele ambiente (risos).

Curiosamente, apesar de gostar tanto de aeroportos, gosta muito de passar bastante tempo em cada lugar que visita.
Já tenho alguma dificuldade nisso. Para mim, as viagens precisam de tempo, de presença, de entrosamento local e o toca-e-foge do fim de semana ou de quatro dias não chega. Hoje em dia faço muito mais viagens profissionais do que propriamente por prazer, ou lazer. Sempre fiz viagens longas, três semanas, um mês, mês e meio – por aí – e a viagem exige isso. Sou muito mais viajante do que…

Turista?
Turista. Nunca me identifiquei muito com isso.

Nessas viagens grandes que já fez – e são algumas, falaremos de algumas – esteve no Alasca. É tudo o que dizem?
É de uma imponência natural impressionante e eu até fui numa altura de verão, estava muito calor, e depois tive a sorte de viajar para o interior do Alasca de helicóptero e é qualquer coisa de inexplicável. Não é só a dimensão, mas a distância para um ponto de referência. Olhava para os mapas e os mapas nunca eram iguais aos nossos, que aprendemos com Portugal no meio e a coisa toda muito arrumadinha. É o Círculo Polar e uma fotografia do mundo visto de cima. Lembro-me que aquilo é muito tribal, tem muitos nativos e a distância para a cidade mais próxima é quase de um planeta para o outro. Lembro-me de ouvir falar de os aviões pequenos, os air taxis, irem levar medicamentos de mês a mês a uma povoação de esquimós longínqua. Todos esses nativos fazem parte da realidade daquele estado, que é o maior estado. As maiores críticas aos EUA, foi ali que as ouvi.

Visitou 28 capitais europeias num só ano. Como é que surgiu este projeto que acabou por resultar também num livro?
O projeto nasce porque eu quero sempre fazer melhor do que o anterior. E eu em 2016, um ano antes dessas viagens, tinha publicado três livros, que é uma coisa que ninguém deve fazer. Achei que precisava de ainda subir um bocadinho o nível de exigência e olhei para o ano seguinte e vi muita coisa a acontecer na Europa. Um ano que poderia dar para o torto, muitas eleições, e comecei a fazer um calendário de eventos e montei uma coisa que foi relativamente fácil, mas queria muito ter alguns critérios. Os critérios eram as capitais, porque não dava muito para percorrer os países todos. E depois, muitas reuniões e entrevistas com personagens relevantes locais de vários quadrantes. Não recorrer a portugueses também foi um dos critérios.

E fez tudo de uma só vez? Ou ia voltando…?
Não, não. Ia voltando. Não dá.

O que é que nunca deixa de visitar quando está no estrangeiro?
Por exemplo, já perdi a conta às vezes em que estive em Paris e nunca subi à Torre Eiffel. Prefiro ir ao Rodin ou, sei lá, andar pela rua, visitar os bairros.

Há pouco falámos de The Clash. London Calling é um dos seus álbuns preferidos. Londres vai continuar a chamá-lo depois do Brexit?
Sim, claro. O que é que Londres tem? Londres é talvez a cidade mais simbólica da construção europeia para a minha geração, para a nossa geração. Concentra ali aquela mescla de identidades, depois uma grande efervescência cultural, literária, musical, cinematográfica, teatral, é tudo ali. Aquilo para mim é a União Europeia. Mas sim, quero continuar a ir. Quero continuar a ir a livrarias e a viver Londres. E não só, há mais Inglaterra para além de Londres. E mais Reino Unido para além de Londres.

O Sinai foi outra das suas grandes viagens. Passou quanto tempo no Sinai?
Fiz com a minha mulher 15 dias no Egito e andámos por ali de comboio, autocarro, mochila às costas. Foi um bocadinho antes da revolta de Tahrir e o Sinai hoje é proibitivo. Na altura era um bocadinho perigoso e eu era um bocado inconsciente. Lembro-me perfeitamente de fazer 18 horas num autocarro, a maior parte delas à noite e eles são doidos a viajar. Viajam sem luzes nos carros à noite e nas curvas – estamos a falar de um deserto, com montanha, etc., estradas muito apertadas – quando vêem um carro à frente fazem máximos de repente. Do apagão para os máximos. São coisas que hoje em dia acho que não faria, mais pela questão dos miúdos.

Já era pai na altura?
Não.

E desde então, mudou um pouco a sua forma de viajar?
Mudei um bocado. Quer dizer, apetece-me fazer coisas desse género, mas penso duas vezes. Na altura em que fui ao Alasca foi a primeira vez que percebi isso. A minha mulher estava grávida do nosso filho mais velho – estava para aí de sete meses – e eu pensei: ‘Estou no Alasca a andar de helicóptero no meio do nada’. Nunca me tinha passado pela cabeça isso, não é? Não vivo em paranoia, nada a ver com isso mas reconheço que são formas de pensar novas na nossa vida.

E a viagem grande, a viagem de sonho, aquela que ainda não fez mas que gostaria de fazer?
Eu gostava de fazer uma coisa grande, de um mês para a frente, na China. A dimensão territorial a mim interessa-me – nos EUA isso já é relevante. Perceber como estes grandes países fazem dessa dimensão territorial, e das diferenças enormes que têm lá dentro, um problema ou uma virtude no seu comportamento internacional. Isso interessa-me. E depois perceber, beber, gosto muito de aprender. Para mim, cada análise que faço, em televisão ou em rádio, é uma aprendizagem. Não tenho nenhum espírito de verdade absoluta quando parto para as coisas, pelo contrário. Deixo-me muitas vezes surpreender e depois, claro que tenho um posicionamento, uma interpretação e procuro fazê-la passar, e as viagens são uma grande bibilioteca, ao mesmo tempo. Talvez a maior do mundo. Aprendi imenso a viajar, imenso. E a conversar. E a ler com tempo, que é uma coisa que hoje em dia é mais difícil, porque se abandona muito os artigos, a imprensa e os livros. Já se lê os livros de uma forma muito descartável. É preciso tempo para mergulhar nas coisas e lembro-me perfeitamente de fazer viagens, de fazer um Interail em 2009, nos 20 anos da queda do Muro de Berlim, e fui fazer algumas das cidades que estiveram nessa génese da história da queda do muro – Parga. Budapeste, aquelas cidades todas – e percorri um bocadinho a história desses momentos in loco, 20 anos depois. E escrevi muito sobre isso, isso interessa.

E porque é que essa viagem ainda está por fazer?
Porque requer muito tempo e eu já não tenho muito tempo. Já ninguém tem muito tempo para fazer essas viagens. SE eu voltasse atrás, o que é que eu faria de diferente era – na altura em que tínhamos três meses de férias grandes – era tentar sugar esses meses de outra maneira. Não estou a dizer que não tive férias espetaculares, mas não eram com esta ambição. Agora sabe-se muito mais do que se sabia e é fácil falar, mas é preciso encontrar tempo no calendário e depois encontrar aqui a convergência de agendas entre a parte familiar e a parte profissional. E eu ainda não tenho essa capacidade. Não tenho nenhum fetiche com a China em particular, mas acho que é importante perceber a China de uma maneira profunda. Para a minha área e para a nossa vivência, quer dizer, não vale a pena esconder a evidência do impacto que tem, mas se eu pudesse fazer uma viagem de comboio por África, também faria. Ou pela América Latina, não sou esquisito nesse aspeto. Preciso é de algum tempo. E preciso não ir com uma coisa muito estudada, não gosto muito disso.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.


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